Entendendo o impasse entre o Brasil e o maior consórcio astronômico do mundo

A decisão para a entrada integral do Brasil no ESO (Observatório Europeu do Sul) exige uma assinatura da presidente e um investimento bilionário.

A comunidade astronômica brasileira está ansiosa por uma definição do governo brasileiro. Trata-se da possível entrada em definitivo do país no ESO (Observatório Europeu do Sul), que é considerado o maior consórcio astronômico do mundo – mas a atual crise política e econômica pode colocar tudo a perder.

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Este consórcio de 15 países europeus mantém três observatórios astronômicos no deserto do Chile, e participa do ALMA – um observatório mantido em parceria com EUA, Canadá e países asiáticos.

O processo de adesão do Brasil ao ESO começou há seis anos. Na ocasião, Sérgio Rezende – ex-ministro de Ciência e Tecnologia, e físico por formação – assinou um acordo formalizando a entrada do país. Desde então, astrônomos brasileiros podem submeter suas observações em pé de igualdade com os outros países-membros. No entanto, o Brasil ainda não é um membro efetivo, por isso não participa de decisões importantes, e empresas brasileiras não podem concorrer a licitações para construção ou melhoria de telescópios.

A adesão em definitivo envolve um pagamento na ordem de 270 milhões de euros (mais de R$ 1 bilhão com o câmbio atual) parcelados em 10 anos. O projeto foi avaliado pela Câmara e pelo Senado em 2015 e foi aprovado nas duas casas. E é aí que entra o governo brasileiro: desde então, isso está nas mãos da presidente Dilma Rousseff, que pode sancionar ou vetar o projeto.

O telescópio para caçar planetas

Desde que foi cogitada a entrada efetiva do Brasil no ESO, a entidade passou a contar em seu planejamento com a possível contribuição do país. Um exemplo disso é o projeto de construção do E-ELT (European Extremely Large Telescope), um telescópio óptico com uma lente de 39 metros de diâmetro — atualmente, o maior telescópio na Terra tem um espelho de 10,3 metros.

O custo total do projeto é 1 bilhão de euros, e com ele será possível analisar a superfície de exoplanetas, estudar populações estelares e fazer observações do universo profundo.

Artist's impression of the European Extremely Large Telescope (E-ELT) in its enclosure on Cerro Armazones, a 3060-metre mountaintop in Chile's Atacama Desert. The 39-metre E-ELT will be the largest optical/infrared telescope in the world — the world's biggest eye on the sky. Operations are planned to start early in the next decade, and the E-ELT will tackle some of the biggest scientific challenges of our time. The design for the E-ELT shown here is preliminary.

Concepção artística do E-ELT (European Extremely Large Telescope) no deserto do Atacama, no Chile. Crédito: ESO/L. Calçada

Em um documento no site do ESO, a entidade previa que o Brasil se tornaria um membro efetivo em 2013. No entanto, o processo se arrastou por todos esses anos; por isso, o órgão fez uma espécie de plano de contingência. “O ESO vai construir o E-ELT com ou sem o Brasil. O problema é que, sem o Brasil, as atividades não ficarão prontas até 2024, como queremos, e sim em 2026”, explica Tim de Zeeuw, diretor geral do ESO, ao Gizmodo Brasil.

Por que pode ser bom

Por que o Brasil deveria fazer parte integralmente do consórcio? Para o brasileiro Claudio Melo, diretor científico do ESO, nossa comunidade astronômica terá mais incentivo para crescer, e o país passará a ter maior divulgação sobre o tema.

Durante nossa visita ao observatório Paranal, no deserto chileno, ele usou uma analogia para explicar a importância da adesão. “Seria praticamente um efeito Guga”, disse ele, em referência ao sucesso do tenista Gustavo Kuerten.

A SAB (Sociedade Astronômica Brasileira) afirma ter mais de 800 sócios, e diz ter passado por um grande crescimento fora dos grandes centros. A perspectiva é chegar a 2.000 membros em dez anos.

Outro fator que deve ser levado em conta é o desenvolvimento tecnológico. A astronomia é uma área que praticamente só faz ciência pela ciência — boa parte das iniciativas são bancadas por estados. Mas de acordo com Melo, cerca de 70% do valor investido por um país que se torna membro do ESO é “reembolsado” em forma de contratos com companhias nacionais.

