Dos sonhos para a realidade 3D: a fascinante origem da Pixar

Antes de uma história de brinquedos, antes de monstros trabalharem numa empresa, antes de ir procurar o Nemo e antes de vinte e sete estatuetas do Oscar, a Pixar era uma empresa de hardware de computadores top de linha, cujos clientes incluíam o governo dos EUA e a comunidade médica. A história da Pixar não […]

Antes de uma história de brinquedos, antes de monstros trabalharem numa empresa, antes de ir procurar o Nemo e antes de vinte e sete estatuetas do Oscar, a Pixar era uma empresa de hardware de computadores top de linha, cujos clientes incluíam o governo dos EUA e a comunidade médica. A história da Pixar não é exatamente cheia de super-heróis, robôs adoráveis ou insetos falantes. A trajetória do estúdio de animação mais lucrativo e adorado pela crítica (sim, pelos números, ele desbanca a Disney) é recheada de dificuldades financeiras, empregados demitidos da Apple, impressoras digitais e uma mão esquerda animada. E tudo começou com um estudante mórmon da Universidade de Utah.

Quando Ed Catmull se formou em ciências da computação, ele já era considerado um gênio e pioneiro no seu campo. Ele tinha desenvolvido o texture mapping, um método para adicionar detalhes, texturas e cores a um modelo 3D computadorizado. Em 1972, ele usou a técnica para criar um dos primeiros exemplos de animação 3D computadorizada do mundo — um filme animado de sua mão esquerda. O clipe de um minuto acabou sendo comprado por um produtor de Hollywood e usado no filme Futureworld, de 1976 — o primeiro longa-metragem a usar animações computadorizadas. Hoje, o clipe, intitulado A Computer Animated Hand, foi registrado na Biblioteca do Congresso, depois de ser selecionado para preservação em 2011 pela National Film Registry.

O abastado empresário Alexander Schure comandava o Instituto de Tecnologia de Nova Iorque, uma das únicas escolas cujo foco estava totalmente nas ciências técnicas da época. Schure acreditava que a animação computadorizada era o futuro da arte de  contar histórias e que era o caminho que o cinema iria trilhar. Ele estava trabalhando num filme chamado Tubby the Tuba. Frustrado por seu lento progresso, ele começou a comprar equipamentos dos laboratórios de computação mais avançados dos EUA, incluindo o da Universidade de Utah. Foi aí que ele conheceu Ed Catmull e o contratou para comandar seu laboratório, não apenas pela competência técnica, mas também por compartilhar a crença na mágica da animação. Agora, Catmull tinha um palco maior para mostrar suas habilidades de criar fantasias e, em breve, Hollywood perceberia isso e iria chamá-los.

Em 1978, George Lucas estava fazendo um sucesso estrondoso com seu épico espacial Guerra nas Estrelas: Uma Nova Esperança e estava em meio à escrita e desenvolvimento de O Império Contra-Ataca. Apesar de amar dirigir e escrever, sua meta sempre foi criar um império do cinema com sua empresa, a LucasFilm. De acordo com o livro The Pixar Touch, de David Price, Lucas acreditava que a indústria cinematográfica estava “congelada no tempo” e queria modernizar as ferramentas usadas. Então, ele se voltou para os computadores para tornar sua divisão de efeitos especiais, a Industrial Light & Magic, uma das mais invejadas de Hollywood.

Ele contratou Ed Catmull para ter todos aqueles computadores ao seu dispor. Catmull, como quase todo mundo da época, estava impressionado com Star Wars, por seus efeitos especiais detalhados. Mesmo que isso significasse deixar Schure e o Instituto de Tecnologia de Nova Iorque, o lugar onde ele começou sua jornada, Catmull não podia recusar o emprego de seus sonhos.

Catmull entrou na Lucasfilm em 1979 e formou o The Graphics Group, como parte da divisão de computadores. Ele trouxe alguns dos seus melhores funcionários e começou a trabalhar imediatamente. A lista de exigências de Lucas era imensa e assustadora. Ele queria que o grupo desenvolvesse um sistema de edição não-linear, um sistema de edição de som digital e entrasse de cabeça na questão de como a computação gráfica poderia revolucionar o cinema.

Nos anos que se seguiram, a Graphics Group avançou com sucesso sob o comando de Catmull. Lucas aparecia frequentemente para ver o que “os caras” estavam fazendo. De acordo com The Pixar Touch, Lucas não queria que as pessoas se sentissem intimidadas pela presença dele. Ele também queria ser tratado como se fosse um expert em computação gráfica e odiava quando era tido como um leigo.

