Como uma doença rara pode nos ajudar a entender o envelhecimento

Crianças com uma doença rara que faz com que seus corpos de desenvolvam de forma desorganizada podem ser a chave para que compreendamos o envelhecimento.
Algumas garotas desafiam o envelhecimento

Algumas garotas parecem desafiar uma das grandes certezas da vida: o envelhecimento.

Richard Walker vem tentando derrotar o envelhecimento desde que era um hippie amante da liberdade de 26 anos. Eram os anos 1960, uma era marcada pela juventude: protestos contra a Guerra do Vietnã, drogas psicodélicas, revoluções sexuais. O jovem Walker se deleitava com a cultura de regozijo, de joie de vivre, mas também estava perfeitamente ciente que aquilo teria um fim. Ele era assombrado pelo conhecimento de que cedo ou tarde o tempo roubaria toda sua vitalidade, de que a cada dia que passava seu corpo estava um pouco menos robusto, um pouco mais deteriorado. Uma noite ele saiu para dirigir seu conversível e fez um voto: ele prometeu que descobriria uma cura para o envelhecimento antes de seu aniversário de quarenta anos.

Walker se tornou um cientista para entender por que ele é mortal. “Certamente não é por culpa do pecado original e de um castigo de Deus, como eu fui ensinado pelas freiras no catecismo”, ele diz. “Não, o envelhecimento é o resultado de um processo biológico e, portanto, é controlado por um mecanismo que nós podemos entender”.

A ciência médica já aumentou a duração média da vida humana. Graças aos programas de saúde pública e aos tratamentos para doenças infecciosas, a quantidade de pessoas com mais de 60 anos dobrou desde 1980. Até 2050, espera-se que haja dois bilhões de pessoas acima dos 60 anos, 22% da população mundial. Mas isso leva a um novo problema: mais pessoas estão vivendo por tempo suficiente para contraírem doenças crônicas e degenerativas. A idade é um dos maiores fatores de risco para doenças do coração, derrame, degeneração macular, demência e câncer. Isso significa que para adultos em países ricos, a idade é o maior fator de risco para suas vidas.

Uma droga que torna o envelhecimento mais lento, mesmo que modestamente, seria um sucesso de vendas. Por enquanto, o que os cientistas conseguiram foi publicar várias centenas de teorias sobre o envelhecimento, e o relacionaram com uma grande variedade de processos biológicos. Mas ninguém entendeu como integrar todas essas informações diferentes. Alguns pesquisadores conseguiram tornar mais lento o envelhecimento e aumentar a expectativa de vida em camundongos, moscas e vermes com a ajuda de ajustes genéticos. Mas não está claro se essas manipulações funcionariam em humanos. E apenas um punhado dos genes relacionados à idade foram descobertos em pessoas, sendo que nenhum deles é o principal suspeito da culpa por envelhecermos.

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Walker, agora com 74 anos, acredita que a chave para acabar com o envelhecimento pode estar em uma doença rara que sequer tem um nome de verdade: a “síndrome X”. Ele identificou quatro garotas com essa condição, marcadas pelo que parece ser uma infância permanente, com uma dramática inibição do desenvolvimento. Ele suspeita que a doença seja causada por um problema em algum lugar do DNA das meninas. A busca de Walker pela imortalidade depende de encontrar onde está essa falha no DNA das garotas.


Mais uma semana cheia termina e MaryMargret Williams está levando sua prole de casa para a escola. Ela dirige uma enorme SUV, mas cada centímetro é ocupado por seus seis filhos com seus casacos, mochilas e lanches. As três crianças maiores estão pulando lá atrás. Sophia, dez anos, com um aparelho novo nos dentes, está reclamando de uma amiga que só pensa em garotos. Ela senta perto de Anthony, sete anos, e Aleena, cinco, que estão focados em alguma coisa no iPhone da mãe. As três crianças menores estão se remexendo nos três assentos da fileira do meio. Myah, dois anos, está acabando com uma raspadinha de cereja e Luke, de um ano, está cutucando um pacote de grilos frescos comprados para o lagarto da família.

Finalmente lá está Gabrielle, que é a menor das crianças, com apenas cinco quilos e meio, e a segunda mais velha, com nove anos. Ela tem pernas longas e finas e um rabo de cavalo igualmente longo e fino, os três se derramando pra fora do assento do carro. Enquanto seus irmãos riem e gritam, os olhos azuis acinzentados de Gabby apenas rodam na direção do teto. Pelo calendário, ela é quase uma adolescente. Mas ela tem a pele macia, os dedinhos cerrados e a mente obscura de um recém-nascido.

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Em 2004, quando MaryMargret e seu marido, John, chegaram ao hospital onde Gabby nasceria, não tinham ideia de que algo estava errado. Eles sabiam, pelo ultrassom, que ela teria os pés tortos, mas sua filha mais velha, Sophia, também tinha e fora isso era saudável. E, já que MaryMargret estava tendo a criança uma semana antes da data marcada, sabiam que Gabby seria pequena, mas não anormalmente pequena. “Então foi um choque quando ela nasceu”, diz MaryMargret.

Gabby nasceu roxa e flácida. Os médicos a estabilizaram na unidade de tratamento intensivo neonatal e começaram uma bateria de testes. Em alguns dias, os Williams souberam que seu novo bebê tinha perdido na loteria genética. O lobo frontal de seu cérebro era liso, sem as dobras e sulcos que permitem que os neurônios se acondicionem com firmeza. Seu nervo ótico, que vai dos olhos ao cérebro, era atrofiado, o que provavelmente faria com que ela ficasse cega. Ela tinha dois tipos problemas no coração. Seus pequenos punhos não podiam ser abertos. Ela tinha uma fenda palatina e um reflexo de deglutição anormal, o que significava que ela teria que ser alimentada por meio de um tubo em seu nariz. “Eles começaram a nos preparar para o fato que ela provavelmente não voltaria para casa conosco”, diz John. O sacerdote da família foi [ao hospital] batizar o bebê.

