Pequenos iPads, grandes iPhones: como a Apple luta contra o seu próprio legado

Tim Cook concedeu a sua segunda entrevista como CEO da Apple ontem à noite. Ele disse todas as coisas que dele se esperava sobre o presente e o futuro da empresa, mas olhando nas entrelinhas de cada pergunta estava o passado. Exatamente como tem sido com cada produto lançado e rumor da Apple desde outubro. […]
Steve Jobs segura um iPad.

Tim Cook concedeu a sua segunda entrevista como CEO da Apple ontem à noite. Ele disse todas as coisas que dele se esperava sobre o presente e o futuro da empresa, mas olhando nas entrelinhas de cada pergunta estava o passado. Exatamente como tem sido com cada produto lançado e rumor da Apple desde outubro.

Talvez seja injusto, mas a maior preocupação da Apple no momento é o legado de Steve Jobs. Ele não lança uma sombra. Ele cria um eclipse total.

O poder do legado

Existe um paradoxo no centro de qualquer decisão tomada na Apple agora.

De um lado, a empresa precisa mostrar que continua alinhada à visão única de Jobs; qualquer sinal de que ela esteja se afastando daqueles padrões traz lembranças da época negra da Apple, a década sem Jobs que quase a destruiu. Se você acha que alguém no One Infinite Loop esqueceu o que houve da última vez em que Steve Jobs deixou a Apple, você está enganado. Mais ainda se você acha que eles deixarão aquilo acontecer outra vez.

Mas fazer isso não é tão simples como seguir um mapa da mina deixado por Jobs. Em parte, porque não existe um; não há dúvidas de que ele esteve envolvido no planejamento inicial de todos os lançamentos desse ano, mas como vimos com a Siri, isso está longe de ser visto uma garantia de excelência. Ainda mais, a Apple precisa demonstrar que pode inovar além de Jobs, já que ele não está mais por aí para guiar esse processo.

Como parecer Jobs ao mesmo tempo em que se tenta distanciar-se dele? Como ofuscar um fantasma?

As conexões

Não sabemos quais serão os próximos produtos da Apple. Ninguém sabe, com exceção de algumas pessoas em Cupertino e, talvez, um ou dois executivos da Foxconn. Consideremos, por um momento, que existe fundamento em dois dos rumores mais fortes de que temos notícia nos últimos meses: um iPad menor e um iPhone esticado.

Jobs odiava essas duas coisas publicamente. Tablets de 7″? Faça-me o favor. Jobs disse, em outubro de 2010, que eles são inúteis “a menos que seu tablet também inclua uma lixa, para que o usuário lixasse seus dedos até eles terem um quarto do tamanho atual.” Ele não tinha coisas muito melhores a falar sobre celulares que não tivessem tela de 3,5″.

E ainda assim é bem evidente que o iPad pequeno e o iPhone comprido estão sendo testados neste exato momento em algum laboratório de pesquisas sem janelas em Cupertino. Alguém provavelmente está jogando Angry Birds neles agora.

Estaria Tim Cook desafiadoramente esticando as suas asas e deixando o ninho? Você talvez ache que sim. Mas a situação não é tão “preto no branco”.

Além do ideal

O problema se estende para além do simples podemos ou não podemos escapar do legado de Jobs. É que o iPad, e em certo grau o iPhone, já são dispositivos tão fundamentalmente estabelecidos que não há um caminho claro para melhorá-los dentro dos limites atuais de formato e tamanho. Existe um motivo para que a Heinz não mude a receita do seu ketchup todo ano.

De verdade, pense sobre isso. O que você faria no iPhone ou iPad que já não foi feito? Um processador levemente mais rápido, claro. Faça-o à prova de água e de quedas, ok. Mas essas melhorias incrementais não valem o espetáculo bianual que fez a reputação da Apple. Para isso, precisamos de um “uau!” E como vimos quando o novo iPad foi anunciado, uma melhoria nas especificações não faz isso.

Dito isso, ainda que a Apple quisesse manter-se sincronizada com a visão estrita de Jobs, ela não pode continuar assim indefinidamente. Não se ela quiser manter o hype em torno dos anúncios de produtos vivo e saudável. Quem ficará dias em filas do lado de fora das Apple Stores por um conector menor?

