Armas fabricadas por impressoras 3D: entenda a batalha judicial travada nos Estados Unidos

Cinco anos atrás, muitas pessoas pensaram que Cody Wilson era apenas um fanático de ideias visionárias. A revista New Yorker descreveu sua retórica sobre o desenvolvimento de projetos de fabricação de armas de fogo impressas em 3D disponíveis para qualquer pessoa na internet como “divorciada de qualquer realidade prática”. • As armas feitas em impressora […]

Cinco anos atrás, muitas pessoas pensaram que Cody Wilson era apenas um fanático de ideias visionárias. A revista New Yorker descreveu sua retórica sobre o desenvolvimento de projetos de fabricação de armas de fogo impressas em 3D disponíveis para qualquer pessoa na internet como “divorciada de qualquer realidade prática”.

• As armas feitas em impressora 3D estão ainda melhores (e mais preocupantes)
• A evolução das armas de fogo feitas em impressora 3D

Estamos em 2018, e a empresa de Wilson, a Defense Distributed, ainda aparece nas manchetes como uma ameaça à segurança nacional dos EUA. O presidente Donald Trump entrou na conversa essa semana, e nesta terça-feira (1º), um juiz federal proibiu que o rapaz de 30 anos relançasse seu site.

O que diabos está acontecendo?

O site em questão é o DEFCAD.org, um repositório online de modelos e instruções para a impressão 3D de armas de fogo. Em teoria, qualquer pessoa com uma impressora 3D poderia entrar no site, baixar um arquivo e imprimir uma arma com plástico ou outros materiais. “Eu acho que o acesso à arma de fogo é fundamental para a dignidade humana”, disse Wilson, que se autoproclama como um criptoanarquista, à CBS This Morning. “É um direito humano fundamental”.

Muitas pessoas do governo dos Estados Unidos parecem discordar. Wilson e sua organização planejaram relançar o DEFCAD.org nesta quarta-feira. O site tinha saído do ar em 2013, depois que o Departamento de Defesa ameaçou processar a Defense Distributed, alegando que a publicação de tais arquivos violava regras de exportação federais.

Com a ajuda do grupo de defesa do direito de porte de armas Second Amendment Foundation, Wilson entrou com uma ação judicial contra o Departamento de Estado em 2015, afirmando que o órgão violou o seus direitos de liberdade de expressão. E, em junho, o Departamento de Justiça da administração Trump ofereceu a Wilson um acordo que acabaria com a ação judicial e permitiria que a Defense Distributed publicasse os projetos para impressão 3D de armas na internet mais uma vez.

Wilson afirmou que o DEFCAD.org estaria online no dia 1º de agosto, mas um juiz federal emitiu uma ordem de restrição temporária proibindo que o site retornasse, horas antes de seu relançamento.

Já era tarde. Antes de o juiz federal agir, milhares de projetos para nove diferentes tipos de armas 3D já estavam disponíveis no site da Defense Distributed. Não está claro por qual motivo os arquivos foram disponibilizados antes da data anunciada por Wilson.

No entanto, depois que isso aconteceu, 21 Procuradores-Gerais de diferentes estados se juntaram e enviaram uma carta ao Departamento de Estado pedindo que a proibição da publicação de modelos de armas impressas em 3D na internet fosse restaurada.

Motivos obscuros

Cody Wilson pode não se importar. O autoproclamado libertário tecnológico parece tão obstinado em conduzir uma conversa sobre os ideais libertários quanto facilitar a fabricação de armas. Wilson faz questão de ressaltar que ele quer publicar os modelos de armas para desencadear (ou levantar a discussão) sobre a Primeira e Segunda Emenda da Constituição dos EUA.

Um dos projetos paralelos de Wilson, a propósito, é um site de financiamento coletivo chamado Hatreon, que foi utilizado pelos organizadores do protesto de supremacistas brancos em Charlottesville para levantar uma grana. Um dos apoiadores mais ilustres de Wilson é Peter Thiel, o investidor agressivo que secretamente financiou um processo que levou a Gawker Media (ex-dona do Gizmodo) à falência.

“Parece que eu cristalizei os termos de debate do jeito que eu queria”, disse Wilson ao New York Times nesta semana. “O argumento que faço, embora nem sempre muito bem, é que aquilo que estou fazendo está, na verdade, na linha principal da ideia Americana”. Presumivelmente, Wilson está se referindo ao direito à liberdade de expressão aqui, mas isso não está muito claro.

Essa queda de braço legal é só a ponta do iceberg de um debate que tem esquentado nos últimos cinco anos, desde que Cody Wilson e sua empresa começaram a ganhar as manchetes.

Toda essa história também fez nascer um novo projeto de lei que quer manter armas impressas em 3D longe das mãos dos Americanos e até mesmo regulamentar a fabricação das chamadas “armas fantasma” (armas de fogo que não podem ser rastreadas).

O problema, segundo os legisladores, é que a Defense Distributed não só está tentando tornar mais fácil para que as pessoas tenham armas impressas em 3D em suas casas, como está tentando tornar mais fácil para que as pessoas tenham acesso a armas letais sem números de identificação ou sem quaisquer conexões com fabricantes licenciadas.