Em 1986, o Graphics Group já tinha desenvolvido efeitos computadorizados para vários filmes de Hollywood, incluindo Jornada nas Estrelas II: A Ira de KhanO Jovem Sherlock Holmes. Mesmo assim, a divisão estava dando prejuízo. Era bastante caro comandar um divisão de computação gráfica tão inovadora. Catmull e a empresa sabiam que o tempo deles com a LucasFilm estava no fim e começaram a procurar uma maneira de seguir com as próprias pernas. Por sorte, o então recentemente demitido CEO da Apple, Steve Jobs, viu alguma coisa verdadeiramente única na divisão de computação gráfica. Jobs comprou o Graphics Group da LucasFilm por 5 milhões de dólares, conseguindo os direitos sobre as tecnologias usadas, e fundou uma empresa independente chamada “Pixar”.

O nome Pixar foi, na verdade, concebido muitos anos antes, como o nome de um componente da impressora digital óptica que o grupo tinha desenvolvido. Como muitas das grandes ideias, o nome foi decidido durante uma refeição. Karen Paik, em seu livro sobre o começo da Pixar, To Infinity and Beyond conta:

“Nós sempre tivemos um histórico terrível de naming rights”, admite Alvy Ray Smith (membro fundador da divisão de computação gráfica da LucasFilm e parceiro de longa data de Ed Catmull). Nós nunca podíamos dar o nome das coisas — sempre éramos apenas a “divisão de computação”. Mas chegou uma hora em que precisávamos achar um nome para o computador de imagens que tínhamos feito. E, uma noite, Loren Carpenter, Rodney Stock e eu estávamos num restaurante sujo em Ignacico, uma cidadezinha de Marin County. Eu cresci no Novo México, onde o espanhol é o segundo idioma, e a forma infinitiva dos verbos sempre termina em “er”, “ir” ou “ar”. Eu sugeri “Pixar”, uma palavra inventada em espanhol que significa “criar imagens”.

Quando Catmull e Alvy Ray Smith estavam em busca de investidores, eles sabiam que a propriedade mais valiosa que possuíam era esse Pixar Image Computer, então eles aproveitaram o nome para a empresa. Como você pode ver, apesar do mito comum, Steve Jobs não teve nada a ver com a escolha.

Steve Jobs apoiou Catmull, Smith e John Lasseter a criarem um estúdio de animação, mas ele tinhas seus próprios planos em mente. Ele queria vender o produto que deu nome à empresa, o Pixar Image Computer e começou a divulgar a Pixar como uma empresa de sistemas de computação top de linha e isso deu certo — por um certo tempo. O sistema foi vendido para agências de governo, para a comunidade de pesquisa médica e para outras empresas que estavam tentando estabelecer suas próprias animações de modelos computadorizados em 3-D. Uma dessas empresas era a Walt Disney.

Porém, devido ao preço extremamente alto do Pixar Image Computer e do mercado limitado para este equipamento, as vendas começaram a despencar e Jobs entrou em pânico. Ele colocou mais e mais dinheiro na empresa, mais de US$ 50 milhões num intervalo de cinco anos, de acordo com o livro To Infinity and Beyond. Vagas foram extintas e empregados foram demitidos para tentar salvar a empresa.

O sonho de fazer o primeiro longa-metragem com animações computadorizadas ainda estava lá, mas era ameaçado pela ruína financeira. Jobs estava considerando seriamente fechar a empresa, particularmente porque seu outro negócio na época, a NeXT Inc, também estava queimando milhões de dólares (apesar de que, com uma ajuda da Apple, Jobs conseguiria ganhar um bom dinheiro com ela, no fim das contas). A Pixar, por outro lado, não foi salva pela Apple, mas sim por John Lasseter.

John Lasseter foi o primeiro e principal animador que acreditou que o poder das animações computadorizadas iria criar um modo de contar histórias nunca antes visto. Sua carreira começou, na verdade, na Walt Disney Company — como capitão do brinquedo Jungle Cruise, na Disneylândia. Logo depois, ele se tornou animador nos estúdios, mas foi demitido graças a sua obsessão com computação gráfica e sua relutância em deixar isso de lado, como tinha sido pedido por seus superiores. Em 1985, ele encontrou um lar na divisão de computadores da LucasFilm. Catmull contratou Lasseter como um “designer de interfaces”, porque ele não estava oficialmente autorizado a contratar um animador.

Para vender melhor o Pixar Image Computer, Jobs queria exemplos de o que as avançadas máquinas poderiam fazer. Ele permitiu que Lasseter comandasse uma equipe para produzir curta-metragens que tinham a finalidade de promover o produto.

Luxo Jr., um curta animado com lâmpadas de mesa, estreou na convenção de tecnologia da computação SIGGRAPHem 1986. Foi um sucesso absoluto. Mais tarde, naquele ano, ele foi indicado ao Oscar. Não é preciso dizer que foi um ótimo exemplo do que a Pixar, tanto a empresa quanto o sistema de hardware, poderia fazer, e Lasseter pode, então, convencer Jobs a manter a empresa, tendo agora como foco comerciais de TV e curtas animados para outras empresas, o que, por sua vez, ajudaria a divulgar e vender o sistema de computação.

