_Saúde

Entenda como nosso relógio biológico funciona, com esse estudo que rendeu prêmio Nobel

De diversas maneiras, o corpo humano é como um computador. Ele tem um processador, tem memória, precisa de energia para funcionar, pode solucionar problemas e, bom, assiste à sua parcela de pornografia. Mas ele também tem um relógio, cuja mecânica só foi aprofundada bem recentemente. • O futuro dos produtos farmacêuticos são remédios customizados feitos por […]

De diversas maneiras, o corpo humano é como um computador. Ele tem um processador, tem memória, precisa de energia para funcionar, pode solucionar problemas e, bom, assiste à sua parcela de pornografia. Mas ele também tem um relógio, cuja mecânica só foi aprofundada bem recentemente.

• O futuro dos produtos farmacêuticos são remédios customizados feitos por impressão 3D
• Robôs feitos de DNA podem um dia transportar remédios dentro do seu corpo

A Assembleia do Nobel do Instituto Karolinska concedeu o Prêmio Nobel de fisiologia ou medicina aos americanos Jeffrey C. Hall, Michael Rosbash e Michael W. Young “por suas descobertas de mecanismos moleculares controlando o ritmo circadiano”. Graças a uns ajustes e observações na genética das moscas de fruta Drosophila melanogaster, eles descobriram alguns dos genes e proteínas responsáveis por fazer seu relógio biológico funcionar.

Agora sabemos muito mais sobre o ritmo circadiano, e outros cientistas expandiram a pesquisa, encontrando proteínas parecidas em humanos (embora ainda tenha muito trabalho a ser feito). Vários outros cientistas agora entraram nesse campo. Mas o trabalho desses três laureados preparou o palco para tudo isso, ao desconstruir e por de volta as minúsculas engrenagens do relógio biológico.

Aqui está como eles fizeram isso.

O início dos anos 1980 era uma época muito diferente para a pesquisa de DNA — não havia projetos de genoma humano, nenhum CRISPR, e os computadores usados para avaliar as pesquisas de DNA eram muito mais lentos. A ciência era mais lenta em geral. Os artigos eram mais fáceis de se ler.

Imagem: NobelPrize.org

Os cientistas sabiam muito sobre os ritmos biológicos naquela época, mas “quase nada se sabia” sobre os mecanismos moleculares por trás deles, de acordo com um estudo de 1984 publicado na Cell. Mas mesmo no início dos anos 1970, uma equipe diferente de pesquisadores percebeu que uma sequência de DNA chamada de gene “period” poderia ser mutada para desorientar o relógio interno das moscas de fruta, com as consequências incluindo a alteração do modo como as moscas se moviam e do som de seu chamado de acasalamento. Robash e Hall conseguiram consertar as moscas mutadas e restaurar a normalidade a seu ritmo circadiano naquele estudo de 1984. Young e sua equipe conseguiram isolar os milhares de pares de base (as letras que compõem a palavras do manual de instrução do DNA) responsáveis por esse gene.

Uma vez que os pesquisadores haviam isolado o gene, tiveram que descobrir as proteínas de fato que faziam o trabalho. O DNA, afinal de contas, é apenas a instrução, e não quem conduz o trabalho. Outro tipo de material genético chamado RNA precisa traduzir o DNA, que é lido em algum outro lugar na célula para criar as proteínas. O trabalho subsequente de Robash, Hall e sua equipe mostrou que as quantidades de RNA nas células das moscas pareciam flutuar baseadas no tempo e na quantidade de luz a que as moscas eram expostas.

Voltando ao gene period, Hall e Rosbash descobriram que ele era responsável pela produção do RNA mensageiro, que contém instruções para a produção da proteína PER. Essa última, por sua vez, é responsável por inibir o gene period, gerando um processo de retroalimentação que regula o relógio interno.

Considerando que o RNA codifica proteínas, isso significava que uma proteína correspondente chamada PER flutuaria ao longo do tempo também e poderia ter alguma importância no ritmo circadiano. Mais importante, isso significava que devia haver algum loop de feedback interno responsável pelo relógio. Sua vida tem vários loops de feedback, como a maneira como você espera para responder emails até que tenha vários deles, você pira e os checa ou deleta tudo. Então, deixa todos eles se empilharem, e o ciclo continua.

Mas os cientistas ainda precisavam descobrir uma coisa: o motivo da periodicidade do ciclo de produção de PER durar aproximadamente 24 horas. Por que o PER estava mudando ciclicamente? Era como se eles tivessem uma caixa de entrada cheia de emails (as proteínas) enviadas a partir do gene “period”, mas ninguém para checar e respondê-los e nenhum relógio para regular a checagem. Young e sua equipe mais tarde descobriram que outra proteína, que eles chamaram de “timeless”, produtora da proteína TIM, era a “checadora de emails”, ligando-se ao PER para que, depois que ele se sobrecarregasse, pudesse bloquear a atividade do gene “period”. Um outro estudo apresentou a “doubletime“, proteína que atrasa o tempo para que a proteína timeless possa limpar a acumulação do PER no tempo certo.

O trabalho desses três rendeu-lhes o Prêmio Nobel, embora o campo ainda esteja cheio de cientistas tentando entender mais profundamente as complexidades do ritmo circadiano.

Os prêmio continuarão nesta terça-feira (3), com o de Física,e na quarta (4), com o de Química.

[Cell, Nature, Science, Cell, NobelPrize.org]

Imagem do topo: RBerteig/Flickr

Sair da versão mobile