As primeiras imagens da missão final da Cassini são incríveis – mas para o que estamos olhando?

Já era tarde da noite da última quarta-feira quando o pessoal do Deep Space Network recebeu um sinal da sonda Cassini enquanto ela emergia de sua primeira viagem na lacuna entre Saturno e seus anéis. Dos dados recebidos, vieram fotos do polo norte do planeta e o topo de nuvens a apenas três mil quilômetros […]

Já era tarde da noite da última quarta-feira quando o pessoal do Deep Space Network recebeu um sinal da sonda Cassini enquanto ela emergia de sua primeira viagem na lacuna entre Saturno e seus anéis. Dos dados recebidos, vieram fotos do polo norte do planeta e o topo de nuvens a apenas três mil quilômetros de distância – nosso olhar mais perto da parte de cima da atmosfera de Saturno até o momento, onde a pressão é quase a mesma do nível do mar na Terra.

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Os pesquisadores do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA estavam boquiabertos com os detalhes, mas eu tinha uma questão: como seria realmente visitar a parte mais alta dos céus de Saturno?

O que chamou a minha atenção de primeira nas novas imagens foram os pontos brilhantes cercando faixas finas em toda a superfície do planeta. Minha hipótese era de que eram potenciais cintilações de relâmpagos capturados pela Cassini, mas não. “Não capturamos nenhum relâmpago [na quarta à noite]”, me contou o professor da Caltech, Andy Ingersoll, especialista em atmosferas planetárias, quando eu o chamei para discutir o clima saturnino.

cassini-2Imagem não processada da atmosfera de Saturno, tirada no dia 26 de abril. Créditos: NASA/JPL-Caltech/Space Science Institute

De acordo com Ingersoll, os pontos mais claros capturados na imagem acima são nuvens de amônio flutuando a cerca de 150 quilômetros no topo da camada mais próxima da atmosfera. Se você fosse suspenso por um balão de hidrogênio (não de hélio, já que um balão de hélio numa atmosfera de hidrogênio iria “ficar preso como uma rocha”, disse Ingersoll), essas nuvens de amônio seriam bem similares às nuvens cumulus de vapor d’água daqui da Terra.

“Provavelmente existem nuvens de vapor de água numa camada mais profunda, mas não podemos vê-las também porque estão congeladas. A água [congela] em maior profundidade do que a amônia”, disse Ingersoll. “Então, normalmente vemos nuvens de amônia, e é isso o que eu acho que essas aí são, já que o ar mais quente sobe e condensa as partículas das nuvens”. O termo “quente”, deve-se notar, é um termo relativo – as temperaturas médias na atmosfera superior de Saturno são de -270º C, então traga um casaco.

Na noite de quarta-feira, a Cassini tirou uma série de fotos que começou com um giro no centro do polo Norte hexágono de Saturno. Ao viajar para o sul, ela sobrevoou o equador a impressionantes 124 mil quilômetros por hora. Se a câmera estivesse tirando fotos coloridas, teríamos visto um azul no vórtice interior do polo norte, mas a velocidade da sonda exigiu imagens monocromáticas.

“Infelizmente, estamos vendo [essas características] apenas em preto e branco” disse Ingersoll. “Isso é inevitável, porque estamos voando tão rápido que não conseguimos por um filtro na câmera, já que isso mancharia muito as imagens. Precisávamos coletar toda a luz que tinha ali.”

O que foi surpreendente para Ingersoll foi o quão claras as nuvens entremeadas de hidrossulfeto de amônio estavam sob as nuvens volumosas de amônio – e suas escalas. “Havia esses longos fios de nuvens, nuvens filamentares bem diferentes das nuvens da Terra”, disse ele. “É como se você tivesse puxado a atmosfera para fora e as nuvens se recusassem a misturar entre si.”

Isso pode ter a ver com um outro fenômeno que Ingersoll observou: as nuvens filamentosas eram muito ordenadas, como se nada estivesse perturbando o ar, apesar do fato dos ventos em Saturno chegarem a 1.800 km/h. Isso poderia revelar um aspecto fundamental das atmosferas dos planetas exteriores.

cassini-3Imagem: NASA/JPL-Caltech/Space Science Institute

“Os dados fotográficos de quinta-feira são sobre a questão do por que os ventos são mais fortes em Saturno do que em Júpiter e por que ambos são mais fortes do que os ventos na Terra”, disse Ingersoll. “E eu acho que é porque existe menos turbulência quanto mais longe você vai no sistema solar.”

A passagem próxima da Cassini por Saturno nesta quarta-feira foi apenas a primeira das 22 programadas para acontecer antes do mergulho final da sonda em setembro. Mas somente uma de três ou quatro sobrevoos onde dados visuais de luz serão coletados. O que Ingersoll espera dos sobrevoos futuros são leituras que trespassem a camada de nuvem superior e revele as profundezas do planeta. Sensores magnéticos, infravermelhos e de microondas serão apontados para Saturno nas próximas passagens, cortando essa cobertura de nuvem opaca e visualizando o núcleo do gigante de gás para obter mais dados sobre a estrutura do planeta.

“A câmera da Cassini é apenas um de seus instrumentos”, comentou. “De fato, a Cassini é uma nave espacial maravilhosa por causa da sua variedade de instrumentos.”

Ingersoll mencionou que a observação final é aquela sobre a qual ele mais tem expectativas, já que ela poderia resolver mistérios sobre a formação do planeta. O campo magnético de Saturno tem uma propriedade muito incomum, na medida em que ele não tem inclinação. Isso é estranho porque a matemática por trás dos campos magnéticos planetários exige um pouco de inclinação.

“Como um planeta gera um campo magnético? A inclinação fora do eixo é uma espécie de parte de toda essa teoria, e, se não houver inclinação, bem, será interessante”, disse ele, rindo.

Imagem do topo: NASA/JPL-Caltech/Space Science Institute

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