As lições da Olimpíada mais bem-sucedida da história recente

As Olimpíadas de Inverno começaram em Sochi, na Rússia, com alguns contratempos – a cidade não está totalmente preparada para o evento. Agora é tarde para Sochi mudar sua trajetória; mas o Rio de Janeiro ainda pode fazer muito antes de sediar os Jogos em 2016. Por isso, talvez possamos aprender com o exemplo do […]

As Olimpíadas de Inverno começaram em Sochi, na Rússia, com alguns contratempos – a cidade não está totalmente preparada para o evento. Agora é tarde para Sochi mudar sua trajetória; mas o Rio de Janeiro ainda pode fazer muito antes de sediar os Jogos em 2016. Por isso, talvez possamos aprender com o exemplo do que é considerada a Olimpíada de maior sucesso: Los Angeles, 1984.

No final dos anos 70, sediar os Jogos Olímpicos não era algo muito desejável: eles eram vistos como um risco financeiro. Montreal (Canadá) acumulou US$ 1,5 bilhão em dívidas por hospedar os Jogos de Verão de 1976, e só terminou de pagá-las em 2006. Denver (EUA) foi escolhida como sede para as Olimpíadas de Inverno de 1976, mas os eleitores da cidade não aprovaram o financiamento público; os Jogos foram para Innsbruck (Áustria).

Além disso, as tensões eram altas por se tratar de uma competição esportiva internacional. A Tragédia de Munique (Alemanha) ocorreu durante os Jogos de Verão de 1972: um grupo terrorista palestino sequestrou e matou 11 membros da equipe olímpica de Israel. E a Guerra Fria ainda existia: EUA e outros países boicotaram os jogos de 1980 em Moscou; e a União Soviética e outros países da Europa Oriental boicotaram os Jogos de 1984. Teerã (Irã), uma das favoritas no início, retirou-se do processo de licitação de 1984 no último minuto devido a protestos no país.

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No fim, apenas duas cidades se ofereceram para sediar os Jogos de Verão de 1984: Nova York e Los Angeles. Como os EUA só podiam recomendar uma cidade para a licitação internacional, eles decidiram por L.A., e ela ganhou por tabela.

Preparando-se para os desafios

Os Jogos Olímpicos são, basicamente, uma enorme chance para uma cidade pequena ganhar destaque no seu país e mundo; ou para uma cidade grande se reinventar. Los Angeles certamente não era uma pequena aldeia em busca de validação, mas a cidade esperava mudar sua reputação de megalópole poluída, sem um centro nem orgulho cívico.

Críticos foram rápidos em dizer que L.A. era muito grande, despreparada e financeiramente desequilibrada. Além disso, ela já havia sediado Jogos Olímpicos antes, em 1932. Mas ela tinha um grande problema: a Olimpíada de 1984 foi a primeira na história a não ser patrocinada pelo governo, como é de costume em muitos países.

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Portanto, a Olimpíada tinha que se preocupar com o orçamento. A organização dos Jogos foi comandada pelo empresário local Peter Ueberroth. Ele organizou um comitê que funcionava mais como uma empresa – a LA84. Ela possuía um conselho, composto por empresários e especialistas em finanças.

Assim, os jogos seriam financiados por algo sem precedentes: patrocínio empresarial, captação de recursos privados e – pela primeira vez nos EUA – acordos com canais de televisão. O comitê vendeu os direitos de transmissão para o canal ABC por US$ 225 milhões, levantando uma grande quantia muito antes dos jogos. Claro que a capital mundial do entretenimento chegaria a um acordo tão esperto.

Ueberroth foi eleito o Homem do Ano pela revista Time.

Contendo os gastos

Em geral, depois que uma cidade é eleita para hospedar as Olimpíadas, vem um frenesi de obras e edifícios. O problema é quando os Jogos acabam: a cidade fica com estádios vazios e sistemas de transporte inutilizados.

É o que aconteceu em Atenas (Grécia): lá, a maioria das arenas para os Jogos de 2004 agora estão vazios e dilapidados; e acredita-se que as enormes despesas contribuíram para a crise financeira da Grécia. Nagano (Japão) também caiu em recessão depois de seus Jogos de Inverno de 1998. Muito disso é ilustrado no projeto The Olympic City, em que Gary Hustwit e Jon Pacote viajaram até as cidades-sede para documentar o que acontece após os jogos.

Além disso, como vimos em Sochi, a nova infraestrutura é muitas vezes tão ambiciosa que não fica pronta a tempo: a Rússia ergueu cidades inteiras, para não mencionar uma rodovia totalmente nova e um túnel para acessá-las. E o pior é que isso não é novidade: em Montreal-76, o estádio olímpico não estava pronto quando os jogos começaram, devido a problemas de construção e greves trabalhistas. Ele devia ter um telhado, mas passou 11 anos sem um.

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O comitê de Los Angeles decidiu que não permitiria construir nenhuma estrutura desportiva nova. Em vez disso, eles modificariam e atualizariam as arenas já existentes – muitas dentro de universidades. As cerimônias de abertura e provas de pista foram realizadas no Coliseu, construído para as Olimpíadas de 1932; mas vale notar que, das 31 arenas utilizadas no evento, só duas eram da Olimpíada anterior.

Os únicos novos espaços desportivos foram um centro aquático no campus da Universidade da Califórnia do Sul; e um velódromo. Ambos receberam forte apoio financeiro do McDonald’s e 7-Eleven. E as vilas olímpicas para os atletas foram reutilizadas como dormitórios para faculdades próximas.