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Dia após dia, MaryMargret e John ficavam entre Gabby no hospital e Sophia, então com treze meses, em casa. Gabby gradualmente aprendeu a mamar da mamadeira e ganhou um pouco de peso, mas ainda tinha menos de dois quilos. Os médicos fizeram exames para detectar algumas síndromes genéticas conhecidas, mas todos deram negativo. Ninguém fazia ideia de como seria do futuro dela. A família, muito católica, colocou sua fé em Deus. “MaryMargret só continuava dizendo ‘ela vai conseguir ir pra casa, ela vai conseguir ir pra casa'”, lembra sua irmã, Jennie Hansen. E, após quarenta dias, ela conseguiu.

Gabby chorava muito, adorava ser aninhada no colo e comia a cada três horas, como qualquer outro recém-nascido. Mas é claro que ela não era [como qualquer outro]. Seus braços se enrijeciam e se erguiam até suas orelhas, em uma pose que a família apelidou de a “Harley-Davidson”. Aos quatro meses de idade, ela começou a ter convulsões. O mais enigmático e problemático é que ela ainda não tinha começado a crescer. John e MaryMargret a levaram de especialista em especialista: um cardiologista, um gastroenterologista, um geneticista, um neurologista, um oftalmologista e um ortopedista. “Suas esperanças quase aumentam um pouquinho: ‘Isso é excitante! Nós vamos ao gastro e talvez ele tenha algumas respostas!'”, conta MaryMargret. Mas todos os especialistas sempre diziam a mesma coisa: não havia o que fazer.

Os primeiros anos com Gabby foram estressantes. Quando ela tinha um ano e Sophia dois, os Williams foram de carro de sua casa, em Billings, Montana, até a casa do irmão de MaryMargret fora da cidade de St. Paul, Minnesota. Gabby chorou e gritou por quase todos os 1.368 quilômetros. Isso continuou por meses até os médicos perceberem que ela estava com uma infecção urinária comum. Por volta da mesma época, ela pegou uma infecção respiratória grave, que a deixou lutando para conseguir respirar. John e MaryMargret tentaram preparar Sophia para o pior e até mesmo planejaram quais leituras e músicas usar no funeral de Gabby. Mas o pequeno bebê resistiu bravamente.

Enquanto os cabelos e unhas de Gabby cresciam, seu corpo não estava ficando maior. Ela estava se desenvolvendo sutilmente, mas em seu próprio ritmo. MaryMargret lembra vividamente de um dia no trabalho, quando estava empurrando o carrinho de Gabby por um corredor com claraboias no teto. Ela olhou para Gabby e ficou chocada ao ver os olhos dela reagindo à luz. “Eu pensei, ‘Bom, você está vendo aquela luz!'”, conta MaryMargret. No fim das contas, Gabby não era cega.

A despeito das dificuldades, o casal decidiu que queria mais filhos. Em 2007 MaryMargret teve Anthony, e no ano seguinte teve Aleena. Nessa época os Williams tinham interrompido sua dura jornada de especialista em especialista, aceitando que não havia uma explicação para a condição de Gabby. “Em algum ponto nós decidimos”, lembra John, “que era hora de ficarmos em paz”.


Quando Walker iniciou sua carreira científica, ele focou no sistema reprodutivo feminino como um modelo de “envelhecimento puro”: os ovários da mulher, mesmo sem doença alguma, lenta e inevitavelmente acabam chegando às dores da menopausa. Seus estudos investigaram como a comida, a luz, os hormônios e a química do cérebro influenciam a fertilidade em ratos. Mas a ciência acadêmica é lenta. Ele não encontrou a cura para o envelhecimento antes de fazer 40 anos, nem aos 50 ou 60. O trabalho de sua vida era tangencial, na melhor das hipóteses, para responder a pergunta de por que nós somos mortais, e ele não estava feliz com isso. O tempo estava acabando.

Então ele voltou ao começo. Como descreve em seu livro, Why We Age, Walker começou uma série de experimentos mentais para refletir o que se sabe e o que não se sabe sobre a idade.

O envelhecimento costuma ser definido como o lento acúmulo de dano em nossas células, órgãos e tecidos, o que acaba causando as transformações físicas que nós todos reconhecemos nas pessoas idosas. O maxilar encolhe e as gengivas recuam. A pele fica flácida. Os ossos ficam frágeis, as cartilagens afinam e as articulações incham. As artérias endurecem e se entopem. O cabelo fica grisalho. A visão se escurece. A memória vai desaparecendo. A noção de que o envelhecimento é uma parte natural e inevitável da vida está tão estabelecida em nossa cultura que nós raramente a questionamos. Mas os biólogos vêm questionando o assunto há muito tempo.

