Que religião é mais amigável à ideia de alienígenas?

Especialistas respondem como diferentes religiões, como cristianismo, islamismo e budismo, lidam com a ideia de seres de outros planetas.
Ilustração: Benjamin Currie/Gizmodo

Na maioria das religiões mundiais, uma rápida aparição de um alienígena não soaria, pelo menos superficialmente, particularmente estranha. Ocorrências incomuns são meio vitais para o negócio como um todo. E os adeptos de ambos os campos — observadores de OVNIs e religiosos — sabem o que significa acreditar em certas coisas mesmo contra as probabilidades.

Se um membro do primeiro grupo decidir entrar em contato com o último, onde eles se sentiriam mais em casa? Que religião é mais receptiva ao conceito de vida em outros planetas? Para o Giz Pergunta desta semana, contatamos vários especialistas em religião para descobrir.

Diana Walsh Pasulka

Professora de Filosofia e Religião da Universidade da Carolina do Norte Wilmington e autora de American Cosmic: UFOs, Religion, and Technology

Antes que a pergunta possa ser respondida, é uma boa ideia considerar a questão da definição de religião. Para a maioria das pessoas da tradição ocidental, a religião é algo que segue uma forma definida de padrões. Existe um Deus, geralmente existem livros sagrados e lugares para as pessoas frequentarem.

Geralmente, quando é explicado que muitas culturas não-ocidentais e indígenas não pensam em religião dessa maneira, isso abre a mente para o fato de existir uma ideia de religião que não é universal no planeta todo.

Em muitas espiritualidades indígenas, por exemplo, extraterrestres, muitas vezes chamados de “povos das estrelas”, existem e são até ancestrais de certas tribos da Terra. Mesmo em certas espiritualidades indígenas ocidentais, como os irlandeses pré-cristãos, por exemplo, extraterrestres vieram das nuvens e forneceram aos seres humanos conhecimento sobre como viver.

Mesmo nas tradições ocidentais — como o catolicismo, por exemplo –, as conversas sobre vida extraterrestre acontecem há mais de mil anos. Em 1891, o Papa Leão XIII estabeleceu um observatório espacial (que já estava lá) para estudar “objetos voadores inexplicáveis”.

O budismo também faz referência à existência de outros mundos. É óbvio que a maioria das religiões e espiritualidades consideraram a existência de seres de outros mundos. Na verdade, não é novidade.

O que é novo, no entanto, é que existem “religiões ufológicas” ou religiões hoje em dia que incorporam idéias de que os extraterrestres estão aqui por várias razões. A nação do Islã é um exemplo clássico de tal religião. Obviamente, religiões como a fundada pelo francês Raël são uma religião OVNI, pois ele disse que teve uma experiência direta de um disco voador e sua espiritualidade emergiu diretamente dessa experiência.

Portanto, essas religiões já incorporam essas ideias, assim como muitas religiões indígenas. Na minha opinião, se os extraterrestres existirem, não acho que a maioria das religiões ou seus membros terão problemas com isso.

“Em muitas espiritualidades indígenas, os extraterrestres, freqüentemente chamados de ‘povo estelar’, existem e são até ancestrais de certas tribos da Terra”.

Karen Pechilis

Professora de Religiões Comparadas na Drew University

Acho que o budismo é um bom candidato para ser a religião mais amigável à ideia de existir vida em outros planetas, especialmente se a política puder ser deixada de fora.

O budismo é uma religião de “inscrição aberta” que tem um método de conversão (a Joia Tríplice) que é usada há milênios para recrutar membros entre populações muito diferentes entre si. Com esse método eles tem um histórico de interação com tradições locais pré-existentes, ao invés de oprimi-las. Assim, se mantém aberto à diferença.

Além disso, alguns textos budistas descrevem várias regiões, nem todas terrenas, nas quais as pessoas vivem simultaneamente, mas sem contato entre as regiões. Por fim, a oração budista universal é “que todos os seres sejam (desinteressadamente) felizes”, que é direcionada a todos, em todos os lugares.

