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Entendendo o acordo entre Serasa e Justiça Eleitoral, que repassa dados de 141 milhões de brasileiros

No último dia 23, foi publicado no Diário Oficial da União um acordo de cooperação técnica entre o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e a Serasa Experian, uma empresa privada. Nessa parceria, o tribunal poderá repassar à empresa o nome e número eleitoral de todos os eleitores cadastrados – são 141 milhões de pessoas. Para validação, […]

No último dia 23, foi publicado no Diário Oficial da União um acordo de cooperação técnica entre o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e a Serasa Experian, uma empresa privada. Nessa parceria, o tribunal poderá repassar à empresa o nome e número eleitoral de todos os eleitores cadastrados – são 141 milhões de pessoas. Para validação, será possível usar data de nascimento e até o nome da mãe.

Funcionários do TSE tentaram esclarecer o acordo, mas ainda deixam muitas dúvidas. A presidente do órgão, por sua vez, promete suspender o repasse dos dados.

No Diário Oficial, o extrato do acordo é assinado por Anderson Vidal Corrêa, diretor-geral do TSE, além do diretor financeiro da Serasa S/A. O texto é bem sucinto, e inclui o seguinte trecho:

OBJETO: Prestação de informações contendo o nome do eleitor, número e situação da inscrição eleitoral, além de informações sobre eventuais óbitos e validação do nome da mãe e data de nascimento.

Mas “prestar informações” não é o mesmo que “repassar informações”, certo? O Serasa poderia apenas conferir com o TSE se algum dado em sua base – que reúne a situação de crédito de milhões de brasileiros – está incorreto. É isso que, de acordo com o diretor-geral do TSE, está acontecendo. Do Estadão:

Anderson Vidal Corrêa, diretor-geral do TSE, negou que o tribunal esteja abrindo dados sigilosos. Ele afirmou que itens como nome da mãe ou data de nascimento do eleitor serão apenas validados – ou seja, o órgão dirá à Serasa se a empresa dispõe ou não das informações corretas sobre determinada pessoa. Se o dado estiver incorreto, o TSE não vai corrigi-lo, argumentou Corrêa.

Ele não nega, no entanto, que o nome e número eleitoral serão repassados à Serasa. E para Dennys Antonialli, coordenador do Núcleo de Direito, Internet e Sociedade na USP, o TSE precisaria de “consentimento expresso” dos eleitores para poder repassar seus dados – especialmente a uma empresa privada.

E a situação fica mais espinhosa. Francisco Reverbel, professor da USP, publicou no Twitter parte do acordo do TSE com a Serasa. Dois pontos chamam a atenção. Na cláusula primeira, temos:

Parágrafo Primeiro – As informações fornecidas pelo TSE à Serasa poderão ser disponibilizadas por esta aos seus clientes nas consultas aos seus bancos de dados.

Ou seja, os dados de um órgão público, repassados sem a autorização dos envolvidos, deixarão a base de uma empresa privada ainda mais completa – e mais rentável. Isso é permitido? A própria presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, declarou hoje que esse cadastro é “patrimônio do povo brasileiro”: não pode ser facilmente repassado a uma empresa, muito menos aos clientes dela. E mais à frente, o texto pede para “guardar o necessário sigilo dos dados que se tornarem conhecidos em razão deste acordo” – isso parece contraditório.

Então temos isto:

Parágrafo Terceiro – Em contrapartida à disponibilização pelo TSE das informações citadas no Caput, a SERASA emitirá ao TSE a quantidade de 1.000 (hum mil) certificados digitais modelo e-CPF A3, com validade de 2 (dois) anos, em cartão, com as respectivas leitoras, conforme Anexos I e II.

Isso significa que o tribunal ganhará da Serasa várias unidades do cartão e-CPF: ele serve como assinatura eletrônica com validade jurídica para documentos oficiais. O certificado digital, no caso, será válido por 24 meses. De acordo com o site da Serasa, cada cartão com sua respectiva leitora custa R$ 310:

Basicamente, o TSE ganha R$ 310.000 ao ceder informações de 141 milhões de brasileiros. Isso não é quase como vender os dados? Como nota o criminalista Pierpaolo Bottini, é preciso um mandado judicial para obter os dados de eleitores sob a posse do TSE – ou seja, esses dados não podem ser vendidos. O criminalista Antonio Cláudio Mariz de Oliveira diz ao Estadão que “fornecer banco de dados para a Serasa me parece uma violação do direito à privacidade, o que é inconstitucional”.

E o mais impressionante é que a presidente do TSE aparentemente não foi informada do assunto. Segundo o Estadão, Cármen Lúcia “levou um susto” com o acordo.

Quem foi responsável por essa medida polêmica? O cadastro dos eleitores fica a cargo da corregedoria-geral. E segundo o TSE, a decisão partiu da ex-corregedora do tribunal Nancy Andrighi, e foi confirmada por sua sucessora, Laurita Hilário Vaz. “Por isso, a matéria nunca foi levada ao conhecimento prévio da presidência do TSE ou aos demais ministros”, disse Cármen Lúcia ao jornal.

A ministra Laurita Vaz deve convocar, ainda hoje, uma coletiva à imprensa para se explicar. Enquanto isso, a presidente do TSE diz que o assunto “deve ser levado ao Plenário do TSE”. Ela defende a suspensão imediata do repasse de dados para a Serasa Experian.

Esse é um momento péssimo para divulgar informações sem autorização, dado o escândalo de espionagem dos EUA (dos quais o Brasil é alvo prioritário), e dado que o TSE está atualmente fazendo o cadastro biométrico dos eleitores – uma medida dessas pode minar a confiança no órgão. Esperamos que o TSE volte atrás na decisão.

A íntegra do acordo, que pode ser obtida através deste link, segue abaixo:

Obrigado, Francisco Reverbel!

Foto inicial por Prefeitura de Sete Lagoas/Flickr

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