É um mundo cruel lá fora, e mesmo nossas células jovens são vulneráveis. É como comprar um carro novo: o motor funciona perfeitamente, mas assim mesmo existe um risco que ele seja amassado na estrada. Nossas células jovens só sobrevivem porque nós temos à mão uma grande quantidade de mecanismos confiáveis. Por exemplo, o DNA, que fornece instruções cruciais para a fabricação de proteínas. Toda vez que uma célula se divide, ela faz uma cópia quase perfeita desse código de três bilhões de letras. Ao longo do caminho, frequentemente acontece de erros serem copiados, mas nós temos enzimas especializadas em reparo para consertá-los, como um corretor ortográfico automático. As proteínas também são sempre vulneráveis. Se fica muito calor, elas se contorcem em formas esquisitas que as impedem de funcionar. Mas, de novo, nós temos um mecânico: as chamadas proteínas de choque térmico, que correm para ajudar suas irmãs com má formação. Nossos corpos também estão regularmente expostos a venenos ambientais, como as moléculas de “radicais livres”, que surgem da oxidação do ar que respiramos. Felizmente, nossos tecidos estocam antioxidantes e vitaminas que neutralizam esse dano químico. Nossas mecânicas celulares vêm em nosso socorro de novo e de novo.

O que leva ao eterno enigma dos biólogos: se nossos corpos funcionam tão bem, por que, então, uma hora ou outra tudo vai pro ralo?

Quando somos jovens, todo o nosso corpo funciona perfeitamente

Nossa teoria é que isso é resultado das pressões da evolução. Humanos se reproduzem cedo, bem antes do envelhecimento mostrar sua cara feia. Todos os mecanismos de reparo que são importantes na juventude – os reparadores de DNA, as proteínas de choque térmico, os antioxidantes – ajudam os jovens a sobreviverem até a reprodução e, assim, são transmitidos às gerações seguintes. Mas os problemas que aparecem depois que já nos reproduzimos não podem ser eliminados pela evolução. Daí vem o envelhecimento.

A maior parte dos cientistas diz que o envelhecimento é causado não por um único culpado, mas sim pelo colapso de diversos sistemas em conjunto. Nossas robustas mecânicas de DNA se tornam menos efetivas com a idade, o que significa que nosso código genético vê um gradual aumento nas mutações. As sequências de DNA que agem como capas protetoras no final de nossos cromossomos, chamadas de telômeros, ficam menores a cada ano. Mensagens epigenéticas, que ajudam a ligar e desligar os genes, são corrompidas com o passar do tempo. Proteínas de choque térmico se degradam, levando a aglomerados de proteína emaranhada, que destroem o bom funcionamento de uma célula. Confrontadas com todo esse dano, nossas células tentam se ajustar mudando a forma como metabolizam nutrientes e estocam energia. Elas até sabem como se desligar para evitar o câncer. Mas, uma hora ou outra, as células param de se dividir e de se comunicar umas com as outras, causando o declínio que vemos aqui de fora.

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Cientistas que tentam tornar mais lento os processos da idade tendem a focar em um desses caminhos interconectados de cada vez. Alguns pesquisadores mostraram, por exemplo, que camundongos que estão em uma dieta de restrição de caloria vivem mais do que o normal. Outros laboratórios relatam que os camundongos vivem mais quando tomam rapamicina, um remédio que tem como alvo uma importante via para o crescimento celular. Outros grupos estão investigando substâncias que restauram telômeros, enzimas reparadoras de DNA e proteínas de choque térmico.

Durante seus experimentos mentais, Walker se perguntou se todos esses cientistas não estavam focando na coisa errada. E se todos esses tipos de dano celular fossem consequência da idade, mas não a causa do envelhecimento? Ele apareceu com uma teoria alternativa: que o envelhecimento é a consequência inevitável do nosso desenvolvimento.

A ideia ficou guardada no fundo da mente de Walker até a tarde de 23 de outubro de 2005. Ele estava trabalhando no escritório de sua casa quando sua esposa o chamou para se juntar a ela na sala. Ela sabia que ele ia querer ver o que estava passando na TV: um episódio de Dateline sobre uma garotinha que parecia estar “congelada no tempo”. Walker assistiu o programa e não conseguia acreditar no que estava vendo. Brooke Greenberg tinha 12 anos, mas apenas seis quilos e 68,5 centímetros. Seus médicos nunca tinham visto nada parecido com o estado dela, e suspeitavam que a causa era alguma mutação genética aleatória. “Ela é literalmente a Fonte da Juventude”, disse o pai da menina, Howard Greenberg.

Walker ficou imediatamente intrigado. Ele tinha ouvido falar de outras doenças genéticas, como a progéria ou a síndrome de Werner, que causam a velhice prematura em crianças e adultos, respectivamente. Mas essa menina parecia ser diferente. Ela tinha uma doença genética que parava seu desenvolvimento e, com isso, Walker suspeitava, o processo de envelhecimento. Em outras palavras, Brooke Greenberg poderia ajudá-lo a provar sua teoria.


Brooke nasceu algumas semanas prematura, com pouco menos de dois quilos. Ela tinha muitos defeitos de nascença, incluindo perda de audição moderada, quadris deslocados e feições dismórficas. Seu cérebro tinha cavidades de líquido anormalmente grandes e não tinha um corpo caloso, um grupo de fibras nervosas que conectam os hemisférios direito e esquerdo. Ela tinha dificuldade para engolir e, aos seis meses, era alimentada por meio de um tubo em seu estômago. Ela sempre tossia e arquejava. Seu pediatra, sem saber do que mais poderia chamar, rotulou a doença com o nome de “síndrome X”.

Aos três anos, Brooke chegou aos 4,5 kg, e ficou por aí até os doze anos, quando apareceu no Dateline. Após assistir ao programa, Walker encontrou o endereço de Howard Greenberg e enviou para ele uma carta sobre sua formação científica e seu interesse no caso de Brooke. Duas semanas se passaram até Walker ter uma resposta e, depois de muita discussão, ele recebeu a permissão para fazer testes com Brooke. Ele recebeu o histórico médico de Brooke, além de amostras de sangue para testes genéticos. Em 2009, sua equipe publicou um breve relatório descrevendo o caso da menina.

