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A nova era de jogos em realidade virtual promete apagar os fracassos do passado

Valve, Sony, Microsoft e Oculus Rift lideram as empresas que apostam alto na realidade virtual - e dessa vez tudo pode dar certo.

Durante minha infância, nos cada vez mais distantes anos 90, uma das principais ideias do futuro era a de que viveríamos meio que divididos entre uma realidade “real” e uma realidade virtual. Referências a isso estavam por todos os lados — até mesmo em programas de TV de qualidade duvidosa que de alguma forma me agradavam naqueles tempos, como os VR Troopers.

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Também foi nesses mesmos anos 90 que uma empresa japonesa de videogames tentou se aventurar no mundo da realidade virtual, mas sem sucesso. Obviamente falo do Virtual Boy, da Nintendo, lançado em 1995 e abandonado pouco tempo depois. O Virtual Boy deixou claro que ainda estávamos muito distantes dos dias em que colocaríamos um treco na cabeça e viveríamos, dentro dele, uma vida diferente, em uma realidade diferente.

A sonhada realidade virtual não chegou e foi esquecida por muito tempo. Mas não definitivamente. Nos últimos anos, não foram poucas as empresas que voltaram a desenvolver dispositivos na área, e de certa forma toda a empolgação com o futuro da realidade virtual voltou a fazer parte das nossas vidas.

No fim deste ano, teremos alguns nomes de peso lançando produtos de realidade virtual. A aposta principal está em agradar os fãs de jogos. Talvez seja a partir da produção de universos imersivos em videogames que a realidade virtual vai começar a ganhar força no mundo. Será? Vamos analisar quatro das grandes apostas do mercado para saber: será que realmente devemos nos animar com essa nova onda da realidade virtual, ou trata-se apenas de um revival dos anos 90 que terá o mesmo destino daquelas tentativas da virada do milênio — ou seja, o fracasso?

Um pouco do passado

É difícil falar em realidade virtual nos videogames sem abordar o mínimo que seja sobre Virtual Boy, o pioneiro na área.

O conceito do Virtual Boy é creditado ao já falecido Gunpei Yokoi (1941-1997), antigo gerente da R&D1 da Nintendo, e um dos caras que possibilitou a existência do GameBoy e de Metroid (muito obrigado por tudo!!!). Em novembro de 1994, a Nintendo anunciou oficialmente o console. Eis o que dizia o press release na época (via Planet Virtual Boy):

“O design único do Virtual Boy elimina todos os estímulos externos, imergindo totalmente os jogadores em seu universo único e privado com imagens vermelhas em alta resolução num plano de fundo preto. A experiência 3D é melhorada através de som estereofônico e um novo controle especialmente projetado para acomodar movimento espacial multidimensional”

Era uma verdadeira salada de tecnologias — o Virtual Boy exibia imagens em 3D, excluía o jogador do “mundo real” e fazia com que ele mergulhasse no jogo sem poder ver nada ao seu redor. Além disso, tinha um controle um pouco diferente do que o mundo estava acostumado naqueles tempos. Mas ele não fazia nada disso muito bem. Era grande demais e exigia que os jogadores o apoiassem em uma mesa. A tela era horrível e só exibia vermelho e preto, além de causar dor de cabeça em algumas pessoas. E, para piorar, pouquíssimos jogos foram desenvolvidos para a plataforma.

O Virtual Boy foi um fracasso.

Lançado em 1995, ele era caro (US$ 180), mas poderia ter sido muito mais caro — a Nintendo cortou várias coisas do projeto pra chegar a um preço aceitável para o produto. Consequentemente, o Virtual Boy estava longe de ser um primor do ponto de vista tecnológico — na verdade, ele usava tantas tecnologias ainda em desenvolvimento que acabava sendo um aparelho incompleto.

