O projeto Mars One de colonização de Marte parece ser uma grande besteira

O projeto Mars One quer levar humanos para colonizar Marte, mas ainda precisa responder muitas questões até provar que de fato é viável.

Depois de assistir a um debate de duas horas sobre a missão Mars One na semana passada, acho que finalmente entendi qual é o problema dela. Não é que a empresa está quebrada. É que ainda não temos tecnologia para sustentar a vida humana em Marte, e o pessoal da Mars One não admite isso.

Na semana passada, um debate público aconteceu durante a Mars Society Convention, nos EUA, com presença do co-fundador da Mars One, Bas Lansdorp, e pesquisadores do MIT e críticos do projeto, Sydney Do e Andrew Owens. O tópico do debate era simples: “A Mars One é viável?” Isso é, podemos começar a enviar duplas de colonizadores humanos para uma viagem apenas de ida para Marte a cada 26 meses a partir do início dos anos 2020 e esperar que eles sobrevivam?

Do e Owens dizem que não, porque as tecnologias necessárias para manter uma colônia em Marte ainda não estão maduras. Para fortalecer o argumento, os dois apresentaram uma versão condensada de uma análise de viabilidade bastante detalhada que publicaram no ano passado. Essa análise mostra basicamente que a missão Mars One (da forma como está sendo vendida para o público) vai falhar porque os astronautas passarão fome, os habitats vão pegar fogo, eles vão ficar sem peças de reposição, ou alguma combinação desses fatores.

Landsdorp discorda. Durante o debate, ele insistiu em dizer que todas as tecnologias necessárias para as colônias em Marte “já existem”. Mas ele se recusou a dar detalhes, repetindo comparações metafóricas entre seu sonho pessoal e a missão Apollo 11.

Como os dois lados — ambos bastante comprometidos com a missão de chegar a Marte — conseguem ver essas coisas de forma tão diferente? É porque um dos lados fez uma análise cuidadosa de todos os dados, enquanto a outra fala um monte de besteira, sabe que está falando um monte de besteira, e mesmo assim continua brincando com nossos sentimentos e com nosso sonho de chegar a Marte.

Assistência de vida e peças de reposição

A Mars One diz que a tecnologia de suporte a vida vai ser criada com base em sistemas da ISS. Imagem via NASA.

A Mars One diz que a tecnologia de suporte a vida vai ser criada com base em sistemas da ISS. Imagem via NASA.

Precisamos de basicamente dois tipos de tecnologia para humanos viverem em Marte – considerando, claro, que já temos foguetes e espaçonaves para chegar lá. Em primeiro lugar, é necessário desenvolver tecnologias que ajudam a dar suporte à vida – os equipamentos dentro dos habitats marcianos que vão reciclar o ar, a água e os nutrientes, garantindo que gases como CO2 e oxigênio permaneçam em equilíbrio. E então temos o que engenheiros chamam de tecnologia de recursos de utilização in situ. É a tecnologia que precisaremos para extrair recursos em Marte. Para o Mars One funcionar, precisaremos extrair água do solo marciano para beber, e nitrogênio e oxigênio do ar para criar uma atmosfera. Toda essa tecnologia, segundo Lansdorp, já existe.

Será?

Se você forçar um pouco a barra, a resposta pode ser sim. Em relação ao suporte à vida, o Mars One frequentemente compara seus sistemas propostos aos que já estão em funcionamento na Estação Internacional Espacial. É uma comparação justa. Os sistemas de assistência de vida na ISS já provaram funcionar muito bem em um ambiente espacial e sob condições de microgravidade. Então não há motivos para, na teoria, esse sistema não funcionar em Marte.

Mas como Owens lembrou durante o debate, os sistemas de suporte de vida na ISS são consertados e substituídos com bastante frequência, aproveitando partes de reposição que estão na Terra e podem facilmente ser enviadas para o espaço.

“Uma das coisas que aprendemos com a ISS é que esses sistemas precisam de reparos,” disse Owens. “A ISS passa cerca de 3 meses entre o envio de novos suprimentos. Quando as coisas dão errado, é só voltar para casa.”

Mas no plano Mars One teríamos um período de 26 meses entre a chegada de novos suprimentos, e nenhuma embarcação de retorno para os colonizadores caso as coisas saiam do controle. Isso significa – como explicaram os pesquisadores do MIT na análise de viabilidade e no debate – que precisaremos enviar uma imensa quantidade de peças de reposição junto com cada tripulação que sair em direção a Marte. E, de acordo com os cálculos de Do e Owens, precisaremos de três cápsulas SpaceX Dragon cheias dessas peças para cada duas pessoas em uma tripulação, apenas para garantir uma chance de sobrevivência de 50% para elas.

As peças de reposição são tão importantes que os custos de reabastecimento da missão sobem a cada dois tripulantes adicionais enviados pela Mars One. A primeira equipe precisa levar partes para usar por conta própria. Já a seguinte precisará transportar peças para si mesma e para a equipe anterior – e assim por diante.