A análise de Walker descobriu que os órgãos e tecidos de Brooke estavam se desenvolvendo em ritmos diferentes. Sua idade mental, de acordo com os testes padronizados, estava entre o primeiro e o oitavo mês. Seus dentes pareciam ter oito anos de idade; seus ossos, dez anos. Ela tinha perdido quase toda sua gordura de bebê e seus cabelos e unhas cresciam normalmente, mas ela não tinha atingido a puberdade. Seus telômeros eram consideravelmente menores do que os de adolescentes saudáveis, sugerindo que suas células estavam envelhecendo em um ritmo acelerado.

Tudo isso evidenciava o que Walker apelidou de “desorganização do desenvolvimento”. O corpo de Brooke parecia estar se desenvolvendo não como uma unidade coordenada, mas sim como uma coleção de partes individuais dessincronizadas. Como primeiro exemplo, ele usou os problemas dela para se alimentar. Para se alimentar normalmente, uma criança precisa usar os músculos da boca para criar sucção, os do maxilar para abrir e fechar a boca e mexer a língua, para mover a comida para a garganta. Se esses sistemas não estivessem apropriadamente coordenados em Brooke, isso poderia explicar porque ela tinha problemas para se alimentar. O desenvolvimento do seu sistema motor passou por um problema parecido: ela não aprendeu a sentar até ter seis anos de idade e nunca aprendeu a andar. “Ela não está simplesmente ‘parada no tempo'”, escreveu Walker. “Seu desenvolvimento é contínuo, embora aconteça forma desorganizada”.

Ainda restava a grande questão: por que o desenvolvimento de Brooke estava desorganizado? Não era uma questão nutricional nem hormonal. A resposta tinha que estar em seus genes. Walker suspeitava que ela carregava uma falha em um gene (ou em um conjunto de genes, ou algum tipo de programação genética complexa) que direcionaria para um desenvolvimento saudável. Deve haver algum mecanismo, afinal, que nos permite desenvolver de uma única célula até um sistema de trilhões de células. Essa programação genética, pensou Walker, teria duas funções principais: ela iniciaria e direcionaria mudanças dramáticas do organismo, e também coordenaria essas mudanças em uma unidade coesa.

Envelhecemos, ele pensou, por que esse programa de desenvolvimento, essa mudança constante, nunca desliga. A mudança é crucial do nascimento até a puberdade: nós precisamos crescer e amadurecer. Depois que amadurecemos, entretanto, nossos corpos adultos não precisam de mudança, mas sim de manutenção. “Se você construiu a casa perfeita, você uma hora vai querer parar de colocar tijolos [nela]”, diz Walker. “Quando você construiu o corpo perfeito, você vai querer parar de bagunçar com ele. Mas não é assim que a evolução funciona”. Já que a seleção natural não pode influenciar traços que aparecem depois que já passamos nossos genes, nós nunca desenvolvemos um “botão de desliga” para o desenvolvimento, diz Walker. Então nós continuamos colocando tijolos na casa. No começo isso não causa muito dano: um telhado envergado aqui, uma janela quebrada ali. Mas uma hora ou outra os alicerces não conseguem mais sustentar o que foi colocado, e a casa desaba. Isso, diz Walker, é o envelhecimento.

Brooke era um caso especial porque ela parecia ter nascido com um botão de desliga. A mídia ficou fascinada pelo caso dela. Walker apareceu várias vezes na TV com a família Greenberg e explicou porque estava tão interessado nos genes de Brooke. “Essa é uma oportunidade para nós respondermos à questão ‘por que nós somos mortais?'” ele disse no programa Good Morning America. “Se estivermos certos, nós encontramos o pote de ouro”.

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Mas se provou difícil encontrar o culpado genético. Walker fez uma parceria com Maxine Sutcliffe, do All Children’s Hospital em St. Petersburg, na Flórida, para escanear o DNA de Brooke atrás de grandes ausências ou duplicações em seus cromossomos. Não encontraram nada fora do comum. Mas esses testes eram, de certa forma, rudimentares, apenas tocando a superfície do código genético completo da menina. Para encontrar a resposta, Walker precisaria sequenciar todo o genoma de Brooke, letra por letra.

Isso nunca aconteceu. Para o desgosto de Walker, Howard Greenberg repentinamente rompeu o relacionamento entre eles.


Em agosto de 2009, MaryMargret Williams viu uma foto de Brooke na capa da revista People, logo abaixo da manchete “MISTÉRIO DE PARTIR O CORAÇÃO: O BEBÊ DE DEZESSEIS ANOS”. Após ler o artigo, ela achou que Brooke parecia bastante como Gabby. Ela ficou ainda mais convencida após buscar no Google o nome de Brooke e assistir a alguns vídeos de suas aparições na mídia. O artigo tinha mencionado a pesquisa de Walker e sua ideia de que Brooke não estava “se desenvolvendo como uma unidade”. Ela pensou: será que esse pode ser o problema de Gabby, também? MaryMargret ligou para um editor da People, que deu a ela o endereço de Walker.

Nessa época, Walker estava devastado por ter perdido a oportunidade de estudar Brooke. Mas ele ainda tinha esperança de continuar sua pesquisa com outras crianças. Depois de toda a publicidade com Brooke, Walker diz que recebeu ligações e e-mails de umas vinte pessoas dizendo que seus filhos tinham o mesmo problema. A maior parte dessas pistas não levou a nada; as crianças eram anormalmente pequenas ou tinham atraso no desenvolvimento, mas fora isso não tinham nada parecido com a síndrome de Brooke.