Ele argumenta que existe toda uma questão tecnológica, pois os equipamentos desenvolvidos são de ponta. Sobre este aspecto, Tim de Zeeuw explica:

O Brasil tem sólidas instituições e com vastos conhecimentos técnicos interessantes. Em Itajubá (MG), por exemplo, há um instituto mundialmente conhecido por saber lidar com fibras ópticas extremamente finas, o que seria muito importante para determinados instrumentos nos observatórios. Além disso, o país vende petróleo e até constrói aviões. Todos esses itens são de nosso interesse.

Problemas

A iniciativa levanta questões econômicas e científicas. Para começar, o Brasil, além de uma crise econômica, passa por uma crise política. A presidente Dilma Rousseff, durante visita a Santiago (Chile) no fim de fevereiro, sinalizou que ainda quer o país como membro do ESO:

Nosso ingresso no Observatório Europeu do Sul trará benefícios não somente para a indústria brasileira, mas também para a ciência e a educação no Brasil. E essa é uma cooperação com o Chile.

No entanto, com a retração econômica, o governo brasileiro pode considerar o investimento de 270 milhões de euros muito alto diante do cenário atual.

E um astrônomo ouvido pelo Gizmodo Brasil sob condição de anonimato considera que a adesão “é um exemplo de má política científica, pois há parcelas baseadas no PIB do país”, disse. “O PIB do Brasil pode ser comparável com o da França, mas nossa comunidade de astrônomos é menor que a da Holanda.”

Para o astrônomo, por ora, há alternativas mais baratas. Ele cita, por exemplo, o CFHR (Canada-France-Hawaii Telescope), um observatório localizado no Havaí de propriedade dos EUA, Canadá e França, para o qual o Brasil não renovou o contrato de utilização. Além disso, há o Gemini, do qual o Brasil já participa em convênio com Argentina, Estados Unidos, Canadá e o Chile. De acordo com o astrônomo, “a produtividade de astrônomos brasileiros neste observatório é considerável comparada com a de outros países-membros do consórcio”.

Imagem do pôr de sol no observatório Gemini, que fica no deserto chileno. Crédito: Gemini Observatory

Só em 2014, foram publicados 27 artigos de autores ou coautores brasileiros, segundo dados do LNA (Laboratório Nacional de Astrofísica). Ao todo, foram contabilizados 224 artigos publicados como resultado de observações. O feito é relevante, pois o Brasil só tem 6% de tempo de observação e conseguiu pouco mais de 10% das publicações.

Em sua defesa, o ESO diz que concedeu descontos ao Brasil na taxa de adesão e nas contribuições anuais, pois leva em consideração a crescente comunidade astronômica. O Brasil só deve começar a pagar as mesmas taxas dos países europeus após 10 anos — enquanto isso, haverá um aumento gradual. Além disso, a instituição diz que, antes mesmo de o Brasil ser membro do ESO, pesquisadores brasileiros produziram mais de 180 artigos entre os anos de 2006 e 2010 — lembrando que o ESO, na época, já contava com dois observatórios.

O consórcio ainda argumenta que é importante ter mais concorrência entre cientistas, pois isso ajuda os profissionais a serem mais criteriosos ao submeter observações. Para que uma pesquisa seja realizada, uma equipe avalia os pedidos de observações dos astrônomos de países-membros e seleciona quais deles são mais relevantes.

Vale a pena?

O país deve ganhar na área astronômica, aumentando o interesse pelo assunto, e na área tecnológica, ao participar da construção de dispositivos de ponta. Além disso, como único membro não-europeu do ESO, o Brasil poderia se beneficiar em uma série de licitações até por uma questão geográfica — por que trazer algo da Europa quando isso puder ser feito em nosso próprio continente?

A presidente já deu sinais de que quer a parceria. Questionados, o MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia da Inovação), gabinete da presidência e o Itamaraty informam que não têm atualização sobre o processo. Agora, vai ser tudo uma questão de qual ministério deve fornecer o dinheiro, e se a crise permitirá tal investimento.

Imagem do topo: telescópios do observatório Paranal, que fica no deserto do Atacama, no Chile. Crédito: Guilherme Tagiaroli

O Gizmodo Brasil viajou para o deserto do Atacama, no Chile, a convite do ESO (Observatório Europeu do Sul).

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