“Os custos de reabastecimento de uma série de viagens só de ida para Marte vão subir de modo insustentável com o passar do tempo,” explicou Owens. Isso é verdade, ao menos até que os humanos consigam coletar todos os recursos necessários em Marte. Como lembrou Owens, “se quisermos colonizar Marte de maneira sustentável, precisamos desenvolver habilidades de fabricação.”

Fabricando em Marte

A sonda Curiosity está realizando um trabalho científico em Marte, coletando dados que serão fundamentais para o desenvolvimento do projeto. Imagem via NASA.

A sonda Curiosity está realizando um trabalho científico em Marte, coletando dados que serão fundamentais para o desenvolvimento do projeto. Imagem via NASA.

Isso nos leva a outra tecnologia que o projeto Mars One precisa: extração de recursos in situ. Novamente, o pessoal da Mars One diz que nenhuma tecnologia nova precisa ser inventada, e com isso eles querem dizer que os processos físicos básicos necessários para a extração de recursos de Marte já são conhecidos.

Claro, os processos físicos básicos necessários para construir reatores nucleares também são conhecidos. Entender conceitualmente como extrair água, oxigênio e nitrogênio de Marte é muito diferente de efetivamente extrair isso de lá. Essas tecnologias são, na melhor das situações, experimentais, e elas ainda não foram testadas nem no espaço e nem em Marte.

E a tecnologia necessária para fabricar essas peças de reposição – que provavelmente incluem misturas de plásticos e metais – não existe. Para ser justo com ele, Lansdorp admitiu isso, e destacou que é uma área importante no desenvolvimento de um recente design conceitual feito pela Paragon para o projeto.

“O que é realmente importante é que precisamos começar a produzir as coisas localmente em Marte,” disse Lansdorp. “Eu gostaria de ver propostas de como construir um habitat com materiais locais.”

A propósito, a NASA recentemente anunciou um desafio de impressão 3D solicitando propostas que consigam fazer exatamente isso. Se tem alguma coisa que os dois lados concordaram ontem foi que a sustentabilidade a longo prazo dos acampamentos em Marte depende totalmente de criarmos infraestrutura para fabricação de coisas no Planeta Vermelho.

Certo. Então por que a Mars One fala em enviar humanos para Marte quando a tecnologia crítica para isso claramente ainda não existe? Porque eles estão tentando atrair investidores. A Mars One, como você já deve saber, não tem dinheiro nenhum.

Toda a argumentação de Lansdorp durante o debate envolvia dinheiro. Quando a Mars One tiver milhões de dólares à disposição, a tecnologia será criada. Mas não é bem assim: por que as pessoas deveriam investir no seu conceito de tecnologia perigosa sendo que você ainda não tem essa tecnologia?

“Não discordamos que a questão do suporte à vida possa ser facilmente solucionada, mas esses problemas são muito complexos,” disse Do. “É como um castelo de cartas – se uma coisa quebrar, a estrutura toda cai. Mas não é possível avaliar viabilidade de um programa quando ele não tem um conceito. Se você ainda está desenvolvendo os conceitos, então você ainda não tem um plano.”

Defina um plano antes de falar em colonização

Conceito artístico da sonda Curiosity da NASA se aproximando de Marte. Imagem via NASA/JPL-Caltech

Conceito artístico da sonda Curiosity da NASA se aproximando de Marte. Imagem via NASA/JPL-Caltech

A Mars One não tem a tecnologia que precisa para levar a missão adiante, mas espera ter assim que conseguir financiamento. Tudo bem. Muitas pessoas estão trabalhando para encontrar uma forma de tornar acampamentos espaciais realidade.

Mas se a tecnologia não está pronta, parece loucura falar em enviar humanos para viver em outro planeta.

O pessoal da Mars One admitiu durante o debate que “as tripulações precisariam ser bastante inovadoras” para solucionar problemas não previstos para sobreviver em Marte. Claro, esperamos que os primeiros colonizadores terráqueos em Marte sejam algumas das mentes mais brilhantes da Terra. Mas por que não focar em enviar sondas não-tripuladas para Marte primeiro, para tentar desenvolver a tecnologia de fabricação e de extração de recursos que precisaremos? Por que não fazer tudo o que for possível para garantir que os primeiros humanos em Marte tenham ferramentas à disposição para encarar o maior desafio de sobrevivência humana na história?

“Minha posição”, disse Do, “é que devemos ter toda a tecnologia desenvolvida antes de partirmos. A outra opção é downscale: tentamos orbitar ao redor de Marte e voltamos. E essa é apenas uma sugestão. Para solucionar problemas de inviabilidade você precisa flexibilizar custos, agenda e dimensões de escopo.”

“Esses problemas não são impossíveis de solucionar,” disse Owens. “São muitos grandes desafios que exigem muitos pesquisadores e tempo. Nós acreditamos que se vamos enviar humanos para Marte, precisamos ter o desenvolvimento e maturidade tecnológica para isso.”

O problema com a Mars One é que a empresa está quebrada, desorganizada e seu projeto meio que é só um esboço. É a Mars One que quer colocar a carroça na frente dos bois. Tecnologia não é algo que acontecerá enquanto os humanos estiverem em Marte. Se queremos que esses humanos sobrevivam, precisamos ter a tecnologia 100% pronta antes de enviar pessoas em uma viagem sem volta.

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