Foi então que Walker recebeu um email de MaryMargret com uma breve descrição da condição de Gabby. Intrigado, ele respondeu pedindo mais detalhes. MaryMargret coletou todos os vários exames e scans de Gabby, organizou em um fichário grosso e enviou para a Flórida. Depois de analisá-los, Walker pensou que finalmente tinha encontrado outra Brooke. Ele ligou para MaryMargret e contou a ela sua teoria. Testar os genes de Gabby, disse ele, poderia ajudá-lo em sua missão de acabar com as doenças relacionadas com a idade e, talvez, o envelhecimento em si.

Essa ideia não foi bem recebida pelos Williams. John, que trabalha para a Secretaria de Administração Penitenciária de Montana, frequentemente interage com pessoas encarando a realidade de nosso tempo finito na Terra. “Se você está passando o resto da sua vida na cadeia, sabe, isso faz você pensar na mortalidade”, ele diz. O importante não é o quanto você vive, mas sim o que você faz com a vida que lhe foi dada. MaryMargret se sentia da mesma forma. Por anos ela tinha trabalhado em um consultório de dermatologia local. Ela conhece muito bem as pressões culturais para se manter jovem e deseja que mais pessoas compreendam a inevitabilidade de se ficar velho. “Você ganha rugas, você fica velho, isso é parte do processo”, ela diz. Então a ideia de Walker algum dia ajustar um gene para se livrar desse estágio crucial da vida, só para que os vaidosos de 30 anos não precisem envelhecer? Eles não queriam ter nada a ver com isso.

Mas a pesquisa de Walker também tinha seu lado positivo. Primeiro e antes de tudo, ela poderia revelar se os outros filhos dos Williams corriam o risco de passar pela mesma condição de Gabby.

Por muitos meses, John e MaryMargret discutiram os prós e contras. Eles falavam sobre isso todas as noites antes de dormir e pediram opiniões para amigos próximos e para a família. Eles não tinham a ilusão de que os frutos da pesquisa de Walker poderiam mudar o estado de Gabby, tampouco desejavam isso. Mas eles queriam saber o porquê. “O que aconteceu, geneticamente, para fazer dela quem ela é?”, diz John. E, o mais importante: “Há um significado maior para isso [tudo]?”

John e MaryMargret acreditam com firmeza que Deus lhes deu Gabby por um motivo. O estudo de Walker oferecia um motivo reconfortante: para ajudar a tratar Alzheimer e outras doenças causadas pela idade. “Há uma pequena parte que Gabby possa oferecer para ajudar as pessoas a resolverem essas doenças terríveis?”, pergunta John. “Pensando nisso, é tipo, não, isso é para outras pessoas, não é para nós”. Mas então ele lembra do dia que Gabby nasceu. “Eu estava na sala de parto, pensando a mesma coisa – isso acontece com as outras pessoas, não conosco”.

Ainda sem ter total certeza, os Williams foram em frente com a pesquisa.


Walker publicou sua teoria em 2011, mas foi apenas mais um de muitos pesquisadores a pensar nos mesmos moldes. “Teorias ligando o processo de desenvolvimento ao envelhecimento estão por aí há muito tempo, mas têm ficado um tanto fora do radar da maior parte dos pesquisadores”, diz João Pedro de Magalhães, um biólogo na Universidade de Liverpool. Em 1932, por exemplo, o zoólogo inglês George Parker Bidder sugeriu que os mamíferos têm algum tipo de “regulador” biológico que para o crescimento depois que o animal alcança um tamanho específico. O envelhecimento, pensava Bidder, era a ação contínua desse regulador após o crescimento estar completo.

Estudos subsequentes mostraram que Bidder não estava muito certo; há vários organismos marinhos, por exemplo, que nunca param de crescer mas envelhecem de um jeito ou de outro. Ainda assim, persiste sua ideia fundamental de um programa de desenvolvimento que leva ao envelhecimento. Em meados da década de 2000, Mikhail V. Blagosklonny, do Roswell Park Cancer Institute em Buffalo, Nova York, publicou uma série de artigos sobre a “teoria do hiperfuncionamento”, que é de certa forma semelhante à de Walker. “A senescência é um pseudo-programa, apenas uma continuação do programa de desenvolvimento”, escreveu Blagosklonny. “A força que guia o desenvolvimento está constantemente ligada, se tornando super funcional e prejudicial”.

Todas essas teorias do desenvolvimento estão “corretas”, diz David Gems, geneticista na University College London. O modo atual de se pesquisar o envelhecimento é “jogar as mãos pro alto e dizer ‘bem, tem um monte de coisa acontecendo aqui'”, ele diz. As teorias do desenvolvimento, em contraste, podem fornecer “uma visão principal, central, do envelhecimento”.

Gems aponta que essas teorias do desenvolvimento são reforçadas por estudos com o Caenorhabditis elegans, um verme (ou nematoda). Muitos laboratórios, incluindo o dele, usam esse animal para estudar o envelhecimento porque ele tem um tempo de vida curto (de menos de um mês) e é fácil de se manipular geneticamente. Por muitos anos, o grupo de Stuart Kim na Universidade de Stanford vem comparando quais genes se manifestam em vermes jovens ou velhos. Descobriu-se que alguns genes envolvidos no envelhecimento também ajudam a guiar o desenvolvimento na juventude.