Essa liberdade seria uma dádiva para terroristas e criminosos.

Vale a pena apontar aqui que a Defense Distributed também fabrica e vende fresadoras controladas por computador (máquinas destinadas a usinagem de materiais). Os chamados dispositivos Ghost Gunner permitem que um operador plugue um pendrive com o projeto de peças essenciais para a fabricação de armas e coloque uma estrutura de metal com formato de uma arma inacabada. Algumas horas depois, uma arma de fogo está pronta. A Defense Distributed vende essas máquinas por US$ 2.000 (R$ 7.500, em conversão direta). Uma estrutura 80% não finalizada de uma pistola M1911 custa apenas US$ 120 (R$ 450).

Legislação

“Ao passo que a tecnologia avança, precisamos fazer nossas leis e políticas acompanharem-na”, disse Po Murray ao Gizmodo. Murray é presidente da Newtown Action Alliance, uma organização formada após o tiroteio em massa na escola primária de Sandy Hook, e ativista que luta por leis permanentes que controlem armas impressas em 3D. “Essa é a única maneira pela qual poderemos manter todos seguros aqui e no exterior”, concluiu.

Essa é um ponto importante. O governo dos EUA – o Congresso, para ser mais específico – é conhecido por sempre estar atrasado em relação às inovações tecnológicas. Alguns dizem que é por isso que muitos Americanos sofrem com conexões lentas de internet, muito embora tenha sido os Estados Unidos o inventor da coisa.

As armas são outro problema. De acordo com a Suprema Corte dos EUA, a Segunda Emenda garante aos cidadãos Americanos o direito de possuir uma arma sob determinadas condições. Há muito tempo também é permitido que cidadãos fabriquem suas próprias armas de fogo sem nenhum tipo de licença, desde que não pretendam vendê-las ou distribuí-las, embora os requisitos de registro variem com base nas leis estaduais e locais.

Armas que não podem ser detectadas por detectores de metal são ilegais de acordo com a Undetectable Firearms Act (Lei de Armas de Fogo Não Rastreáveis, em tradução livre), mas alguns legisladores acham que essas leis não precisam ser atualizadas com a chegada das armas de fogo de plástico fabricadas por impressoras 3D.

Com toda essa controvérsia recente, existem três projetos de lei no Congresso dos EUA que tornaria as armas impressas em 3D ilegais: um projeto do Senador Richard Blumenthal de Connecticut, outro do Senador Bill Nelson da Flórida e outro do Deputado David Cicilline. O destino desses projetos ainda é um mistério, mas a questão não foge da atenção do público geral. Até mesmo o presidente Donald Trump entrou no assunto, citando uma conversa com a National Rifle Association (NRA):


Estou sabendo sobre as Armas de Plástico 3D serem vendidas ao público. Já falei com a NRA, não parece fazer muito sentido!

Trump parece esquecer de um detalhe. Cody Wilson e a Defense Distributed querem tornar as armas impressas em 3D disponíveis para o público de forma gratuita. Se a intenção fosse vender, todo o negócio já seria ilegal. De qualquer forma, ele acha que alguma coisa nessa história não faz sentido.

Talvez seja só isso. A batalha legal sobre armas impressas em 3D não faz muito sentido, principalmente pelo fato do país estar tentando debater a atualização das leis que controlam a posse de arma.

Liberdade de expressão?

A tecnologia é a força motora dessa conversa. Porém, a força motora do debate deveria ser a violência sem fim que as leis atuais permitem, dado o tiroteio de Sandy Hook e todos os outros tiroteios em massa que aconteceram recentemente.

De acordo com os críticos – bem como a maioria dos americanos, segundo uma pesquisa recente – já é fácil o suficiente comprar uma arma. Por que o governo dos EUA tornaria mais fácil para que as pessoas fabricassem suas armas?

Cody Wilson, por sua vez, insiste que sua luta para a disponibilização de projetos para a impressão 3D de armas trata-se de liberdade de expressão. Sua equipe de advogados utilizaram o mesmo argumento no caso contra o Departamento de Estado. “Se código é expressão, as contradições constitucionais são evidentes”, disse Wilson à Wired, em 2015. “E se o código for uma arma?”.

O Gizmodo entrou em contato com Wilson para perguntar se suas ideias mudaram desde então. Ele não respondeu até o momento dessa publicação.

O fato é que o acerto de contas de Cody Wilson vem aí. Sua missão que quer facilitar a impressão 3D de armas só está ganhando mais atenção e só temos dois cenários possíveis: ou isso acaba (provavelmente com uma lei federal que proíba tais armas), ou ele terá sucesso em sua empreitada.

Aparentemente, Wilson tem uma lápide para o “Controle de Armas Americano” na entrada de seu escritório da Defense Distributed em Austin, no Texas. O que torna muito difícil de acreditar que toda essa briga tem a ver com a liberdade de expressão.

Imagem do topo: Jim Cooke (Gizmodo)

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