Médicos rebatem recomendação de interrupção precoce de tratamento com antibióticos

Especialistas criticaram artigo de opinião recente que defendia a interrupção de tratamentos com antibióticos, tachando-o como perigoso

Cientistas do Reino Unido provocaram um estardalhaço nesta semana quando anunciaram que não precisamos necessariamente completar uma sessão de antibióticos para tratar adequadamente as infecções. É uma mensagem provocativa, mas os céticos dizem que esse conselho é grosseiramente prematuro – e até imprudente.

• Certas bactérias que habitam o pênis podem aumentar o risco de HIV
• Contagens de esperma têm decaído entre os homens ocidentais, cientistas confirmam

A resistência antimicrobiana (RAM) não é causada por uma parada precoce em um tratamento prescrito de antibióticos, mas por abuso excessivo de antibióticos, defendeu uma equipe de especialistas em doenças infecciosas no The British Medical Journal. A equipe, liderada por Martin Llewelyn, da Faculdade de Medicina de Brighton e Sussex, pede aos médicos, educadores e formuladores de políticas que “parem de defender a ‘conclusão do ciclo’ quando se comunicam com o público”.

Isso é… uau. Uma mudança completa do que nos dizem há anos, que precisamos terminar nossos frascos até a última pílula, a fim de tratar adequadamente nossas infecções e prevenir a proliferação de bactérias resistentes a micróbios. De acordo com esses especialistas, estamos errados sobre isso, e, além do mais, a cultura de “completar o ciclo” pode ser responsável pelo rápido declínio da eficácia dos antibióticos.

Mas os especialistas com os quais o Gizmodo falou disseram que o artigo de opinião do BMJ, embora importante, pode estar passando a mensagem errada. Eles dizem que muita pesquisa precisa ser feita antes que os médicos possam começar a falar para seus pacientes diminuir a medicação. E que a afirmação apresentado pelo BMJ não leva em consideração a natureza complexa e multifacetada das infecções bacterianas. Em uma palavra, eles descreveram a opinião como “perigosa”.

“O público deve ser encorajado a reconhecer que os antibióticos são um recurso natural precioso e finito que deve ser conservado.”

Llewellyn e seus colegas dizem que a convenção de prescrição de tratamentos longos é baseada em uma noção datada.

“Tradicionalmente, os antibióticos são prescritos para durações ou ciclos recomendados”, escrevem os autores do BMJ. “Fundamental para o conceito de um ciclo de antibióticos é a noção de que o tratamento mais curto será inferior. Há, no entanto, pouca prova de que as durações atualmente recomendadas sejam mínimas, abaixo das quais os pacientes teriam maior risco de falha no tratamento”. A cultura de prescrição de hoje, argumentam eles, é “impulsionada pelo medo de um tratamento insuficiente, com menos preocupação sobre o uso excessivo”.

Ao mesmo tempo, os autores dizem que há evidências crescentes de que os antibióticos de curta duração, tratamentos que duram apenas de três a cinco dias, funcionam de forma tão eficaz quanto no tratamento de uma variedade de infecções bacterianas e de que devemos nos afastar das prescrições mais amplas. Mas Llewelyn e seus colegas admitem exceções, citando a necessidade de prescrever mais de um tipo de antibiótico para as infecções de tuberculose, que são notáveis pelo seu desenvolvimento de resistências.

Os autores também admitem que não será fácil mudar a cultura, já que a ideia de tomar um ciclo completo de antibióticos está “profundamente incorporada, e tanto os médicos quanto os pacientes atualmente consideram a incapacidade de completar um ciclo de antibióticos como ‘comportamento irresponsável’”. Mas a equipe de Llewelyn está otimista de que o público irá aceitar tratamentos de curta duração se a profissão médica reconhecer abertamente essa mudança de opinião e se o público “for encorajado a reconhecer que os antibióticos são um recurso natural precioso e finito que deve ser conservado”.

oxgeyag5smeem6fwul51

Bactérias na pele (Imagem: AP)

“Eu acho que o artigo é empolgante, para muitas práticas em medicina é importante perguntar as origens e se elas estão ajudando ou prejudicando os pacientes”, disse o pesquisador Michael Baym, da Universidade de Harvard, especialista em resistência a antibióticos, que não esteve envolvido no artigo de opinião do BMJ. “O artigo estabelece muito bem que o curso tradicional de antibiótico de sete dias não é bem fundamentado e que, de acordo com a teoria evolutiva, um curso mais longo não diminui o surgimento da resistência.”