Kim sugeriu que a causa primária da velhice é a “derivação”, ou a ação na hora errada, dos caminhos de desenvolvimento durante o processo de envelhecimento, e não o acúmulo de dano celular.

Desde então, outros grupos encontraram padrões similares em camundongos e primatas. Um estudo, por exemplo, relatou que genes manifestados em camundongos envelhecendo estavam envolvidos no processo de tornar o crescimento mais lento, no final da juventude. Outro mostrou que muitos genes ligados nos cérebros de macacos e humanos velhos são os mesmos manifestados em cérebros jovens, sugerindo que o envelhecimento e desenvolvimento são controlados pelas mesmas redes de genes.

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Talvez o mais excitante de tudo: alguns estudos em vermes mostraram que desligar genes de desenvolvimento essenciais em adultos prolonga a vida de forma significativa. “Nós encontramos uma porção de genes em que isso acontece, várias dezenas [deles]”, diz Magalhães.

Ninguém sabe se o mesmo tipo de programa de desenvolvimento genético existe em humanos. Mas digamos que exista. Se alguém nasceu com uma mutação que destrói completamente esse programa, raciocinou Walker, essa pessoa sem dúvida morreria. Mas se a mutação destruísse apenas parcialmente, poderia levar a uma condição como a que ele viu em Brooke Greenberg ou Gabby Williams. Então, se Walker conseguisse identificar a causa genética da síndrome X, ele também poderia ter um guia para o processo de envelhecimento em todos nós.

E, se ele encontrasse isso, poderia levar ao caminho para tratamentos que tornassem mais lento, ou mesmo parassem, o envelhecimento? “Não há dúvidas sobre isso”, ele diz, ressaltando que os cientistas já desenvolveram formas de silenciar genes humanos. “A tecnologia está avançando muito rápido”.


Após concordar em participar da pesquisa de Walker, os Williams ficaram famosos, assim como os Greenbergs antes deles. Em janeiro de 2011, quando Gabby tinha seis anos, o canal de TV TLC apresentou-a em um documentário de um hora, e dois anos depois os produtores voltaram para uma continuação. A família Williams também apareceu na TV japonesa e em dezenas de artigos de jornais e revistas. Quase toda vez que a família saía para jantar, estranhos se aproximavam para conhecer o “bebê boneca” de cabelos longos.

Afora se tornar uma celebridade local, no entanto, a vida cotidiana de Gabby não mudou muito desde que se envolveu na pesquisa de Walker. Ela passa seus dias cercada por sua grande família. Normalmente deita no chão, ou em uma das várias almofadas projetadas para evitar que sua espinha se torça e fique em forma de C. Ela faz barulhos que preocupariam alguém de fora: grunhindo, ofegando em busca de ar, rangendo os dentes. Seus irmãos nem reparam. Eles brincam na mesma sala, barulhentos, de alguma forma sempre cuidadosos para não trombar com ela. Uma vez por semana, uma professora vem até a casa para trabalhar com Gabby. Ela usa formas e sons em um iPad para tentar ensinar causa e efeito. Quando Gabby fez nove anos, outubro passado, a família fez um bolo e uma festa de aniversário, como sempre fazem. A maior parte dos presentes foram mantas, bichos de pelúcia e roupas, como em todos os anos. Sua tia Jeannie lhe deu maquiagens.

Walker se uniu a geneticistas da Duke University para sequenciar os genomas de Gabby, John e MaryMargret. O exame buscou pelo exoma, os dois porcento do genoma que codificam as proteínas. Por meio dessa comparação, os pesquisadores puderam dizer que Gabby não herdou de seus pais nenhuma de suas mutações, o que significa que não era provável que seus irmãos passassem a mesma condição aos filhos. “Isso foi um grande, grande alívio”, diz MaryMagret.

Ainda assim, o sequenciamento do exoma não deu quaisquer pistas do que poderia estar por trás da doença de Gabby. Ela carrega várias mutações no exoma, mas nenhuma que explique sua condição. Todos nós temos mutações atrapalhando nossos genomas. Por isso, é impossível saber, em um único indivíduo, se uma mutação específica é prejudicial ou benéfica, a menos que você compare duas pessoas com a mesma condição.

Para sua sorte, a contínua presença de Walker na mídia o levou a outras duas meninas que ele acredita terem a mesma síndrome. Uma delas, Mackenzee Wittke, de Alberta, Canadá, tem agora cinco anos de idade, menos de sete quilos e membros longos e finos, exatamente como os de Gabby. “Nós estamos, basicamente, presos em uma distorção temporal” diz sua mãe, Kim Wittke. É um fato intrigante que todos esses possíveis casos da síndrome X sejam em meninas; isso pode querer dizer que a mutação crucial está no cromossomo X. Ou pode ser apenas uma coincidência.

Walker está trabalhando com um grupo comercial na Califórnia para comparar a sequência do genoma completo das três garotas: o exoma mais os outros 98% do código do DNA, que acredita-se ser a porcentagem responsável por regular a manifestação dos genes que codificam as proteínas. Ele conta que também está colaborando com Steve Horvath, pesquisador da University of California, em Los Angeles, que é especialista em epigenoma – as marcações químicas no DNA que afetam como ele se agrupa e se manifesta.

Para sua teoria, diz Walker, “isso é questão de vida ou morte, nós vamos fazer cada pedacinho do DNA dessas garotas. Se nós encontrarmos uma mutação comum em todas, isso será muito excitante”.

