Campanha #PreçoJusto: não apoiamos, mas apoiamos

Perdi a conta de quantos e-mails eu recebi com o assunto “Vocês não vão apoiar o #Precojusto?“. A resposta curta, que motivou a gente a não falar sobre o assunto aqui até agora, é não – não apoiamos inteiramente a campanha, pelo vídeo, a forma, e a justificativa. Aí você fala “Mas eles querem diminuir […]

Perdi a conta de quantos e-mails eu recebi com o assunto “Vocês não vão apoiar o #Precojusto?“. A resposta curta, que motivou a gente a não falar sobre o assunto aqui até agora, é não – não apoiamos inteiramente a campanha, pelo vídeo, a forma, e a justificativa. Aí você fala “Mas eles querem diminuir o preço de iPads! Não faz sentido vocês não apoiarem”. Então vai a resposta um pouco mais longa: [Update: mudamos o título para quem tem preguiça de ler entender o conceito do post]

Se você não viu, este é o vídeo que está bombando no Youtube, com mais de 2 milhões de visualizações e incontáveis menções:

O vídeo é a principal plataforma para a divulgação do tal “Manifesto”, que pede que as pessoas parem de tentar “revolução do Twitter”, que não levam a nada, e pede para assinar um negócio e divulgar pelo Twitter. Daí ele (o manifesto, e não o vídeo) será encaminhado para os nossos representantes em Brasília, com possivelmente 1 milhão de assinaturas. O vídeo em si tem várias e várias passagens discutíveis, como a generalização dos políticos que não ajuda muito e a maneira com que ele isenta totalmente as empresas pelo alto preço. Há gente (aqui, por exemplo) que levanta mais contradições, mas ficamos nisso. (Update: Editado para clareza e porque aparentemente não é um iPad)

Eu não gosto do vídeo, particularmente não gosto do estilo do cara e acho que fazer um “manifesto” com incontáveis palavrões e 3 exemplos (iPad, videogame e jogo de videogame) atinge em cheio a “juventude” a que se destina, mas daí pra frente, como manifesto de consequências políticas reais, não deve ajudar a sensibilizar nossos deputados e senadores a pensar com mais carinho na questão da reforma tributária. Consigo imaginar a cara dos nossos digníssimos representantes ao ver o vídeo: “Quer dizer que eles acham que liberar o imposto desse jogo que cria psicopatas vai ajudar o Brasil? Ok.”

Mas, de novo, o Felipe Neto está certo: pagamos imposto demais, e boa (a maior, talvez) parte do imposto de importação não faz sentido aqui.

Apesar de não apoiar o discurso felipenetiano, estou de acordo com o mérito. Sou bem liberal em relação ao assunto, e acho que há um nível de imposto de importação ok, que faz sentido para o governo e a indústria nacional, e há o imposto de importação brasileiro. Com as atuais taxas, todo mundo perde. O governo deixa de arrecadar porque as pessoas simplesmente viajam ou mandam trazer de fora, sem passar pela alfândega e recolher os devidos tributos – estamos batendo recorde atrás de recorde em “gastos de turistas”. Mercados paralelos crescem, cópias baratas inundam os camelôs. Se o imposto fosse reduzido em alguma porcentagem, mais gente compraria de forma legal bens sem similar nacional, e o governo levaria mais. Todos felizes. Não tenho dúvidas que especialistas em tributação já estão fazendo esta conta, mas vejo pouca movimentação no Congresso sobre isso – daí o mérito em chamar a atenção para o problema. Que é um problema.

“Mas Pedro, não seria melhor se a gente tivesse a própria indústria?”. Claro, seria, mas não acho possível sempre. Há uma mania meio ufanista de achar que precisamos ter nossa própria tecnologia em tudo. E estamos longe, muito longe, de substituir produtos importados por nacionais nos exemplos do #precojusto. Para termos uma indústria de computadores/videogames de verdade, por exemplo – e não uma simples remontadora, como acontece na maioria dos casos -, temos de importar especialistas, peças da China, software americano… Não temos o conhecimento científico no assunto, não temos patentes, não temos matérias-primas baratas (ou proximidade com as fontes), temos mão de obra cara e pouco especializada. Será que hoje, damos conta? Por que precisamos tanto de algo Made in Brazil?

Nós temos tecnologia de sobra em outras áreas. Temos aviões, as plataforma de exploração de petróleo mais sensacionais do mundo, coisa de alta tecnologia que exportamos. Os brasileiros estão basicamente fazendo toda a infra-estrutura bancária de países africanos, graças à nossa expertise em movimentar dinheiro intrabancos em situação de hiperinflação. Isso tudo não é alta tecnologia para você?