Há quem diga que Gunpei Yokoi não queria colocá-lo no mercado — ao menos não naquele momento, exatamente por achar que a tecnologia ainda tinha muito o que evoluir. Ele não foi ouvido. Talvez estivesse certo. Lembra do Google Glass? E dos motivos pelos quais ele acabou afundando?

Esperando o momento ideal

Com a primeira incursão da realidade virtual nos videogames não tendo sido muito bem recebida, demorou um bom tempo até que a ideia voltasse a ser levada a sério na indústria. E isso só foi acontecer com a apresentação do Oculus Rift. E, de 2012 para cá, não só a Oculus (agora pertencente ao Facebook) vem apostando em VR, como também três outros nomes fortíssimos da indústria dos games: Sony, Microsoft e Valve. Mas vamos com calma.

Oculus Rift, Facebook e Samsung

O primeiro aparelho da nova era da realidade virtual começou a ser desenvolvido por uma empresa independente — a Oculus VR — mas hoje em dia está nas mãos de um gigante — o Facebook.

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Ele ainda está em desenvolvimento, mas é bem comum ouvir pessoas que usaram o aparelho se dizerem impressionadas com a experiência oferecida pelo Oculus Rift. Eu, particularmente, não tive a chance de testar o Oculus Rift em si. Mas, por um curto período de tempo, brinquei com o Samsung Gear VR — um protótipo de realidade virtual desenvolvido a partir de uma parceria entre Oculus e a coreana.

Na minha curta experiência com o dispositivo da Samsung, cheguei a experimentar por alguns minutos um jogo que me colocava em uma fase colorida (mas com gráficos bastante simples) na qual eu controlava um animal (me desculpe, mas eu realmente não me lembro de detalhes da espécie) que coletava itens em uma floresta. Lembrava um jogo de plataforma em 3D bastante simples, e parecia estar no começo do desenvolvimento — não havia quase nada para ser feito dentro do jogo. Não era também uma das melhores formas de demonstrar a tecnologia aplicada a jogos — a outra experiência que tive, com um filme interativo, foi consideravelmente mais imersiva. Mas de qualquer forma, o joguinho com o VR foi interessante. Uma forma de ver por conta própria o que a realidade virtual poderia oferecer. E as ambições da Samsung para a área vão muito além do Gear VR.

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Mas hoje o Oculus Rift, está muito mais desenvolvido do que isso. Crescent Bay! A promessa é que ele seja lançado em “meses, e não anos” (foi o que disse a empresa em novembro passado). Mas, ainda assim, ele parece distante de nós. Talvez por não ter previsão de lançamento, muito menos preço definido.

Felizmente, se o Oculus Rift ainda não parece estar pronto, algumas alternativas a ele que deram as caras nos últimos meses mostram mais do potencial da realidade virtual.

Microsoft HoloLens

Sendo bastante rigoroso, chamar o que o HoloLens faz de “realidade virtual” é um exagero. Ele é mais um dispositivo de realidade aumentada com toques de holografia (ou seria um dispositivo de holografia com toques de realidade aumentada?), mas é possível encaixá-lo nessa briga pelo futuro da realidade virtual, mesmo que com uma abordagem diferente dos principais concorrentes.

>>> [Hands-on] Microsoft HoloLens: um começo surpreendente para um mundo de hologramas

Com o HoloLens, a Microsoft quer transformar todos os lugares da sua casa em um holodeck — como se você morasse em Star Trek. Trata-se de um headset que permite ver objetos e ambientes virtuais como se eles existissem no mundo real.

Anunciado em janeiro, ele causou um impacto muito positivo logo de cara — por aqui mesmo falamos como ele é surpreendente. A Microsoft conseguiu misturar o que há de melhor no Oculus Rift com o que havia de bom no Google Glass. E o melhor: ela pretende usar essa tecnologia para jogos! Eis o que falamos sobre jogar com o HoloLens em janeiro:

“E foi sensacional jogar Minecraft – ou melhor, o clone de Minecraft que a Microsoft chama de “Holobuilder” – com objetos do mundo real. Imagine se suas paredes e superfícies fossem feitas de blocos de Minecraft. O que aconteceria se você as quebrasse?