Mas parece que esse é um grande “se”. Não está claro de forma alguma que essas meninas tenham o mesmo problema. Mesmo se tiverem, e mesmo se Walker e seus colaboradores descobrirem a causa genética, ainda haveria um grande caminho a percorrer. Os pesquisadores precisariam silenciar o mesmo gene (ou genes) em camundongos de laboratório, que tipicamente vivem por dois ou três anos. “Se esse animal viver até os dez, nós saberemos que estamos no caminho certo”, diz Walker. Então, eles teriam que encontrar uma forma de conseguir o mesmo silenciamento genético em humanos, com uma droga ou com algum tipo de terapia genética. depois eles teriam que iniciar verificações clínicas longas e caras, para ter certeza que o tratamento seria seguro e efetivo. A ciência muitas vezes é lenta, e a vida é rápida demais.


Alguns pesquisadores dividem com Walker o entusiasmo por acabar com a velhice como nós a conhecemos… algum dia. “Muitas pessoas têm a ideia que envelhecer é natural e você apenas aceita isso, como com os impostos”, diz Magalhães. “Eu não”. Ele ressalta que muitas inovações tecnológicas nasceram de problemas que a maior parte das pessoas considerava insolúvel. “Eu acho a inteligência humana e a tecnologia humana podem superar muitas das causas naturais da morte e de fenômenos naturais”.

Magalhães colhe esperança daquilo que evoluiu naturalmente no mundo animal. Todos os mamíferos envelhecem, mas existem grandes diferenças na expectativa de vida: camundongos vivem apenas um ano, enquanto acredita-se que baleias-da-groenlândia vivam até os duzentos anos. Então, se os cientistas podem entender as diferenças na bioquímica entre um rato e uma baleia, existe alguma razão para acreditar que eles possam aplicar esse conhecimento em nossos próprios genomas para estender a vida humana. (Magalhães e seus colegas estão em processo de sequenciar o genoma da baleia-da-groenlândia).

“Em teoria, não há razão para pensar que no futuro nós não poderemos abolir a velhice completamente”, ele diz. “Dito isso, é extremamente complicado e difícil”. Ele diz que na melhor das hipóteses, nos próximos vinte ou trinta anos nós seremos capazes de aplicar em humanos o que vem sendo testado em camundongos. Em ratos isso resultou, em alguns casos, num aumento de metade de seu tempo de vida, mas conseguir o mesmo em humanos não é um objetivo realista; os esforços em outros primatas mostraram resultados muito menos impressionantes.

E existem as consequências lamentáveis da promoção de tratamentos que dizem acabar com o envelhecimento. Em agosto de 2003, pesquisadores publicaram um estudo mostrando que o resveratrol, uma substância química do vinho tinto, aumentou o tempo de vida de fungos em 70%. Uma enxurrada de estudos subsequentes mostraram que o resveratrol também aumenta o tempo de vida em moscas de fruta, peixes e vermes. Repentinamente o resveratrol estava em toda a imprensa popular, alardeado como um elixir anti-idade.

Mas é comum que fenômenos que acontecem com animais de laboratório não sejam bem-sucedidos em humanos. E, porque nós já vivemos por bastante tempo, vai levar décadas antes que a ciência prove que um remédio específico torna a vida mais longa. Em 2008, a multinacional farmacêutica GlaxoSmithKline gastou 720 milhões de dólares para comprar uma companhia que estava desenvolvendo o resveratrol, mas desde então reduziu as pesquisas sem que nada tenha sido trazido ao mercado. Diversos testes em humanos estão em andamento para testar a efetividade da droga, até agora com resultados imprecisos. Entretanto, empresas de suplementos alimentares têm sido menos tímidas; ao contrário da indústria farmacêutica, eles não precisam saber o que funciona ou não antes de ganhar dinheiro com o anseio do público por juventude. Em 2012, o mercado global de suplementos de resveratrol foi avaliado em 50 milhões de dólares. Eles são vendidos na Amazon americana por um preço que vai de 5 a 150 dólares o pote, dependendo da dosagem e da quantidade. Os consumidores não parecem saber ou se importar com o fato de que a pesquisa do resveratrol em humanos seja insuficiente, nem com a comprovação de que em forma de pílula a substância não é bem absorvido pelo corpo.

É provável que existam algumas dúzias de compostos que, como o resveratrol, estendam a vida em laboratório e possam ser desenvolvidas para a aplicação em humanos, diz Matt Kaeberlein, um biólogo molecular na University of Washington, em Seattle. O resultado ideal para essas drogas, no entanto, não seria uma vida infinitamente longa, mas sim um aumento no “tempo de saúde”, ou o número de anos que temos antes de começarem as doenças relacionadas com a idade. “Meu chute é que elas funcionariam em um nível de 15% de aumento no tempo de vida e algumas décadas no tempo de saúde”, ele diz. A melhor das hipóteses, ele especula, é que “nós viveríamos até os 120, mas não começaríamos a ficar doentes até os 110”.

Isso é mais profundo do que pode parecer: se a ciência repentinamente eliminasse todas as formas de câncer, por exemplo, a expectativa de vida ao nascer ia aumentar apenas uns três anos. Está implícito no argumento de Kaeberlein que o envelhecimento não pode ser separado das doenças que vêm com a idade; é apenas uma questão de tempo antes que os sintomas apareçam. “É uma falácia lógica falar sobre curar o câncer ou curar o Alzheimer”, ele diz, a despeito dos bilhões de dólares que têm sido gastos nesses esforços. “O sistema está quebrando. Até você lidar ativamente com o problema fundamental – que são as mudanças moleculares que ocorrem durante o envelhecimento – você tem zero chances de curar essas doenças”.