“Alguns textos budistas descrevem várias regiões, nem todas terrenas, nas quais as pessoas vivem simultaneamente, mas sem contato entre as regiões.”

Douglas Vakoch

Presidente da Messaging Extraterrestrial Intelligence (METI), uma organização de pesquisa sem fins lucrativos que cria e transmite mensagens interestelares para procurar civilizações extraterrestres

Depois que detectarmos vida extraterrestre, tudo mudará. As religiões que foram resistentes à perspectiva de vida extraterrestre serão forçadas a fazer um balanço e reavaliar suas posições. Não perguntaremos mais “Você acredita na existência de extraterrestres?” mas, em vez disso, nos perguntaremos: “O que a existência de extraterrestres significa para suas crenças?”.

Hoje, quando se pergunta às pessoas religiosas se a vida fora da Terra é consistente com sua fé, elas são colocadas em uma posição constrangedora. Espera-se que eles considerem uma questão científica através das lentes de suas crenças religiosas. As escrituras deles fazem referência explícita à existência de vida em planetas que orbitam outras estrelas? O silêncio sobre esse tópico implica na ausência de alienígenas, ou simplesmente o fato de os textos religiosos não estarem tentando responder a perguntas científicas que eram impossíveis de serem feitas antigamente?

Para as tradições religiosas mais antigas do mundo, muitas dessas perguntas não fazem sentido. Os textos sagrados escritos há milhares de anos foram baseados em cosmologias radicalmente diferentes da presente na astronomia moderna. Era inconcebível perguntar se existem Terras habitadas em torno de estrelas distantes, quando ninguém imaginava que as estrelas fossem algo como o nosso próprio Sol. Tentar extrair uma resposta científica de uma escritura religiosa tende ao fracasso.

É certo que algumas tradições terão mais facilidade do que outras em absorver a notícia de que não estamos sozinhos no universo. Numerosas escolas de budismo e hinduísmo postulam incontáveis ​​reinos celestes, povoados por seres mais espiritualmente avançados ou menos espiritualmente avançados que os humanos. Notícias de vizinhos extraterrestres seriam bem-vindas e facilmente assimiladas.

No cristianismo, duas denominações importantes surgiram recentemente o suficiente para serem informadas por observações astronômicas do século 19 de planetas em nosso próprio sistema solar. O fundador dos Adventistas do Sétimo Dia teve visões de extraterrestres, e as escrituras dos Santos dos Últimos Dias, A Pérola de Grande Valor, afirma a existência de outros mundos habitados além da Terra. Nessas tradições, supõe-se que os alienígenas existam, então nenhuma adaptação será necessária.

A questão mais interessante é se a descoberta da vida além da Terra criará uma abertura para o diálogo com uma espécie que evoluiu de maneira independente em outro mundo. Em caso afirmativo, quais indivíduos ou grupos iniciarão uma empreitada que não será concretizada durante a vida humana? Dadas as distâncias entre as estrelas, uma troca interestelar alternada pode levar séculos ou milênios.

Aqui na Terra, as religiões estão entre as organizações sociais de maior sucesso a operar em prazos tão longos. O conhecimento de que um exoplaneta distante é habitado será o ímpeto para o lançamento de um diálogo inter-religioso multigeracional e inter-espécies?

“O fundador dos Adventistas do Sétimo Dia teve visões de extraterrestres, e as escrituras dos Santos dos Últimos Dias, A Pérola de Grande Valor, afirma a existência de outros mundos habitados além da Terra.”

Liz Wilson

Professora de Religião Comparadada Universidade de Ohio de Miami

Budismo, com certeza. Nenhuma outra religião oferece uma representação tão vívida de como é a vida em planetas distantes dos nossos. Nos textos budistas, aprendemos como é, fenomenologicamente, estar em outro planeta. Aprendemos como seria viver em mundos habitados por seres sencientes, mundos imbuídos de qualidades sagradas.

Dentro do budismo mahayana, o estado de Buda pode assumir várias formas. Seus filósofos distinguem entre o corpo inefável do Buda — o eterno dharma-kāya (“corpo da verdade”) — e corpos, como o nosso, sujeitos a decadência. Entre esses dois corpos estão os corpos celestes do Buda que estão associados ao espaço exterior, a universos fora do nosso. Esses “corpos de prazer” (saṃbhoga-kāya) são construídos com base nos votos que os budas fizeram muito antes de se tornarem budas.

