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Uma entrevista com Geoff McFetridge sobre as interfaces do filme “Ela”

No filme Ela (Her), Theodore Twombly (Joaquin Phoenix) leva uma vida apática até conhecer o OS1, novo sistema operacional com uma personalidade própria e voz de Scarlett Johansson. Para complementar essa história de amor num futuro retrô, foi necessário criar diversas interfaces homem-máquina – este é o trabalho do designer gráfico Geoff McFetridge. Creditado como […]

No filme Ela (Her), Theodore Twombly (Joaquin Phoenix) leva uma vida apática até conhecer o OS1, novo sistema operacional com uma personalidade própria e voz de Scarlett Johansson. Para complementar essa história de amor num futuro retrô, foi necessário criar diversas interfaces homem-máquina – este é o trabalho do designer gráfico Geoff McFetridge.

Creditado como o “designer gráfico futurista” de Ela, McFetridge foi encarregado de imaginar como poderemos interagir com nossos dispositivos em um futuro próximo.

Seus gráficos e interfaces desempenham um grande papel no filme: o programa de caligrafia que Theodore usa em seu trabalho na empresa Beautiful Hand-Written Letters; o mapa fictício do metrô de Los Angeles, por onde ele passa; os logotipos e embalagem do dispositivo com OS 1 que muda a vida dele; e a própria interface semelhante à do iPhone, que passamos a conhecer como a personagem “Samantha”.

Eu conversei com McFetridge em uma entrevista apresentada no episódio desta semana do programa DnA: Design and Architecture.

“Este filme se trata muito de design”, diz ele. “Há várias telas no filme: sistema operacional, uma suíte de edição de vídeo, tem o programa que ele usa no escritório, os botões no elevador – todas essas interfaces. Mas o filme é sobre design no sentido de que esse design é transparente.” Após ler o roteiro, ele sabia que o dispositivo OS1 era um objeto físico: seria possível segurá-lo e interagir com ele. “Tudo além disso era um ponto de interrogação”, diz McFetridge.

Eu me encontrei com o designer em seu estúdio de Los Angeles; nas mesas, estavam empilhados cadernos cheios de esboços de filme. McFetridge trabalha frequentemente com Spike Jonze, diretor de Ela; atua como designer gráfico e ilustrador para clientes como Nike, Patagonia e Pepsi; e também é um artista visual.

Seu design para o filme não é totalmente distinto de seus outros trabalhos, mas dado que muitas vezes ele projeta logotipos e ícones para os clientes, seu estilo definitivamente vai em direção a algo desenhado à mão – o que não é uma estética típica de sistema operacional.

No entanto, seu estilo se alinhou com os objetivos globais para o visual do filme. Antes da produção começar, McFetridge trabalhou de perto com o designer de produção KK Barrett (que concorre hoje a um Oscar), que criava um futuro próximo altamente tátil – monitores com veios de madeira e paredes texturizadas – de acordo com as diretrizes gerais estabelecidas por Jonze.

O dispositivo OS em si é na verdade uma cigarreira vintage – caixinha de metal para guardar cigarros – encontrada em um mercado de pulgas. Para a tela inicial, Jonze repassou imagens de antigos cartões telefônicos como inspiração. “Spike disse uma vez que ela deveria ser como uma caixa de doces japoneses, com todas aquelas fitas e laços”, diz McFetridge. “Isso foi ótimo para mim, porque ele estava falando sobre a experiência de uso, não sobre algo decorativo.”

Quando chegou a hora de pensar como tudo iria funcionar, McFetridge – que tinha zero experiência em criar interfaces gráficas de usuário – começou com uma ideia em vez de uma estética: a interface tem algo feito à mão.

Ele começou elaborando modelos de madeira, colando papel cortado e pregos pintados em camadas, e depois fotografando tudo. “Isso era muito artesanal, mas era isso que eu estava criando. Eu gosto da ideia que você sente o que está olhando, de que alguém fez isso, de que há um autor por trás.”