A Apple precisa, então, diversificar seus produtos, não apenas nas partes internas, mas com visuais inovadores. Tudo isso se assegurando de que qualquer coisa que anuncie tenha a bênção Jobniana.

Aprovação póstuma

Pouco depois que os primeiros rumores de um iPhone alongado começaram a pipocar, o Bloomberg relatou que Steve Jobs vinha “trabalhando de perto” nisso até a sua morte. O timing do vazamento não foi uma coincidência; a Apple precisava deixar claro bem cedo que mesmo que a aparência do iPhone 5 fosse totalmente contrária ao que Jobs prezava, ele ainda seria seu bebê. Ele evoluiu, mas continua conectado.

Nada parecido sobre o iPad foi dito ainda, mas estamos a pouco menos de um ano da próxima atualização do tablet. Porém, ontem à noite Cook preparou o terreno para uma grande reviravolta na entrevista ao AllThingsD:

“Ele mudava seu posicionamento tão rápido que você se esquecia de que ele era a pessoa numa posição 180º diferente do exposto no dia anterior,” disse Cook. “Via isso diariamente. Ele sequer se lembraria disso.”

Em outras palavras: não nos prenda à responsabilidade sobre o que Steve Jobs disse. Ele nunca fez isso.

Cook é um pragmático. Ele ofereceu dividendos, algo que Jobs nunca o fez. Ele acenou para negociações na guerra de patentes enquanto Jobs construía exércitos. E ele provavelmente está lendo relatórios sobre o crescente mercado de smartphones grandes para saber que a Apple talvez tenha que fazer um também. Ele respeita, mas não se vê obrigado a nada.

E então, temos a exceção.

O unicórnio da HDTV

iPad pequeno, iPhone esticado. Eles representariam mudanças na estratégia da Apple ainda mais dramáticas do que as que já presenciamos. Mas eles não são nada perto do poder de uma HDTV da Apple.

Talvez a maior revelação da biografia de Steve Jobs foi a de que ele tinha finalmente tido o “momento eureka” para o problema da televisão. Presumivelmente significando que ele teria encontrado uma forma de a Apple vender uma. Ela é apresentada como a sua última grande inovação e está cada vez mais claro de que ela acabará se tornando realidade.

Sem pressão, galera!

Ontem à noite Cook estava reticente sobre o assunto HDTV da Apple, dizendo apenas que o set-top box da sua empresa (Apple TV) ainda era “uma área de profundo interesse para nós”. Mas a verdade é que Jobs não deixou escolha alguma à Apple nessa questão. Se a empresa falhar na criação de uma TV de alta definição, então ela terá falhado em trazer à vida a visão de Steve Jobs. Se ela realmente vender uma e ela fracassar, então o problema terá sido na incapacidade de criá-la sem Jobs.

Eles precisam fazê-la por causa dele. Eles precisam provar que podem fazê-la sem ele. É um jogo constante de empurra-empurra, o equilíbrio entre evolução e manter suas próprias raízes. É um buraco minúsculo de agulha para colocar a linha de primeira.

Grandeza vs. Sucesso

A Apple tem dinheiro o bastante nas mãos para encher mil piscinas do Tio Patinhas e vende alguns dos produtos eletrônicos de consumo mais populares do planeta. Sob o comando de Steve Jobs, ela atingiu um grau de grandeza em praticamente todas as marcas possíveis.

Na realidade, a Apple conseguiu um controle tão grande em seu segmento que ela poderia simplesmente continuar lançando o mesmo iPhone e iPad com pequenas melhorias em especificações e recursos pelos próximos cinco anos e ainda assim manter-se como uma empresa altamente lucrativa. Em outras palavras: ela poderia relaxar e, ainda assim, ser bem-sucedida.

Mas aqui está a chave para o paradoxo do legado da Apple: ela pode mover-se o quão longe quiser do que Jobs disse e fez, desde que continue na liderança. E em um mundo onde todos os demais já têm um celular grande e um tablet pequeno, o desafio talvez seja maior do que aparenta.

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