Como empresa de redes sociais explorou brecha do Facebook para ajudar na eleição de Trump

O Facebook entrou em uma sinuca de bico neste final de semana. O Guardian e New York Times publicaram longas reportagens que revelam como a Cambridge Analytica, empresa de dados contratada para ajudar na campanha presidencial de Donald Trump, conseguiu obter dados de milhões de usuários, cruzar informações e guiar as decisões em torno da […]

O Facebook entrou em uma sinuca de bico neste final de semana. O Guardian e New York Times publicaram longas reportagens que revelam como a Cambridge Analytica, empresa de dados contratada para ajudar na campanha presidencial de Donald Trump, conseguiu obter dados de milhões de usuários, cruzar informações e guiar as decisões em torno da corrida eleitoral.

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A rede social suspendeu o acesso da Cambridge Analytica e da SCL Group, empresa-mãe da CA baseada no Reino Unido. O site também excluiu a conta pessoal de Christopher Wylie, ex-cientista de dados da CA que revelou parte do esquema para a imprensa. O Facebook diz que as companhias receberam e baixaram dados de usuários de forma indevida por meio de um aplicativo desenvolvido por Aleksandr Kogan, professor da Universidade de Cambridge.

Histórico da Cambridge Analytica

A Cambridge Analytica foi formada há anos atrás como uma “fachada” para que a empresa britânica SCL pudesse trabalhar nas eleições americanas. Isso porque a contratação de cientistas de dados com cidadania estrangeira é uma violação das leis de financiamento de campanha dos Estados Unidos.

A companhia, aliás, recebeu uma doação de US$ 15 milhões do milionário republicano Robert Mercer e tinha em seu conselho Steve Bannon, ex-chefe da publicação Breitbart e ativista de extrema direita que mais tarde supervisionou a campanha de Trump e brevemente trabalhou como estrategista-chefe do presidente.

Segundo a reportagem publicada pelo Times, Robert Mercer queria resultados imediatos e a divisão de eleições da SCL contratou o Dr. Aleksandr Kogan, da Universidade de Cambridge, para oferecer dados psicométricos que poderiam ser utilizado para oferecer publicidade direcionada.

Kogan criou um aplicativo chamado “thisisyourdigitallife”, que foi baixado de forma legítima cerca de 270 mil vezes mas conseguiu oferecer “perfis brutos” de aproximadamente 50 milhões de usuários cujos os dados deveriam apenas ser utilizados para melhorar a experiência dentro do app. Segundo o Times “aproximadamente 30 milhões desses perfis continham informações o suficiente para construir perfis psicográficos”.

Isso aconteceu porque uma vez que um usuário dava permissão para que o aplicativo acessasse seus dados, ele também permitia o acesso aos perfis de todos os seus amigos – mesmo sem saber.

(Embora Kogan seja um professor de Cambridge, a universidade não está afiliada com a empresa de análise de dados, nem agiu em seu nome ao projetar o aplicativo).

Além do envolvimento com a corrida presidencial americana, a companhia é investigada pelo suposto envolvimento com referendo do Brexit no Reino Unido.

Uso dos dados

Ainda não está claro como os dados foram utilizados na eleições de 2016, mas a Vox lembra que a operação digital de Trump foi “surpreendentemente efetiva” ao rodar milhares de variações de publicidade online para ajudar a “determinar quais mensagens ressoariam em cada lugar e a partir daí moldar a agenda de viagens de Trump”.

“Lançamos um instrumento quantitativo de longa duração para investigar os traços subjacentes que informam a personalidade”, disse o CEO da Cambridge Analytica, Alexander Nix, em um discurso em 2016. “Se você conhece a personalidade das pessoas a quem está se direcionando, é possível moldar sua mensagem para ressoar de forma mais eficaz com grupos-chave”.

Em uma publicação no blog do Facebook, o vice-presidente jurídico da rede social, Paul Grewal, explicou que a empresa soube da obtenção indevida dos dados e que ordenou à SCL, Cambridge Analytica, equipes afiliadas e Kogan que apagassem tudo em 2015. No entanto, escreveu Grewal, o Facebook acredita que as partes mentiram sobre os dados e por isso optaram por suspendê-los enquanto realiza uma investigação.

No entanto, não está claro se o Facebook fez tudo o que pode para verificar se os dados não estavam disponíveis antes. Christopher Wylie disse ao Observer que a rede nunca conferiu se os dados foram realmente deletados e apenas exigia que as empresas “marcassem uma caixinha em um formulário”.

De acordo com a CNN, um porta-voz da Cambridge Analytica disse que contratou Kogan para um projeto em 2014 e que deletaram os dados quando ficou claro que as informações tinham sido obtidas incorretamente. O porta-voz acrescentou: “Nenhum dado [da empresa de Kogan, Global Science Research] foi usado pela Cambridge Analytica como parte dos serviços prestados à campanha presidencial de Donald Trump em 2016”.

Mas isso não quer dizer muita coisa. O Times relata que um “ex-funcionário disse que recentemente viu milhares de gigabytes de dados nos servidores de Cambridge e que os dados não estavam criptografados”.

Investigações e suspeitas

O papel da Cambridge Analytica na campanha de Trump chamou a atenção do conselheiro especial Robert Mueller, investigador do Departamento de Justiça que examinou a suposta trama russa nas eleições de 2016. O antigo conselheiro de segurança nacional Michael Flynn também revelou que tinha um “papel consultivo” na empresa, o que a Cambridge Analytica nega ter acontecido de fato.

Nix, o CEO da Cambridge Analytica, também revelou no ano passado que procurou o fundador da Wikileaks, Julian Assange, numa tentativa de garantir os emails vazados da campanha de Hillary Clinton, supostamente roubados por hackers russos, embora tenha dito que o pedido foi rejeitado.

Críticas ao Facebook

O Facebook está sendo questionado do porquê não agiu rapidamente para se certificar de que os dados foram mesmo apagados. Segundo a CNN, o Facebook admitiu estar procurando por “laços” entre seu funcionário Joseph Chancellor e a empresa de Kogan, que foi dissolvida em 2017.

Não está claro até agora qual papel, se houve algum, Chancellor teve na obtenção dos dados de milhões de usuários do Facebook, embora Chancellor tenha sido listado em uma papelada como um dos diretores da GSR.

Algumas ex-autoridades federais também começaram a falar a respeito da falta de controle do Facebook sobre seus dados. Eles questionam se isso constitui uma violação de um decreto de consentimento da Comissão de Comércio Federal (FTC), que explicita que os usuários devem conceder consentimento explícito antes que seus dados sejam compartilhados com terceiros.

O Washington Post indica que os prejuízos podem, em teoria, chegar a US$ 40 mil por violação, que, se aplicado a todos os 50 milhões de indivíduos alegadamente impactados, significaria que “o Facebook poderia ser multado na casa dos trilhões de dólares”. Na prática, isso é irrealista, mas quaisquer penas poderiam ser grandes.

O incidente também pode indicar que tais violações das decisões da FTC foram comumente ignoradas como parte do modelo de negócios do Facebook, o que poderia ser bem ruim para a imagem da rede social.

Por fim, o Facebook tem sido criticado por suspender a conta do analista de dados Christopher Wylie. Ele trabalhou para a Cambridge Analytica durante o período em que os dados foram supostamente obtidos, mas tem se caracterizado como um dos delatores de toda a situação.

[New York Times/CNN]

Imagem do topo: AP

Colaborou: Alessandro Feitosa Jr.

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