Um belo design para salvar o dia

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Naquela época, os comitês só tinham cinco anos entre a eleição como cidade-sede e o início dos Jogos; hoje, isso chega a quase dez anos. Rapidamente formou-se uma equipe de design, que incluía a liderança de duas empresas de destaque, Jerde Partnership e Sussman/Prejza, assim como muitas outras empresas e designers, que trabalharam juntos em um estúdio no centro de Los Angeles. O artista gráfico Robert Miles Runyan foi escolhido para criar o logotipo “Stars in Motion”: cinco estrelas que pareciam correr para a frente.

Para o resto do branding, a equipe teve diversas fontes de inspiração. Uma paleta de cores foi inspirada nas texturas e padrões de países do Pacífico; enquanto formas e cores vieram das culturas mexicana, indonésia e japonesa. Isto resultou em um tom magenta principal, misturado a outras cores vivas como ciano, amarelo e roxo. Dessa forma, eles não reproduziram as cores da bandeira americana (vermelho, branco e azul), dando ao design uma cara realmente internacional.

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Com pouco tempo e um orçamento minúsculo de US$ 10 milhões, os designers logo notaram que precisariam usar materiais acessíveis e abundantes para criar milhares de peças, de placas de sinalização a edifícios temporários. Inspirada novamente pelo Pacífico, a equipe aprendeu com as tendas e altares temporários que eram construídos para festivais.

Em vez de erguer torres e esculturas gigantescas, a equipe usou estruturas infláveis ​​e andaimes modificados para criar marcos simples e coloridos. As placas de sinalização e orientação foram feitas de madeira pintada e Sonotubes – basicamente tubos gigantes de papelão – com fitas de vinil. As estruturas eram eficazes, de baixo custo, e podiam ser desfeitas sem problemas.

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Design para a cidade e para o mundo

Como parte do acordo lucrativo na TV que ajudou a financiar os jogos, esta seria a primeira Olimpíada a se tornar um evento televisivo global. Sim, muitos jogos foram parcialmente televisionados antes de 1984, mas esta transmissão duraria 180 horas e seria vista pelo maior público da história. Sabendo disso, os designers focaram em elementos que funcionam bem na tela pequena da TV, com cores brilhantes e grande impacto gráfico. Pequenos refletores de metal, como se vê em concessionárias de automóveis, foram usados para dar brilho aos edifícios.

O design também ajudou a fazer as 88 cidades do sul da Califórnia – muitas com a sua própria identidade – se sentirem como uma só. Havia 42 arenas espalhadas por 800 km²; algumas ficavam a 150 km de distância umas das outras! Por isso, seria difícil dar uma sensação de continuidade entre esses locais. No entanto, o design criado para as Olimpíadas se repetia em elementos na paisagem, e ajudou a unir uma área incrivelmente grande. Para a audiência global assistindo de casa, esta foi – e sempre será – Los Angeles.

Mas o mundo também estava vendo por outro motivo: para ver se Los Angeles conseguiria aguentar os Jogos. Esta foi, de longe, a Olimpíada mais dispersa de todos os tempos. Por isso, os moradores temiam que o trânsito, normalmente já horrível, ficaria paralisado. Não havia um sistema pronto de trens, e o metrô só chegaria à cidade após uma década. Mas o impasse apocalíptico nunca aconteceu. A “febre olímpica” pegou: as pessoas ficavam em casa, organizavam carona e usavam ônibus; a cidade ficou milagrosamente navegável.

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Um legado duradouro

Em 1979, a comissão organizadora de L.A. fez um acordo: se os jogos gerassem lucro, a LA84 daria 60% de volta ao Comitê Olímpico dos EUA, e manteria 40% para o sul da Califórnia. No final dos jogos, o total das despesas ficou em respeitáveis US$ 546 milhões, porém o lucro foi impressionante: US$ 232,5 milhões. Isso é enorme. Até então, só as outras Olimpíadas de Los Angeles, realizadas na cidade em 1932, tiveram sucesso financeiro.

Por isso, US$ 93 milhões ficariam na região. O valor foi usado para criar a Fundação LA84, que financia eventos, recursos e instalações para jovens praticarem esportes na região. Com uma gestão inteligente, o valor cresceu ao longo dos anos, e US$ 214 milhões ajudaram cerca de três milhões de crianças e 1.100 organizações no sul da Califórnia. Recentemente, a Fundação LA84 ajudou a levantar dinheiro para pagar treinadores e comprar equipamentos em escolas de L.A., depois que cortes no orçamento acabaram com programas esportivos.

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Los Angeles conseguiu pensar no futuro ao realizar os jogos, vendo o que seria deixado para a cidade depois que os atletas, imprensa e espectadores fossem para casa. Nem toda cidade que sedia os jogos aprendeu esta lição, é claro. Mas Los Angeles tornou-se um modelo para cidades como Barcelona (1992) e Atlanta (1996), que orquestraram Jogos de sucesso e revitalizaram seus núcleos urbanos, sem que isso pesasse para os moradores. Outras cidades olímpicas também tiveram lucro, mas LA-84 continua, de longe, a ser a mais bem-sucedida financeiramente.

L.A. também ajudou a tornar a Olimpíada novamente em motivo de orgulho para uma cidade. O design inovador, que capturou a imaginação dos moradores e de audiência global, fez a cidade parecer visualmente unida. E L.A. viu-se não apenas como uma cidade, mas como uma região, unindo-se às comunidades distantes que, pela primeira vez, se sentiam parte e tinham orgulho do sul da Califórnia. E isso poderia acontecer em outras cidades também: o exemplo foi dado há 30 anos.

Acredita-se que Los Angeles será uma das candidatas para hospedar os Jogos de 2024, depois do Rio de Janeiro e Tóquio. O processo de licitação começa em 2015.

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Fontes adicionais: Design Quarterly 127, 1985, publicado pelo Walker Art Center

Fotos via Jerde Partnership e Sussman/Prejza; cerimônia de abertura via U.S. Air Force

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