Dito isso, Baym afirma que substituir os conselhos gerais para terminar um ciclo por conselhos gerais para não terminar um ciclo também é baseado em evidências insuficientes.

“Eu acho que a conclusão real é que precisamos nos afastar da ideia de que todos os antibióticos e todas as infecções requerem um pensamento uniforme e que, em vez disso, precisamos realizar estudos específicos para descobrir regimes de tratamento ideais para infecções específicas e antibióticos específicos”, Baym disse ao Gizmodo.

Maha R. Farhat, professora assistente de informática biomédica da Escola de Medicina de Harvard, concorda com Baym, dizendo que os autores fizeram uma declaração ousada que atualmente não tem prova suficiente.

“A maioria dos médicos de doenças infecciosas e especialistas em resistência aos antibióticos gostaria de ver menos uso de antibióticos, mas a realidade é que nós ainda não temos provas suficientes para lançar uma declaração geral como os autores fizeram”, afirmou Farhat ao Gizmodo. “É verdade que a resistência colateral é um problema, mas o que isso requer é mais pesquisa, e não uma mudança prematura em recomendações de saúde pública e campanhas de conscientização, como sugerem os autores.”

Farhat diz que os autores também não discutiram provas que demonstram que o não cumprimento dos antibióticos — não necessariamente uma terapia mais curta, mas uma terapia interrompida — é um motor principal de resistência tanto no paciente quanto na população.

“Os médicos, incluindo eu mesma, enfatizam a declaração ‘tomar como prescrito’ por causa de uma preocupação maior com o primeiro (o paciente) — o que é mais provável — do que com o segundo (a população maior ou a resistência colateral).”

Vaughn Cooper, microbiólogo da Faculdade de Medicina da Universidade de Pittsburgh, diz que certamente devemos reavaliar a abordagem “um tamanho para todos” para as prescrições de antibióticos, mas ele descreve o novo artigo como sendo “claramente perigoso”.

“Argumentar que a duração do ciclo de antibióticos não está suficientemente baseada em evidências vale a pena, mas o editorial basicamente defende que os pacientes não devem finalizar seu ciclo de antibióticos”, disse Cooper ao Gizmodo. “Isso também não é baseado em evidências e aumenta a probabilidade de resultados adversos para os pacientes que ignoram o conselho médico quando um ciclo de antibióticos é claramente justificado.”

Cooper diz que os autores do BMJ ignoraram convenientemente o que os cientistas já sabiam sobre os antibióticos em termos de duração e eficácia, apontando para um estudo do New England Journal of Medicine do ano passado que mostra que os tratamentos de duração padrão – alguns com duração de até dez dias – não aumentam o nível de resistência antibiótica em crianças (pelo menos para crianças com infecções no ouvido) e que as crianças que são retiradas de antibióticos apresentam piores melhoras.

“Sugerir que os pacientes não completem o curso de tratamento recomendado… é perigoso, por vários motivos”, disse Yonatan H. Grad, professor assistente de imunologia e doenças infecciosas da Escola TH Chan de Saúde Pública de Harvard. “Nem todas as infecções são iguais. Para algumas infecções, como a tuberculose, é extremamente importante completar o curso de tratamento, porque, como foi demonstrado muitas vezes, não fazer isso promove a resistência antimicrobiana na tuberculose e a recorrência da infecção.”

Grad tem problemas com a sugestão do artigo de que os pacientes parem de tomar antibióticos quando começarem a “se sentir melhor”, dizendo que é uma recomendação muito vaga e subjetiva. Ele também se preocupa que um lote crescente de potes de remédio por acabar no armário promova o uso inadequado de antibióticos e tenha o efeito exatamente oposto.

“O sério problema da resistência antimicrobiana deve nos encorajar a revisar a forma como abordamos o uso de antibióticos, já que existem muitas oportunidades de melhoria”, disse Grad ao Gizmodo. “Como sugere esse artigo de opinião, precisamos de mais testes clínicos para determinar a eficácia de tratamentos de menor duração.”

Até isso acontecer, é melhor você acabar de tomar seus remédios “como prescrito”.

[BMJ]

Imagem do topo: Rob Brewer/Flickr

fique por dentro
das novidades giz Inscreva-se agora para receber em primeira mão todas as notícias sobre tecnologia, ciência e cultura, reviews e comparativos exclusivos de produtos, além de descontos imperdíveis em ofertas exclusivas