Eu abri um buraco em uma mesa que permitiu ver através dela: lá embaixo, havia um subterrâneo cavernoso com um poço de lava gigante. Eu arrebentei uma parede da vida real e descobri uma caverna do outro lado. Como os óculos da Microsoft tornam invisível essa parte da parede, enganando minha visão para me deixar ver a caverna, ela parecia surpreendentemente real.”

A ideia de colocar um jogo funcionando dentro da minha sala me agrada bastante, para ser sincero. Não que a sala do meu atual apartamento seja grande nem nada disso, mas a ideia de fazer com que o mundo real se confunda com o virtual é realmente empolgante, e confesso que estou bastante ansioso para ver o que o HoloLens vai nos oferecer no futuro.

Mas, claro, temos alguns poréns por aqui. Em primeiro lugar, data de lançamento e preço são um mistério. Tudo bem, tudo bem. O que é mais preocupante, no entanto, é a forma como o HoloLens foi apresentado até aqui: em um ambiente controlado pela Microsoft, com testes guiados pela Microsoft. Por um lado, isso pode ser visto como uma forma de garantir que aqueles que testaram o HoloLens tivessem a melhor experiência possível com ele — por outro, deixa claro como ainda falamos de um protótipo com muito desenvolvimento pela frente, já que qualquer coisa que saísse do roteiro pré-definido pela Microsoft poderia mostrar algumas das limitações atuais da tecnologia.

E, sinceramente, espero que esse “muito desenvolvimento pela frente” seja levado bem a sério pela Microsoft. Nada de apressar as coisas. Há alguns anos, essa mesma empresa apresentou uma tecnologia fantástica que poderia mudar para sempre os jogos eletrônicos. Quando essa tecnologia chegou às lojas, ela estava claramente inacabada e frustrou muita gente. Mas acredito que a Microsoft tenha aprendido um pouco com os erros do Kinect.

Sony Project Morpheus

A Sony também quer realidade virtual e isso não surpreende. Afinal, é a mesma empresa que, em meio a todo o hype dos controles por movimentos, tentou a sorte com o PS Move. Ou seja, a Sony está sempre de olho no que concorrentes estão fazendo e tenta desenvolver sua tecnologia por conta própria. E se o PS Move não era grande coisa, o Project Morpheus parece seguir por um caminho completamente diferente.

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Eis o que dissemos sobre o óculos de realidade virtual da Sony:

“E quanto aos jogos? Eles não decepcionam. Em The Deep, você começa em uma gaiola de tubarão assistindo a vida marinha ao redor. Aí, de repente, surge um tubarão mortal rasgando a gaiola. Eu me encolhi de medo. É sério. A demonstração não me deu braços e pés, então não era possível fugir: a gaiola balançava, mas eu tinha que permanecer parado.

O melhor jogo, no entanto, foi The London Heist; espero que se torne um jogo completo. Ele começou sem nada de especial, mais outra experiência estacionária do tipo que eu vi no Oculus Rift muitas vezes. Eu estava amarrado a uma cadeira enquanto um bandido musculoso chegava perto de mim com uma tocha de propano, ameaçando me torturar por queimaduras de terceiro grau.

O smartphone dele tocou – um alívio cômico bem-vindo – e fiquei impressionado ao descobrir que eu conseguia alcançá-lo, tirá-lo da mão dele, segurá-lo na minha orelha, e ouvir o som seguindo minha mão. (A Sony trabalha em áudio posicional há algum tempo, afinal.)

E o que deixou meu sangue fluindo foi o próprio assalto. É uma cena simples: abri algumas gavetas para encontrar a chave de um cofre e, em seguida, procurei por um revólver e munição após disparar o alarme. Mas o fato de que eu pude fazer tudo isso com o PlayStation Move – abrir gavetas, inserir munição na pistola, e me esconder atrás da mesa enquanto atirava nos guardas – isso fez toda a diferença no mundo. Eu quero mais disso: sentir que estou realmente fazendo alguma coisa, em vez de apenas pressionar botões.”

