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O Oculus Rift da Marinha americana me mostrou o futuro virtual da vida militar

O futuro das forças armadas às vezes parece limitado a armas maiores e melhores – canhões de laser e coisas assim. Mas e as pessoas que operam essas armas? Como preparar os militares para o combate high-tech do amanhã? Nos EUA, é com um Oculus Rift – que coloca a realidade virtual bem à frente […]

O futuro das forças armadas às vezes parece limitado a armas maiores e melhores – canhões de laser e coisas assim. Mas e as pessoas que operam essas armas? Como preparar os militares para o combate high-tech do amanhã? Nos EUA, é com um Oculus Rift – que coloca a realidade virtual bem à frente dos seus olhos.

Com estes óculos, temos uma mistura de vida real, realidade aumentada e mundos virtuais para formar um projeto conhecido como BlueShark.

Feito no Instituto de Tecnologias Criativas, na Universidade do Sul da Califórnia, trata-se de um experimento para descobrir não só como trabalharia a Marinha do futuro, mas como ele deveria trabalhar. Eu fui lá para saber como aspirantes serão treinados daqui a uma década.

O que é BlueShark?

O BlueShark é o codinome sexy dado ao Ambiente Avançado para Comunicação e Colaboração (ou E2C2). Como sugere o nome verdadeiro, apesar de ser em grande parte financiado pelas forças armadas dos EUA (uma divisão do Instituto de Pesquisa Naval conhecida como SwampWorks), o trabalho feito aqui tem implicações muito mais amplas. O projeto é essencialmente uma coleção de tecnologias e ambientes (físicos e virtuais) que examinam como os humanos poderão colaborar no futuro, seja estando na mesma sala ou do outro lado do planeta.

Quanto ao envolvimento da Marinha, o foco do BlueShark é garantir que as futuras gerações de marinheiros possam trabalhar em harmonia num futuro distante. Uma sala de controle cheia de interruptores e botões analógicos empoeirados pode ser perfeitamente funcional, mas será intuitiva daqui a cinco décadas?

É uma tarefa difícil. Mas, considerando que o BlueShark está trabalhando em projetos para 2025, é incrível como eles já chegaram longe.

A experiência

Na nossa mais nova viagem ao Instituto de Tecnologias Criativas da USC – já estivemos lá antes! – eu tive a oportunidade de testar o BlueShark na sua forma atual. Isso basicamente imita o tipo de treinamento pelo qual passaria um novo marinheiro.

O Laboratório de Realidade Mista do instituto praticamente transborda com telas gigantescas, câmeras, sensores, óculos e outros brinquedos divertidos. Definitivamente não é o tipo de lugar que você imagina quando pensa em “treinamento militar”. Parece mais algo saído de um remake de WarGames.

Fui guiado na demonstração pelo suboficial sênior Foster, um avatar virtual de tamanho humano exibido em uma grande TV de tela plana. Quando você pisa na posição adequada, uma câmera (uma webcam barata da Logitech) detecta você e Foster ganha vida. Ele me deu um breve resumo, pediu para eu falar meu nome, e em seguida me guiou pela primeira estação – e também a mais impressionante.

Centro de comando

O Centro de Comando do BlueShark é, como você deve ter adivinhado a partir do nome, um posto de comando simulado. São quatro grandes telas na sua frente, uma cadeira giratória e um Oculus Rift com alguns ajustes.

O Oculus não está ali apenas porque está na moda: seu criador, Palmer Luckey, era um assistente neste laboratório do instituto quando lançou sua campanha no Kickstarter. Na verdade, alguns elementos do Oculus vieram de designs open-source deste laboratório.

Ah, e este também não é exatamente o óculos de realidade virtual que você conhece: as telas embutidas no BlueShark têm alguns truques a mais. O Oculus do BlueShark foi equipado com vários LEDs vermelhos. A olho nu, eles parecem estar acesos, mas na realidade cada um possui efeito estroboscópico, piscando a uma frequência diferente. Isso permite que as câmeras na sala saibam qual é cada LED e, assim, forneçam dados precisos de posicionamento, que por sua vez informam o que você está vendo no seu monitor virtual.

Se você se inclina para frente ou para trás, as imagens mudam com seu movimento, fazendo com que o mundo virtual pareça muito mais real. Além do rastreamento avançado, o laboratório encontrou formas de criar campos de visão que vão além da atual capacidade da Oculus. Basicamente, o óculos do BlueShark envolve o usuário em um cenário completo. Por exemplo, a foto acima mostra o Fakespace Labs Wide5, um HMD experimental que fornece mais imersão com campo de visão de 140 graus.

Os LEDs do óculos são acompanhados por tiras cobertas de LED, que você prende às mãos para mostrar ao sistema o posicionamento delas. Ele não registra movimentos pequenos dos dedos, mas eu consegui manipular objetos no mundo virtual tão facilmente como em uma touchscreen.

Na foto acima, você pode ver o meu ponto de vista, olhando para uma tela sensível ao toque com quatro opções: câmera da gávea (no topo do mastro); ponte de comando; sala de operações; e câmera do sistema aéreo não-tripulado (ou drone).

No mundo real, não havia nenhuma interface: era apenas um quadrado simples e barato de acrílico em um estande. No entanto, quando eu toquei o local onde os botões deveriam estar, o sistema registrou perfeitamente meu toque e me transferiu para uma sala diferente.