O problema parece que temos a mania de achar que alta tecnologia precisa envolver computadores. No feriado estive em Carmo de Minas e fiz questão de ir a uma propriedade que faz um dos 5 melhores cafés do mundo (se você gosta de café, dê um jeito de tomar este). Sim, vou usar café para falar de indústria de exportação e alta tecnologia. Calma. Antigamente só exportávamos grãos que eram “beneficiados” em países europeus. Hoje, ainda que de maneira limitada, já podemos fazer todo o trabalho aqui. Um trabalho que envolve bastante ciência, método, pesquisa e máquinas, uma indústria como, digamos, a de iPads – só que nós temos terras ideias para isso, como os chineses têm silício e mão-de-obra barata. Mas voltando ao café: o resultado que, literalmente, provei, é que o café de algumas dessas propriedades tem um valor agregado gigante, e é vendido por aqui e especialmente lá fora. No ano em que foi mais premiado, um dos cafés de Carmo de Minas chegou a valer mais de R$ 15 mil a saca (60 kg). É claro que é algo de exceção, mas se você fizer as contas, conseguimos vender café ao preço de iPad, quilo por quilo, com absolutamente tudo envolvido no processo feito no Brasil. Podemos vender petróleo com alta-tecnologia agregada, grãos em áreas de maior produtividade graças às pesquisas da Embrapa… Há 1 milhão de exemplos onde a nossa indústria é bem estruturada, com tecnologia e obra-prima made in Brazil, e eles passam sempre pela ideia de que cada país tem de achar a sua vocação, e investir nisso.

Não podemos abraçar tudo, sempre.

Aí vão dizer que se vendermos só comida e petróleo teremos o risco da tal Doença Holandesa. A maioria dos especialistas que tenho lido discordam. O Chile se deu ao luxo de vender um bocado de cobre e vinhos e praticamente zerar o imposto de importação de produtos eletrônicos com os EUA. Lá você compra iPads praticamente pelo preço americano. E eles são mais bem-educados e com uma renda per capita melhor que a gente. Por outro lado, há o México, que compra tudo dos EUA a um preço baixo, produzem e exportam algumas coisas de alta tecnologia mas nem por isso estão melhores que a gente. A questão, de novo, é complexa. E há uma outra forma de pensar a resolução do problema.

Um post publicado no site amigo Papo de Homem argumenta que apoiar a redução do imposto de importação é algo meio egoísta e que não ajuda muito o País. Há muitos defensores da lógica “tem de pensar na indústria nacional”, e há até gente que diz que nossas leis protecionistas em relação à informática ajudaram o Brasil mais que atrapalharam. Os defensores de taxas protecionistas (mas não abusivas!) têm o seu pensamento está bem resumido no texto que saiu no PdH:

Pedir para baixar os impostos de importação é a mesma coisa que pedir aumento de mesada para comprar o que você quer.

Criar estruturas para que as empresas estrangeiras venham para o Brasil, dar suporte para as empresas nacionais e aumentar os investimentos em pesquisa e desenvolvimento, esse é o caminho. Quer um exemplo? Coréia do Sul. Investiram em educação, P&D e em questão de décadas viraram exportadores de tecnologia. Por que aqui não pode ser igual? Por que só podemos exportar café, açúcar e minério de ferro?

Existe uma coisa que o governo faz e pouca gente sabe. Empresas podem solicitar ao governo uma redução de Imposto de Importação para comprar máquinas e equipamentos do exterior que não existem no mercado nacional. Isso se chama Ex-Tarifário.

É um discurso sedutor, mas esconde algumas especificidades importantes (especialmente no contra-exemplo coreano), como eu elaborei aí em cima (UPDATE: eu troquei a ordem da argumentação no post, para ficar mais clara a minha posição). É válido avaliar diferentes pontos de vista para algo que é bem mais complexo do que originalmente parece.

 

* * *
(Aviso: Trolls preguiçosos, leiam daqui em diante)

Ninguém discorda que pagamos caro demais em relação a outros países do mundo e que basicamente todo o nosso sistema tributário precisa ser revisto. Por isso eu fico bastante feliz que um cara com um alcance bastante razoável, especialmente entre adolescentes, faça com que as pessoas comecem a se ligar no problema. Nesse sentido, como disse lá no título, apoiamos o Felipe Neto. Mas seria melhor que as pessoas usassem o “movimento” como ponto de partida para se informar mais e discutir a questão – e aparentemente é exatamente isso que o próprio Felipe quer. E não venha com o argumento “estamos discutindo imposto de videogame enquanto tem gente passando fome”. Se pensássemos assim nunca iríamos para frente – uma coisa não exclui a outra.

E no fim, toda a discussão que envolve uma reflexão sobre os caminhos do nosso País é válida, mesmo que aparentemente não chegue a lugar algum. O simples ato de ler este texto e os comentários aí abaixo têm utilidade, para informação e conexão com outras opiniões. Todos são “iluminados” com outras visões, de certa forma. Façam o favor de prosseguir aí nos comentários. Com menos palavrões que o Felipe, por obséquio. [Foto: Germano Lüders / Exame.com]

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