Evitar essas doenças ou, em outras palavras, a medicina preventiva deveria ser o foco dos cientistas, no lugar de uma busca boba pela imortalidade, diz Tom Kirkwood, um especialista em envelhecimento da Newcastle University. “A discussão que foca em uma vida sem envelhecer desvia uma atenção de que a discussão real precisa muito”, Kirkwood disse em uma palestra no British Science Festival do ano passado. Conforme o mundo fica mais e mais velho, os fundos de pesquisa deveriam ser afunilados em estudos que ajudem as pessoas idosas, atenuando seu declínio inevitável. “E se, em algum ponto do futuro, isso levar a uma vida sem envelhecermos, eu seria o primeiro a celebrar”, diz Kirkwood, “mas eu não vou estar aqui para ver isso”.

Walker não aceita o consenso dos especialistas de que a imortalidade é cientificamente impossível. Mas, relutante, ele concorda que não é realista, se não por causa da ciência, então por causa de todos os problemas sociais, éticos e políticos que viriam com isso.


Os Greenberg não explicaram publicamente o motivo de terem terminado sua colaboração com Walker, e Howard Greenberg não quis falar para este artigo. Algum tempo depois de terem terminado sua colaboração com Walker, eles começaram a trabalhar com Eric Schadt, da Icahn School of Medicine no Mount Sinai Hospital, em Nova York. Schadt se tornou bastante famoso nos últimos anos por seu trabalho sequenciando os genomas de pessoas com doenças extremamente raras.

Após sequenciar todo o genoma de Brooke Greenberg, bem como os exomas de seus pais e de seus três irmãos, a equipe de Schadt descobriu que Brooke carregava três mutações que nunca tinham sido reportadas na população em geral, das quais duas podem ser relevantes para o envelhecimento. No entanto, os pesquisadores ainda não publicaram suas descobertas, e estão esperando até poderem confirmá-las com mais dados de pacientes similares.

A equipe de Schadt começou a reprogramar algumas das células da pele de Brooke em células-tronco, assim elas podem ser transformadas em outros tipos de células, como neurônios, por exemplo. Ao analisar essa cultura de células em laboratório, os pesquisadores esperam descobrir se essas três mutações de Brooke são benignas ou prejudiciais.

A maior parte dos pesquisadores concorda que encontrar os genes por trás da síndrome X compensa o esforço, já que esses genes serão, sem dúvida, relevantes para nossa compreensão do desenvolvimento. Porém, eles estão menos convencidos de que a condição das garotas tenha qualquer coisa a ver com o envelhecimento. “É uma interpretação frágil pensar que isso será relevante para o envelhecimento”, diz Gems. Não é provável que essas meninas cheguem nem na idade adulta, diz ele, quanto mais na velhice.

Em 24 de outubro de 2013, Brooke faleceu. Ela tinha 20 anos. MaryMagret soube quando um amigo ligou após ler sobre o falecimento em uma revista. A notícia a afetou duramente. “Mesmo que nunca tenhamos conhecido a família, eles vinham sendo parte do nosso mundo”, ela diz.

MaryMargret não vê Brooke como um padrão para Gabby, não é como se ela agora acreditasse ter apenas onze anos com sua filha. Mas ela consegue imaginar a dor que os Greenberg devem estar sentindo. “Isso faz com que eu me sinta tão triste por eles, sabendo que há muita coisa envolvida com uma criança como essa”, ela diz. “Você está preparada pra que ela morra, mas quando finalmente acontece, você só pode imaginar a dor”.

Hoje, Gabby está indo bem. MaryMargret e John não estão mais planejando seu funeral. No lugar disso, ele estão começando a pensar o que pode acontecer se Gabby viver mais que eles (Sophia se ofereceu para cuidar da irmã). John fez 50 este ano, e MaryMargret vai fazer 41. Se existisse uma pílula para acabar com o envelhecimento, eles dizem que não teriam interesse nela. Muito pelo contrário: eles esperam ansiosos pela velhice, porque ela representa as novas alegrias, as novas dores e as novas formas de crescer que vêm com esse estado da vida.

Richard Walker, é claro, tem uma visão fundamentalmente diferente da velhice. Quando perguntado por que é tão atormentado por isso, ele diz que isso vem da infância, quando ele viu seus avós deteriorarem física e psicologicamente. “Para mim, não há nada de charmoso em pessoas velhas sedentárias, em cadeiras de balanço, em estufas com enfeites vitorianos”, diz ele. Nos funerais de seus avós, ele não pôde deixar de notar que eles não pareciam muito diferentes na morte do que estavam no final da vida. E isso era de partir o coração. “Falar que eu amo a vida é falar pouco”, ele diz. “A vida é a mais bonita e mágica de todas as coisas”.

Se a hipótese dele estiver correta, quem sabe?, ela um dia pode prevenir doenças e estender modestamente o tempo de vida de milhões de pessoas. Walker sabe muito bem, no entanto, que isso viria tarde demais para ele. Como ele escreveu em seu livro: “eu me sinto um pouco como Moisés, a quem, depois de vagar pelo deserto pela maior parte de sua vida, foi permitido contemplar a Terra Prometida, mas não lhe foi concedido entrar nela”.


Referências

Uma análise dos vários mecanismos de envelhecimento, publicada no jornal Cell.

Estudo de caso de Brooke Greenberg, descrito por Richard Walker e colegas.

A teoria de Walker sobre o link entre desenvolvimento e envelhecimento.

Primeiro artigo de Mikhail V. Blagosklonny sobre sua teria do hiperfuncionamento.

Uma análise da teoria do desenvolvimento, por João Pedro de Magalhães.

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