[Entrevista] Marcelo Eduardo, ex-designer do MeeGo: “se fosse lançado em 2008, a história poderia ter sido diferente”

Marcelo Eduardo trabalhou por anos como designer de experiência e interfaces no INdT (Instituto Nokia de Tecnologia), instituto independente fundado pela Nokia, e trabalhou por anos no Maemo e MeeGo. Eu conheci o Marcelo em Manaus, no evento Bossa Conference do INdT, em março do ano passado. Na época, Nokia e Intel haviam acabado de […]

Marcelo Eduardo trabalhou por anos como designer de experiência e interfaces no INdT (Instituto Nokia de Tecnologia), instituto independente fundado pela Nokia, e trabalhou por anos no Maemo e MeeGo. Eu conheci o Marcelo em Manaus, no evento Bossa Conference do INdT, em março do ano passado. Na época, Nokia e Intel haviam acabado de anunciar a parceria que criou o MeeGo, e a pauta do dia era como a Nokia iria voltar aos tempos áureos apostando no Symbian, MeeGo e na ferramenta multiplataforma Qt.

Quase um ano depois, em fevereiro, o Marcelo saiu do INdT. E no mesmo mês, a Nokia anunciou que adotaria o Windows Phone. O Symbian ficaria em segundo plano, e o MeeGo seria um experimento com os dias contados. O experimento rendeu bons frutos: um aparelho incrível – o N9 – cujo design foi usado quase que totalmente no Lumia, primeiro Windows Phone da Nokia. Mas e o MeeGo?

Bem, o Marcelo trabalhou por anos no Maemo/MeeGo, e nas duas últimas semanas pôde experimentar o produto final – já atualizado para a versão PR1.1, vale notar. Em entrevista por e-mail, ele nos conta que os americanos ficaram impressionados com o N9, o refinamento gráfico do MeeGo está no nível do iOS, e a multitarefa – a forma de alternar entre apps – é a melhor que ele já usou. Mas há muitos problemas no MeeGo que nem a atualização resolveu. Eis as opiniões dele sobre as vantagens e desvantagens do MeeGo e do N9, e porque a Nokia estava certa em escolher o Windows Phone.

Gizmodo Brasil: Qual foi seu envolvimento com o MeeGo enquanto você trabalhava no INdT?

Marcelo Eduardo: Bem, o instituto trabalhou – e trabalha – pesadamente no Webkit e em componentes mainstream do Linux, só que antes dedicado ao MeeGo e Qt. Tivemos pequena participação na interface – muita coisa não entrou – mas acompanhamos boa parte do desenvolvimento e evolução da interface durante os anos. Por baixo dos panos, no Webkit, tivemos muitas contribuições.

Gizmodo: Você está com o N9 em mãos há duas semanas. O que mais lhe agrada na experiência de uso do N9?

ME: Antes de tudo, o design industrial do N9 é sensacional. É um prazer segurar o aparelho, e as curvas fazem sentido. O Gorilla Glass curvado realmente dá um toque final. No começo fiquei meio indeciso quanto ao fato do vidro estar um pouco mais alto na borda com o plástico, mas faz sentido quando usamos o gesto “swipe”. O que eu tinha gostado se confirmou no dia a dia no trabalho. Todo mundo parava para perguntar que aparelho era esse. Todos ficavam impressionados, e vindo de americanos, onde a Nokia tem visibilidade muito pequena, foi uma surpresa.

O N9 oferece uma abordagem única na navegação básica: você usa o gesto “swipe”. Todo mundo ficou intrigado com os vídeos. Como o aparelho não possui botões para navegação (somente volume/trava), os gestos são as bases para sair dos aplicativos e voltar para uma das três telas iniciais. O fato de voltar para diferentes telas dependendo do contexto faz sentido e funciona bem.

Esses dois pontos são meus favoritos, mas como comentei foi uma surpresa ver um sistema da Nokia com gráficos tão bem trabalhados, animações bem feitas, e principalmente uma sensação de coesão entre as partes do sistema. O MeeGo tem o refino gráfico que o Android ainda precisa alcançar, a multitarefa elegante do WebOS e o cuidado dos gráficos no nível do iOS. Impressiona.