Na primeira fase conceitual, Jonze insistiu em layouts dimensionais – “como o Google Earth” – mas McFetridge resistiu. “Se há uma coisa a dizer sobre o meu trabalho, é que ele é muito, muito plano”, diz McFetridge. “Eu só estou interessado no que é plano.” Na verdade, os conceitos de McFetridge evocam a tendência do flat design, o afastamento do esqueumorfismo adotado por sistemas operacionais nos últimos anos.

Curiosamente, assim que McFetridge finalizou seu visual para as telas do cinema, ele recebeu um pouco de validação direto da Apple: “No meio disto, ela lançou um novo sistema operacional que é super flat e colorido!” De repente, o futuro imaginado por McFetridge parecia estar no caminho certo.

Dentro deste mundo colorido e plano, McFetridge começou a ver os monitores do futuro como molduras, e a interface dentro dela como uma obra de arte. Ele foi inspirado pelas cores de James Turrell, sempre brilhantes e lembrando joias. Ele também adotou uma técnica das pinturas de Mark Rothko, que usa faixas borradas em cores fortes. McFetridge girou-as para torná-las verticais, “mais como uma cidade do que um pôr do sol”, diz ele . As colunas de cor, em seguida, se tornaram uma forma de denotar hierarquia, empurrando a tarefa atual para o centro da tela. “Você sempre volta para o meio; no meio está tudo o que seu computador sabe sobre você.”

McFetridge diz que, como todas as telas são controladas por voz, seu trabalho ficou mais fácil. Afinal, ele não tinha que projetar mensagens de texto, por exemplo, que são notoriamente difíceis para os cineastas. Mas, para fazer as interfaces parecerem parte de uma linguagem de design muito rica e desenvolvida, ele projetou centenas de ícones e outros elementos que aparecem na tela de Theodore, alguns por apenas um milésimo de segundo. “Quando ela organiza a área de trabalho dele, tudo é muito caótico. Nós tivemos que pensar: qual é a aparência do e-mail, quando ela passa por centenas de milhares de e-mails?”

Ele também teve que projetar um momento crucial, quando Theodore não consegue falar com Samantha – o equivalente à tela azul da morte. “Eu só fiz isso parecer um pouco assustador, como um aviso, uma linguagem internacional de temor.”

Outro momento notável da interface é quando o OS 1 roda pela primeira vez no computador. Tudo começa com um logotipo animado, um símbolo da infinidade – o slogan é “Acreditamos no infinito” – que se transforma em dezenas de formas. Depois temos um processo de instalação que não é tão diferente do OS X atual. Por isso, eu tive que perguntar: ele estava pensando na Apple?

“Este é definitivamente um Mac do futuro, mas eu acho que o futuro da Apple vai ser muito diferente do que ela é agora”, diz ele. Por um lado, o design da interface não será padronizado, e isso não vai emanar de uma única empresa, acredita McFetridge. “A potência de uma única pessoa vai ser tão ampliada no futuro que esta interface poderá ser feita por alguém com 17 anos de idade.”

Este detalhe pode não ser imediatamente óbvio para os espectadores do filme: McFetridge imaginou que cada interface no filme é personalizada totalmente de acordo com a personalidade de cada usuário. As interfaces de Theodore são projetadas para as preferências dele, por algum designer invisível – o autor que McFetridge imaginou ao criá-las.

Então, ao invés de todo mundo esperar pela próxima atualização OS 28.3, os designers poderiam usar a inteligência sofisticada do sistema operacional para criar milhões de interfaces personalizadas de uma só vez, diz ele. Basicamente, McFetridge prevê a capacidade de produzir em massa uma experiência sob medida, feita à mão, e totalmente personalizada para nossos dispositivos. “Alguém vai lançar um novo padrão de inteligência artificial, no qual você conecta seu dispositivo, e uma versão artificial de mim no futuro cria uma interface para você.”

Saiba mais ouvindo a entrevista com McFetridge no DnA: Design and Architecture.

Imagens: cortesia de Geoff McFetridge/capturas de Ela por Rhizome

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