Fígados criados em laboratório podem salvar vidas mais cedo do que você imagina

Novo método de crescimento de tecido orgânico em camundongos imita arquitetura celular do fígado humano

Pelo menos desde a primeira vez que um homem entrou no palco em um TED talk e fez a impressão 3D de um rim humano, a ideia de que um dia poderíamos simplesmente criar novas partes do corpo para substituir nossos antigos e desgastados órgãos sobrevive no inconsciente coletivo como o ápice da inovação biomédica. Mas e se você não precisasse de fato criar um novo órgão para salvar a vida de alguém?

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Um artigo recente na Science Translational Medicine detalha um novo método de crescimento de tecido orgânico em camundongos que imita a complicada arquitetura celular do fígado humano. Também traz uma pergunta intrigante: poderia um fígado ser projetado para existir em algum outro lugar no corpo, agindo como uma ponte enquanto um paciente aguarda um transplante, ou talvez fazer o serviço braçal de um fígado ruim?

Não apenas isso pode ser possível, como também pode significar que órgãos criados em laboratório podem ir dos laboratórios para as clínicas bem mais cedo do que imaginávamos.

“O principal objetivo aqui é entregar um fígado que possa ser útil para um paciente”, disse Kelly Stevens, coautora do artigo e bioengenheira na Universidade de Washington, ao Gizmodo. “Para que isso aconteça, pode ser que não precisemos criar um fígado completamente novo.”

Stevens explicou: “Com o câncer, por exemplo, podemos cortar mais agressivamente o tecido canceroso e depois colocar um fígado bebê que substitui esse pedaço perdido. Isso poderia sustentar o paciente até o fígado se curar por conta própria”.

Essa não é exatamente uma ideia nova. Fazer um fígado que possa realizar com sucesso algumas das 500 funções que o fígado desempenha é, obviamente, muito mais fácil do que fazer um que cumpra todas as 500. E os cientistas sabem há muito tempo que, já que o fígado é tão complicado, uma réplica parcial ainda pode ser útil.

Stevens e seus colegas, contudo, se colocam entre alguns poucos grupos de pesquisa que começam a ver como isso poderia funcionar na prática, criando um “organoide” de fígado autônomo que poderia ser implantado em outro lugar do corpo. Na opinião deles, se o seu fígado falhou, talvez você pudesse obter um pequeno fígado implantado em outro lugar para complementá-lo.

“E se para um paciente só estiver faltando uma das 500 funções do fígado?”, disse Stevens. “Talvez um fígado bebê seja suficiente. O fígado só perde em complexidade para o cérebro. Mas se você pudesse mesmo adicionar de volta a capacidade de uma função, pode ser suficiente para salvar alguém.”

O outro avanço nesse novo trabalho é como os pesquisadores realmente desenvolveram o crescimento das células. Normalmente, quando os bioengenheiros querem “fazer” um órgão, eles constroem um “andaime” que é aproximadamente do formato do órgão em questão e então o povoam com os tipos certos de células. A natureza, em seguida, assume o controle, organizando todos esses tipos diferentes de células, como elas deveriam se encaixar. Mas em nome da eficiência, os pesquisadores por trás do novo estudo construíram um andaime que coloca as células nos lugares certos que, em vez disso, estimulariam as células a “crescer”. Eles fizeram esse implante nas cavidades abdominais de camundongos com lesões hepáticas. Durante 80 dias, os andaimes cresceram até virarem pequenos mini fígados que imitavam algumas características dos fígados funcionais. Esse método, segundo eles, criou fígados maiores que agem como, bem, fígados. Isso, também, é um bom presságio para o futuro da medicina regenerativa.

“Essa pesquisa (e pesquisas como essa) é crucial para levar a novas peças para pessoas”, disse Dave Gobel, CEO da Fundação Methuselah, ao Gizmodo.

Ainda assim, Gobel, que não esteve envolvido no estudo, observou que a pesquisa é “muito, muito nova” e ainda não tem implicações clínicas “a médio e curto prazos”.

Criar órgãos funcionais completos e de tamanho humano ainda está muito distante. Algumas estimativas sugeriram que isso pode acontecer ainda nessa década, pelo menos para órgãos mais simples, mas ainda há muitos problemas para resolver. Como você incorpora canais biliares, por exemplo, para que o fígado também possa remover o material indesejado? Como você cria um órgão do tamanho do órgão humano? Sem mencionar que, na pesquisa de Stevens, para implantar um organoide em outro rato, o rato precisava não ter um sistema imunológico para ajudá-lo a aceitar o novo órgão. Obviamente, os seres humanos têm sistemas imunológicos.

Mas existem passos claros sendo tomados na direção de criar algo que possa de fato ajudar as pessoas em um prazo próximo.

A empresa de biotecnologia Organovo, por exemplo, está trabalhando em uma abordagem ligeiramente diferente: “ataduras” de impressão em 3D de tecido hepático para ajudar os pacientes que precisam de um transplante. No ano passado, a companhia anunciou planos para enviar suas “ataduras” ao FDA (órgão que regulamenta alimentos e medicamentos nos EUA) para revisão dentro de três a cinco anos.

“A coisa interessante do fígado é que ele se regenera, então, se você puder aumentar um fígado doente em 10% ou mais, você tem uma chance de manter o paciente vivo até que um fígado de transplante esteja disponível”, disse Gobel, cuja empresa tem investido na Organovo. “Ou, na melhor das hipóteses, o fígado pode conseguir apoio o bastante para conseguir se regenerar sozinho.”

Gobel disse que espera que dentro de três anos possamos fazer o aumento do órgão dentro do corpo, algo parecido com a “atadura” da Organovo. Stevens disse que consegue imaginar sua abordagem pronta para testes clínicos dentro de uma década.

“A ideia de fazer um fígado inteiramente novo é atraente”, disse Stevens. “Na prática, os cientistas estão pensando em todas essas outras coisas.”

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