Gizmodo: Você disse no Twitter que “a interface e a experiência de uso [do MeeGo] tem algumas das melhores ideias desde o iPhone”. Em quais pontos a experiência do MeeGo no N9 supera a experiência do iPhone?

ME: A facilidade com que você pode alternar entre aplicativos com o swipe é a principal. Essa forma de multitarefa consegue ser mais fluida que no WebOS, até então a melhor que eu já tinha tido a chance de usar.

Gizmodo: Sua primeira reação ao N9 foi: “a experiência é fluida, mas dá para notar problemas nos detalhes da interface”. Depois, você apontou outros problemas na interface e usabilidade. O que mais lhe incomoda ao usar o N9?

ME: Os principais problemas que eu tenho encontra no uso diário são:

1) Travamentos: A interface congela por alguns segundos, volta, congela novamente de forma totalmente aleatória. Não vou entrar no mérito de qual aplicativo faz isso, mas aplicativos como o Facebook estão bem ruins (melhoraram depois da atualização, mas continuam bem inferiores ao Android ou iOS). Passei então a fechar os aplicativos abertos o tempo todo numa tentativa de melhorar a situação.

Que fique claro: A interface é rápida em muitos pontos. A sensação que dá é que após alguns aplicativos ou serviços serem iniciados, o telefone fica lento nas respostas. Você toca em um item em uma lista das notificações, e espera um segundo para o aplicativo abrir. Pode não parecer muito, mas esses detalhes, principalmente se você já usou um Galaxy S II ou iPhone 4S, não passam despercebidos.

2) Aplicativos onde você faz swipe internamente: Utilizar um gesto tão comum como o swipe globalmente iria trazer problemas. Toda vez que eu uso o aplicativo de fotos, o mapa, ou qualquer outro app onde preciso fazer swipe interno, acabo fazendo um swipe de sistema, e saio do aplicativo. Dependendo de onde eu abri o aplicativo, eu volto para a tela de menu, precisando de um ou dois gestos (dependendo de onde cai) para voltar para a tela de aplicativos e voltar ao app que eu tinha fechado. Isso acontecer uma vez não tem problema, mas várias vezes ao dia começa a virar algo que realmente incomoda.

Existem outros detalhes, como apps abrindo outros apps para completar uma ação, mas sem deixar isso claro: quando você decide compartilhar uma foto da sua galeria em uma rede social, uma nova janela abre, te deixando meio perdido em como voltar para a galeria dentro do aplicativo – não existe um botão Voltar. E alguns lugares ainda trazem o estilo antigo da Nokia de “selecionar” um item para depois efetuar a ação.

Gizmodo: A Nokia abandonou o MeeGo e escolheu o Windows Phone. Você acha que essa foi uma decisão acertada?

ME: Apesar de todos os pontos positivos, o MeeGo continua com problemas de acabamento. Excelentes ideias estão ali, mas depois de um tempo considerável de uso fica claro que o sistema ainda precisava de tempo para maturar. Se esse lançamento fosse em 2008, a história poderia ter sido diferente. Hoje, mesmo depois de 4 anos experimentando com o Maemo, a Nokia ainda tem um sistema que infelizmente fica atrás dos concorrentes. Não é só de interface de usuário que se faz uma plataforma.

Gizmodo: O que o Windows Phone faz de melhor que o MeeGo? Onde o MeeGo supera o Windows Phone?

ME: Apesar de ainda não ter decolado, o Windows Phone está na sua segunda grande versão, e evoluiu bem rápido. Apesar de não ter conquistado uma fatia relevante de mercado, o WP está mais sólido, com aplicativos básicos bem mais completos e poderosos: um dos melhores clientes de e-mail, um dos melhores teclados virtuais, a interface é realmente rápida – mesmo possuindo animações mais complexas que a do MeeGo – e ele está se integrando de forma interessante com os outros sistemas da Microsoft.

***

Hoje, Marcelo trabalha na HUGE Inc. em Nova York como diretor de design. O MeeGo foi abandonado por Nokia e Intel, e o N9, primeiro e último aparelho com a plataforma, está à venda por R$1.699.

Valeu pela entrevista, Marcelo!

Foto via Flickr

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