Depois de Lasseter fundar a divisão de animação, ele conseguiu contratos com empresas como Tropicana, LifeSavers e Listerine, com a Pixar produzindo campanhas de publicidade para elas. Ficou claro que o futuro seria feito de animações, não de hardware. Em 1990, Jobs vendeu a divisão de hardware para conseguir dinheiro para este novo objetivo.

Mesmo assim, a empresa perdeu US$ 8 milhões em 1990. Finalmente, em março de 1991, Jobs, com seu jeitinho encantador, demitiu metade dos funcionários e avisou que fecharia a empresa se todas as ações que estavam nas mãos dos empregados não fossem dadas a ele. Isto acabou funcionando e empresa realmente fechou as portas, mas uma nova companhia foi fundada com o mesmo nome e o pessoal que sobrou, mas sem empregados acionistas dessa vez.

Como um dos cofundadores supracitados da Pixar, Alvy Ray Smith, disse em The Second Coming of Steve Jobs,

A Pixar faliu nove vezes nos padrões normais, mas Steve não queria falir, então ele continuou assinando os cheques. Ele teria nos vendido a qualquer um em qualquer momento, e ele realmente tentou fazer isso, mas ele queria cobrir suas perdas de US$ 50 milhões.

Um ano depois, a pequena (e ainda sem dinheiro) empresa recebeu sua maior tarefa até então: um acordo de US$ 21 milhões e três filmes com a Walt Disney Studios. Foi sob esse contrato que, em 1995, o filme Toy Story foi feito. Neste meio tempo, Jobs ainda tentou vender a empresa, já que havia outras interessadas, incluindo a Microsoft, mas ele decidiu esperar para ver no que ia dar o tal Toy Story… e bem, deu no que deu.

Graças a Toy Story, quando Steve Jobs abriu o capital da Pixar, ela se tornou a maior oferta pública inicial de 1995, maior até que a do Netscape. Como Jobs tinha pegado de volta as ações dos empregados em 1991, isto acabou fazendo dele um bilionário, com um patrimônio líquido de cerca de US$ 1,5 bilhão. E o resto, como dizem, é história.

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Informações adicionais:

  • Apesar de, inicialmente, não ter produto algum além de uma camiseta vendida com o logo da empresa e montanhas de dinheiro sob seu controle, Jobs conseguiu fazer com que Ross Perot investisse US$ 20 milhões na NeXT Inc., em troca de apenas 16% das ações da empresa, que não tinha ativo algum a não ser seus funcionários. Por causa disso, a empresa foi avaliada em US$ 125 milhões. Esta é possivelmente a start-up de camisetas mais cara da história, além de demonstrar como Jobs era bom de marketing.
  • A NeXT foi, de várias maneiras, um fracasso espetacular, mas em outras, foi um grande sucesso que deu muito dinheiro a Jobs e pavimentou o caminho para ele voltar à Apple, através do sistema operacional NeXT. Como a Apple precisava de um SO, ela comprou a NeXT por quase meio bilhão de dólares, mais que o dobro do preço pedido antes de Jobs vendê-la (mais uma vez, ele era um marqueteiro brilhante). Isto aconteceu um ano antes de ele abrir o capital da Pixar. Não é preciso dizer que 1995-1996 foi um bom biênio para Steve Jobs.
  • Outro fator que possivelmente contribuiu para George Lucas vender a divisão de computadores da LucasFilm foi seu divórcio altamente divulgado pela mídia, em 1983, e a queda repentina de receitas de O Retorno de Jedi. Lucas precisava de dinheiro para manter o controle de seu pequeno império e vender uma parte da empresa por cinco milhões de dólares certamente ajudou.
  • Se você é bem familiarizado com ciência da computação, provavelmente viu outro pedacinho do trabalho de Lasseter sem se dar conta disso. Lá nos anos 80, ele desenhou um pequenino demônio para o Free BSD. Este diabinho se tornou o mais popular mascote do BSD Daemon.
  • Logo depois do lançamento de Universidade Monstros, o jovem de 22 anos Joe Negroni desenvolveu uma teoria de que todos os filmes da Pixar existem no mesmo universo. Esta linha do tempo registra como os animais adquiriram a capacidade de falar e cresceram intelectualmente, assim como a queda dos humanos na Terra, o crescimento das máquinas, a criação de super-espécies (os monstros de Monstros S.A.). É uma teoria bem esquisita e alucinada, mas, surpreendentemente, faz muito sentido.

Matt Blitz escreve para o site de fatos populares TodayIFoundOut.com. Para assinar a newsletter Daily Knowledge, clique aqui ou curta a página deles no Facebook aqui. Você também pode conferir o canal do YouTube deles aqui.

Este post foi republicado com permissão do TodayIFoundOut.com. Imagem: raneko, sob licença Creative Commons.

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