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Mesmo os ataques nucleares “limitados” poderiam causar um caos climático

Algumas potências nucleares adotaram estratégias que permitem ataques nucleares limitados. Mas pesquisadores apontam riscos climáticos

A Guerra Fria é uma memória está desaparecendo e enquanto isso acontece, algumas potências nucleares adotaram estratégias que permitem ataques nucleares limitados. Mas um novo estudo perturbador mostra que mesmo pequenas quantidades de armas nucleares podem ter consequências ambientais desastrosas em uma escala global.

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Na década de 1980, especialistas alertaram para o inverno nuclear, um evento de resfriamento global severo e prolongado causado por uma guerra nuclear total. Um novo estudo publicado na Environment Magazine agora alerta que uma versão em menor escala do inverno nuclear ainda é possível, por meio da aplicação de ataques nucleares limitados e que esses chamados “outonos nucleares” poderiam ser causados por apenas cinco bombas nucleares convencionais — possivelmente, até mesmo só uma. O estudo é um alerta sombrio para os planejadores militares que acreditam que pequenas quantidades de ataques nucleares não vão resultar em consequências ambientais severas.

Durante a Guerra Fria, com o globo basicamente dividido em dois campos hostis, nossa civilização enfrentou a ameaça de uma guerra nuclear total, que poderia levar ao Armagedom, entre os Estados Unidos e a União Soviética. A perspectiva de Destruição Mútua Assegurada (MAD, na sigla em inglês), pode se dizer, evitou que uma conflagração horrenda como essa acontecesse.

Teste francês Licorne, 3 de julho de 1970 (Imagem: Pierre J/Flickr)

Mas a gente não vive mais em um mundo bipolar, e algumas potências nucleares estão começando a adotar doutrinas táticas que permitem ataques nucleares limitados e o primeiro uso de armas nucleares. Os russos, por exemplo, disseram que usariam ataques nucleares limitados para dissuadir ou acabar com guerras convencionais. Os Estados Unidos, talvez vinculados às suas obrigações com a OTAN, podem decidir usar ataques nucleares limitados ao defender um aliado. Além disso, poderiam soltar uma bomba ou duas em um país após um ataque biológico ou químico, ou como uma maneira de controlar um “estado vilão”.

Uma estranha espécie de complacência parece ter se instalado em relação ao uso limitado de ataques nucleares, mas Adam Liska e seus colegas da Universidade de Nebraska-Lincoln esperam acabar com quaisquer ilusões que possamos ter sobre essas armas horríveis.

Com a ajuda de Robert Oglesby, professor de ciências terrestres e atmosféricas, e Eric Holley, especialistas no uso de recursos naturais, Liska analisou dados disponíveis publicamente de 19 tipos de armas sob posse das cinco maiores potências nucleares: Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido e França. Com essa informação, os pesquisadores então calcularam quantas bombas em cada categoria de força seriam necessárias para desencadear um outono nuclear, também conhecido como “seca nuclear”.

Como trabalhos anteriores haviam apontado, um ataque nuclear a uma cidade suficientemente grande seria o bastante para gerar um outono nuclear de escala global. Pegue Los Angeles, por exemplo. Uma cidade que se estende por 804 quilômetros quadrados. A explosão e as chamas resultantes soltariam cerca de 5,5 milhões de toneladas de cinzas e fuligem na estratosfera, fazendo com que a luz do Sol, as temperaturas e as chuvas temporariamente diminuíssem em todo o mundo. Globalmente, isso resultaria em períodos de plantio reduzidos para a próxima metade de década, e as temperaturas seriam as menores em mil anos. Em algumas partes do mundo, as chuvas cairiam em até 80%.

Mas, diferentemente desse trabalho anterior, que focou em ataques nucleares relativamente pequenos, de 15 quilotoneladas, explodindo sobre as cidades, o novo estudo observou se as armas mais poderosas atualmente poderiam desencadear um outono nuclear por conta própria. E elas conseguem. Liska e seus colegas descobriram que Estados Unidos, Rússia e China todos têm armas que poderiam desencadear um outono nuclear por meio da detonação de menos de cinco bombas. Isso inclui ogivas colocadas sobre bombas lançadas do ar, mísseis balísticos intercontinentais e mísseis superfície-ar. Assustadoramente, a China — com suas bombas de cinco megatoneladas — poderia causar um outono nuclear com o lançamento de um único míssil.

“Enquanto as armas nucleares convencionais forem prevalentes, a amplitude de pesquisa existente indica que a questão não é se uma seca nuclear pode ocorrer, mas quais fatores aumentam a probabilidade de ocorrência e quais ações podem ser tomadas para diminuir os impactos globais potencialmente devastadores”, concluem os autores no estudo.

Isso pode ser mais do que um exercício de imaginação deprimente. Com a Coreia do Norte agora aparentemente na posse de mísseis balísticos intercontinentais e com as relações internacionais cada vez mais deterioradas entre os vários estados-nação do mundo, a perspectiva de um país optar por usar suas armas nucleares está aumentando.

Por um lado positivo, um tratado global foi assinado na semana retrasada, que poderia eventualmente levar ao desmantelamento de todas as armas nucleares e proibir para sempre sua utilização. Chamado de Tratado de Proibição de Armas Nucleares, ele fornece um caminho para que as potências nucleares se juntem. Mas será que elas vão fazer isso?

[Environment Magazine]

Imagem do topo: National Nuclear Security Administration Nevada Site Office Photo Library/Wikimedia Commons

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