A Sony promete o Project Morpheus para 2016 – ainda sem preço definido. Quando ele chegar terá um concorrente forte pela frente: o HTC Vive e a plataforma SteamVR, da Valve.

Valve e SteamVR, HTC e Vive

A mais nova empresa a apostar na realidade virtual é a Valve, que apresentou no começo de março a plataforma SteamVR. E ter sido a última a mostrar as cartas não faz com que ela esteja atrasada na briga — na verdade, ela sairá na frente da Sony, por exemplo, e colocará o SteamVR nas lojas em novembro deste ano.

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O SteamVR é a plataforma, não o dispositivo. O headset de realidade virtual será feito pela HTC, e chama-se HTC Vive. Ele conta com um sistema de rastreio de movimentos para monitorar o que acontece dentro de uma sala inteira, além de usar controladores que, de acordo com a HTC, são simples e intuitivos. Em nosso rápido teste, o Vive agradou. E aquele jeitinho que tanto amamos da Valve está presente com força nele:

A última demonstração foi ótima. Como a Valve está por trás do headset, de repente eu fui colocado em um laboratório da Aperture, do aclamado jogo Portal. A voz robótica da GLaDOS começou a falar, me ordenando a fechar e abrir algumas gavetas. Em uma dessas gavetas havia um bolo (não era uma mentira, afinal de contas). Depois disso, eu abri uma porta gigante com uma enorme alavanca vermelha. Então, apareceu o robô Atlas: ele estava trêmulo e quebrado. Me mandaram a consertá-lo com uma interface 3D flutuante a laser. Foi demais.

A aventura da Valve no mundo dos hardwares ainda é um mistério. Não temos ideia de como se sairão as Steam Machines, que chegam em novembro (junto com o Vive). Então é bem difícil ter uma ideia do que esperar do SteamVR como uma plataforma — é verdade que a Valve entende muito bem de desenvolvimento de plataforma (olá, Steam), mas as coisas são bem diferentes quando a empresa quer inaugurar uma nova área na indústria. A boa notícia é que, mesmo sem ter preço definido, o SteamVR será lançado no Brasil — talvez não simultaneamente com outras partes do mundo, mas um dia teremos esses headsets por aqui.

Agora vai?

É fácil perceber que a realidade virtual hoje está muito melhor do que era nos tempos do Virtual Boy. E o investimento pesado de gigantes dos games (e da internet, no caso do Facebook com o Oculus Rift) nos dá esperanças de que dessa vez tudo vai dar certo, e dentro de algum tempo poderemos viver uma experiência completamente imersiva e virtual sem sair de casa.

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As possibilidades são imensas, a tecnologia parece estar madura, então é certeza que tudo será um sucesso? Claro que não. Para tecnologias como essa darem certo, é preciso ter muito apoio e produção de conteúdo pensado 100% para aquilo. É fácil simplesmente adaptar um jogo antigo para a realidade virtual. O difícil é convencer uma pessoa de que ela deve gastar uma bolada para comprar um aparelho para jogar algo acessível de outras maneiras e custando bem menos. A experiência da realidade virtual não se vende sozinha: ela precisa de muitos e muitos jogos, filmes e softwares para se tornar atraente para a maior quantidade possível de pessoas pelo mundo.

Daqui até o fim do ano, tudo o que falarmos sobre o futuro com (ou sem) realidade virtual é apenas especulação. Quando os headsets começarem a chegar nas lojas, aí sim poderemos avaliar com calma. Hoje, tudo parece promissor. Mas não são poucas as promessas que não se tornam realidade. A realidade virtual já fracassou uma vez. Esperamos, que, dessa vez, a história seja bem diferente.

Imagem de topo: Mario Clash, lançado em 1995 pela Nintendo para o Virtual Boy

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