Isto tem implicações profundas. Vamos supor que a Marinha decida que uma sala cheia de touchscreens é a melhor forma de controlar um navio de guerra. Hoje, para treinar os marinheiros, você teria que construir réplicas físicas da sala de controle. Mas e se você pudesse colocar peças simples de plástico que serviriam como “telas”, colocar um Oculus Rift no rosto deles, e simular perfeitamente como seria a experiência real? Fora dos óculos de realidade virtual, há apenas uma sala cheia de painéis de plástico, mas para o soldado em treinamento, isso seria exatamente como o navio real. Isto poderia economizar muito dinheiro, e deixaria a Marinha muito mais adaptável.

A parte mais incrível deste sistema, porém, é como apenas um simples toque de botão pode mudar sua perspectiva e ponto de vista. Quando eu pressionei o botão virtual para a gávea, fui imediatamente transportado para o topo do mastro do navio. Isso me fez agarrar os braços da cadeira: lá estava eu​​, flutuando a uns 10 m acima do convés, mas ainda podendo acessar todas as telas e controles importantes com a ponta dos dedos.

E depois veio o melhor truque de mágica: tocando em outro botão, eu fui para um lugar ainda mais alto, olhando para baixo com o ponto de vista de um drone. Eu estava voando alto acima da água, olhando para o barco onde estaria meu corpo físico, e também com visão dos navios inimigos.

Imagine um piloto de drone podendo ver todo o mundo a partir do sistema que ele ou ela está pilotando, e não apenas a partir de um único ângulo de câmera – mas como se estivesse sentado no cockpit. Você tem uma percepção muito melhor do espaço. Também é possível entender melhor de que suas ações são uma parte do mundo real, e não apenas um jogo – junto com todas as implicações morais que isso traz.

Em resumo: ele me surpreendeu.

Um futuro flexível

Outra vantagem deste sistema é a sua extrema capacidade de personalização. Talvez você seja canhoto e queira que o acelerador do navio esteja no lado esquerdo; para isso, basta arrastar e soltar o controle para onde você desejar. Quando o próximo usuário fizer login, ele teria as preferências definidas por ele. Desta forma, cada um pode personalizar o navio para funcionar da maneira que faz mais sentido.

Isto também permite que menos pessoas precisem estar fisicamente em um navio para pilotá-lo. Dependendo da velocidade de dados, você poderia basicamente chamar um especialista de qualquer assunto que você precise, e ele seria capaz de analisar a situação como se estivesse a bordo do navio. Isto poderia ser extremamente útil em situações especializadas de conserto, ou para fins de tradução.

Por mais incrível que o BlueShark pareça, o sistema está longe da perfeição. Às vezes havia lag no visor, o que causa tontura – é quando há uma ligeira disparidade entre o que você vê e o que você faz com o corpo. Eu não tenho enjoos facilmente, mas a realidade virtual me deixou tonto. Em certo momento, quando a tela congelou completamente, fiquei tão desorientado que quase bati a cara na tela.

Mas estamos no começo desta tecnologia, e ela já é muito boa em uma fase tão rudimentar – é impressionante.

Para onde vamos

Resta ver como as forças militares vão adotar e implementar o BlueShark. Uma das características principais dos porta-aviões de classe Ford é que eles são modulares: à medida que a tecnologia avança, salas de controle inteiras teoricamente poderiam ser trocadas. Será que poderíamos ter uma com painéis de acrílico que ganham vida quando você olha para eles na realidade virtual?

Isso tornaria o sistema infinitamente personalizável para os marinheiros. Mas a Marinha dos EUA confiaria em um sistema 100% digital para pilotar seus navios? Ele seria vulnerável a hackers?

Fizemos estas perguntas à Marinha e tivemos uma resposta oficial (e surpreendentemente sincera) do tenente-comandante Brent Olde, adjunto do Instituto de Pesquisa Naval na Divisão de Sistemas Humanos e de Bioengenharia:

“Devido aos rápidos avanços nos sistemas não-tripulados, os militares estão atualmente passando por uma mudança de paradigma na forma como comandam e controlam seus equipamentos. Com a crescente confiança e confiabilidade destes novos mecanismos de controle, eu diria que sim, no futuro a Marinha poderia ter uma forma completamente nova de controlar grandes navios – conforme visto no BlueShark.

No entanto, sistemas de combate requerem múltiplas redundâncias à prova de falhas para serem postos em prática, para o caso de falhas – alguns sistemas têm redundância quádrupla. Por isso, se a Marinha substituísse todo o sistema de controle, seria apenas depois de testes rigorosos e redundantes de backup, com mecanismos para manter o controle.”

Grifo nosso, mas basta dizer que o BlueShark poderia muito bem ser uma realidade, assumindo que se torne seguro e confiável o suficiente.

Existem, é claro, várias aplicações para esta tecnologia fora das forças militares. Você pode reunir uma equipe de especialistas de todo o mundo, que poderia colaborar em um projeto num ambiente virtual (com tudo sendo imediatamente traduzido para o idioma de cada ouvinte). E, obviamente, o potencial para jogos é quase ilimitado.

Mas, no fim, ver o mundo a partir da perspectiva de um drone, e transformar um espaço vazio em um centro de comando high-tech – tudo isso tem enormes implicações para as forças militares. O BlueShark é o futuro, e está mais perto do que você imagina.

Obrigado a todos no Instituto para Tecnologias Criativas da USC.

Câmera: Judd Frazier; vídeo: Michael Hession; fotos: Brent Rose

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