Em 1995, alguém pediu adicional de periculosidade por trabalhar com computadores com vírus

Dos anais da história jurídica nacional para o nosso deleite e diversão, vem esta ata de audiência de 1995, época em que ainda existiam juízes classistas, o Brasil era apenas tetra no futebol e o computador mais potente à venda tinha desempenho pior que os smartphones mais fraquinhos de hoje. A reclamação pedia alguns direitos trabalhistas […]
Adicional de insalubridade por vírus.

Dos anais da história jurídica nacional para o nosso deleite e diversão, vem esta ata de audiência de 1995, época em que ainda existiam juízes classistas, o Brasil era apenas tetra no futebol e o computador mais potente à venda tinha desempenho pior que os smartphones mais fraquinhos de hoje.

A reclamação pedia alguns direitos trabalhistas e foi ajuizada por um ex-funcionário da Arapuã (outra das antigas, “ligadona em você”; tem um perfil fake legal da loja no Twitter). Ele pedia horas extras, cobrava uns descontos meio esquisitos no seu salário e, a pérola, queria adicional de periculosidade por trabalhar com computadores contaminados por vírus.

Eu poderia gastar os dedos aqui fazendo algumas piadas prontas sobre o assunto, mas a juíza classista responsável pela decisão me poupou do trabalho, então deixo vocês com as palavras dela:

“A ‘vontade’, pedido não, do reclamante de ganhar adicional de periculosidade beira ao escárnio, não fosse cômico. Aliás, a ‘vontade’ vai entrar, com galhardia, para a galeria dos fatos inacreditáveis que acontecem no cotidiano do foro trabalhista. Se contar ninguém acredita, é preciso ver.

É inacreditável que alguém possa pretender receber adicional de periculosidade porque trabalha com computadores que contêm vírus. Pode ficar tranqüilo seu ….., esses vírus são inofensivos e não são capazes de causar nenhum mal físico. Elas são uma espécie de brincadeira de mau gosto que alguns dotados do chamado ‘espírito de porco’ inserem nos programas com objetivo de danificá-los.

Esse computador mesmo onde está sendo digitada esta sentença já foi vítima de um. Chamava-se ‘Leandro e Kely’. Felizmente o socorro de um bom e dileto amigo foi capaz de evitar maiores danos. Já ouvi dizer de vírus mais inoportunos, mais eles só estragam os programas. Não têm o efeito devastador, por exemplo, de um vírus HIV ou EBOLA.

Todavia, pensando bem, até que o ataque de um vírus pode ser periculoso e até mesmo matar. Porém, tal só ocorreria por via oblíqua. Imagine só se um grande cientista está prestes a concluir uma longa e cansativa pesquisa com todos os dados armazenados em um computador e esse é atacado por um vírus maluco. Poderia ocorrer um infarto fulminante por ver o trabalho de anos ir embora pela brincadeira de mau gosto de um desocupado. Contudo, esta é uma hipótese só colocada para efeito de devaneio. O juiz não trabalha com sonhos.

Mas ainda que a hipótese de concretizasse o reclamante não se encaixaria nela. É que ele não trabalhava com o computador no sentido estrito ou técnico. Ele só o ‘transportava’, pelo menos é o que consta da petição inicial (fl. 04).

Diante disso, nada a deferir acerca da ‘vontade’ de receber adicional de periculosidade. Bom, oportuno dizer que seria inócua a realização de perícia ante a declaração do reclamante à fl. 16.

Já pensou se a moda pega!”

Aconteceu em Belo Horizonte, no dia 23 de junho de 1995. [Extra, João de Freitas. Foto: James Offer/Flickr]

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