#AgoraÉqueSãoElas: Como é ser mulher na tecnologia?

Camila Achutti é cientista da computação, empreendedora e ativista, e nos conta como é ser mulher no ramo da tecnologia.

A campanha #AgoraÉqueSãoElas foi criada por Manoela Miklos e sugere que homens cedam seu espaço para que mulheres falem sobre seus direitos e questões relacionados a gênero. O Gizmodo Brasil resolveu participar com a publicação de artigos de mulheres que atuam na área de tecnologia e que têm feito a diferença. 

A autora do primeiro da série é Camila Achutti, que é cientista da computação, empreendedora e ativista de diversas iniciativas sobre a inclusão da mulher com uso da tecnologia. No artigo abaixo, ela conta como é ser mulher no ramo da tecnologia:

Sem romantismo nem meias palavras, ser uma mulher na tecnologia é andar com um holofote na cabeça. Simples assim. E pode apostar que isso tem um lado bom e tem um lado ruim, bem ruim.

Quando decidi que seguiria na área, não tinha a menor ideia de nada que vou contar para vocês agora. Eu tinha 17, 18 anos e muitos sonhos. Via a tecnologia como um meio de conseguir realizá-los e resolver os problemas do mundo. Nunca tinha visto tecnologia como fim e continuo não vendo. Ela sempre foi e será o meu meio de fazer acontecer.

Logo no primeiro dia de aula na Universidade de São Paulo, na turma de ciência da computação de 2010, eu achei um “problema” que me acompanharia para sempre: a baixa participação das mulheres na tecnologia. Eu me vi no meu primeiro dia de aula sozinha! O primeiro dia de aula na faculdade já não é um momento superfácil, você tem que construir uma porção de referências e rever quase todos os seus conceitos, e eu tive que rever um bem significativo. Será que eu poderia mesmo fazer tecnologia e mudar o mundo? O mundo à minha volta me falava que não.

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Não tinha nenhum exemplo claro pra servir de inspiração, não tinha ninguém me falando que todas as notas boas em programação sem estudar dos meninos eram por causa dos anos de curso técnico que eles tinham feito. Não tinha ninguém ali como eu. E no último repente de confiança em mim mesmo, criei um blog chamado Mulheres na Computação, que por anos foi só uma menina na computação, mas que me fez enxergar o poder que eu tinha de volta, ainda mais aliada à tecnologia. Ele cresceu e se tornou, não só o meu lugar seguro, mas o de muitas outras meninas e mulheres na tecnologia. Íamos nos apoiar, ainda que à distância!

Acho que com esses 6 anos reduzidos a um parágrafo fica muito claro o que quis dizer com “holofote”. Onde eu estava, sabiam meu nome. As notas das minhas provas estavam na ponta da língua de todos. O meu desempenho nos trabalhos e apresentações eram atentamente observados e julgados.

Não foi (e não é) fácil ter que sempre carregar nas costas a obrigação de provar para o mundo que eu podia fazer tudo aquilo, que eu não era só uma carinha bonita. Eu tinha que ser bem-sucedida, senão todas as outras mulheres teriam que responder pelo meu fracasso. É essa a sensação! Quando a Camila errava a questão na prova de estrutura de dados, todas as mulheres tinham que lidar com esse erro. Afinal, mulheres não nasceram para isso, não é mesmo? Aliás, esse é um dos maiores motivos de evasão de mulheres da área: nunca poder errar e sempre ter que provar que ela merece estar ali mais do que qualquer outra pessoa.

E as mulheres que indiscutivelmente nasceram para isso não foram respeitadas ou reconhecidas como tantos outros homens foram (as vezes, por muito menos diga-se de passagem). Como pode todo mundo conhecer o Babbage e não conhecer a Ada Lovelace? Como pode só o Turing ter levado a fama sozinho sem a Joan Clarke? Como pode Anita Borg e Grace Hopper não terem estátua por aí? Elas foram decisivas e imprescindíveis para a história da computação, mas não servem de modelo para nossas jovens. Não são tema de filme, não estão nos livros de história. E é por isso que precisamos usar nosso holofote agora que ele está aceso! Se não agora, quando?

Entenderam o lado bom do holofote? Nunca se discutiu tanto a diversidade, é recente e está intenso o movimento. Estamos com ele bem brilhante e precisamos usá-lo a nosso favor! Não estou falando que é fácil, a última coisa que eu quero é colocar mais pressão nos ombros de nós, que já temos tanta. Mas se me contassem há 5 anos atrás que uma menina da computação ia sair como referência em diversas revistas femininas, que ia ganhar prêmio nacional e internacional, que ia se tornar exemplo para tantas outras, eu não sei se acreditaria.

Fomos destaque nas principais capas de revista do país, tivemos avanços, mas precisamos surfar essa onda e avançar sem ser superficial. Não adianta uma empresa achar que está mudando o cenário colocando uma meta mundial de aumentar a contratação de mulheres nas áreas técnicas. Precisamos mudar as meninas. Trabalhar na educação básica, no Brasil remoto. Estimular mais meninas, cobrir o Brasil como iniciativas como o Technovation Challenge, o Girls Who Code, trazer para o Brasil o Anita Borg Institute… precisamos mudar a base, fortalecer essa próxima leva de mulheres na tecnologia para lidar com esse holofote e mudar o rumo da história.

Este é o momento. Quem está comigo nessa? Não quero nunca mais escutar depois de me perguntarem o que eu faço um: “Nossa! Não parece! Você não tem cara de quem trabalha com tecnologia!”.

* Camila Achutti, 23, é formada em ciência da computação pela USP e mestranda na mesma instituição. Estagiou na sede do Google, na Califórnia (EUA), e atua em vários projetos de evangelização pelo poder da tecnologia no Brasil, como a “Semana da Mulher na Tecnologia” e “Maratona de aplicativos”, mais o site “Mulheres na Computação”. É ganhadora do prêmio Women of Vision 2015 e foi indicada ao Prêmio Cláudia 20 anos.

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