Os corpos de prazer são compostos de energia sutil e não morrem como corpos comuns na Terra. Os reinos em que esses corpos de prazer presidem são chamados campos de Buda (Buddha-kṣetra), e diz-se que são incontáveis ​​em número.

Assim como todo ser é potencialmente um Buda, todos os Budas se lançam como seres volitivos que fazem votos para serem benéficos a seres sencientes. Esses votos assumem a forma de mundos no espaço sideral, onde um ser pode nascer. Os campos de Buda são projetados para ajudar até os seres mais tolos e obstinados a ver a realidade como ela realmente é. O melhor dos muitos campos de Buda que existem são descritos como paraísos puros, sem dor, repletos de calma e compaixão.

Terras puras são lugares ideais para alcançar o nirvana, já que a vida lá é ideal para aumentar as oportunidades de consciência. Para praticantes budistas iniciantes, o objetivo é conseguir o nascimento em um campo puro de Buda após a morte. Para praticantes avançados, o objetivo é criar o seu próprio.

Como cada campo de Buda é feito sob medida de acordo com o voto que se faz como um Buda em formação, é bom olhar em volta para o que outros Budas criaram com seus votos. Antes de criar o plano para o seu próprio futuro campo de Buda, você deve viajar em transes meditativos, olhar para outros mundos e observar as opções.

O budismo mahayana oferece uma cosmologia extraordinariamente rica. Para esses budistas, a vida no espaço sideral é um artigo de fé e uma prática essencial.

“Nos textos budistas, aprendemos como é fenomenologicamente estar em outro planeta. Aprendemos como seria viver em mundos habitados por seres sencientes, mundos imbuídos de qualidades sagradas.”

Chris Taylor

Professor de estudos islâmicos e diretor do Centro de Religião, Cultura e Conflitos da Universidade Drew (CRCC) na Universidade Drew

A maioria das religiões historicamente é bastante focada neste planeta, e muitas o conceberam como o centro do universo — se não literalmente, pelo menos efetivamente — então essa não é uma questão que as pessoas gastaram muito tempo escrevendo sobre, embora eu tenha certeza de que as pessoas se perguntam a respeito.

Como a maioria das religiões é complexa, não é possível perguntar qual é a mais “amigável” para uma ideia como a vida extraterrestre. Encontramos pensadores em várias tradições cujo pensamento pode não ter abordado especificamente essa questão, mas suspeitamos que eles teriam tido poucos problemas em aceitar a possibilidade de vida extraterrestre.

Na tradição islâmica, por exemplo, o grande filósofo místico do século 12 e 13 Ibn al-‘Arabi provavelmente ficaria muito à vontade com a teoria contemporânea em cosmologia física de que nosso próprio universo pode muito bem ser apenas um dos múltiplos universos, provavelmente ocupando múltiplos e diferentes dimensões de tempo e espaço.E já que você consegue aceitar algo tão estranho quanto isso, imaginar vida extraterrestre deve ser fácil.

A maioria das religiões tradicionais entenderam que o cosmos real é maior que o universo físico que experimentamos, e o cosmos real consiste em dimensões que transcendem o mundo físico. De fato, essas dimensões eram de maior interesse para eles do que nosso cosmos físico, porque a realidade suprema, de qualquer forma que a entendessem, existia em última instância nessas outras dimensões e transcendia necessariamente nosso próprio cosmo físico, porque para eles a realidade suprema era definida por qualidades que são impossíveis no contexto do nosso cosmos físico: (1) deve ser eterno; e (2) deve ser imutável.

Eles entenderam que tudo nesse cosmos não pode atender a nenhum dos critérios pelos quais eles definem define a realidade última. Assim, para muitas religiões tradicionais, a realidade suprema, por mais definida que seja, pode, em certo sentido, ser encontrada neste cosmos, mas não necessariamente pertence a esse cosmos. Quando você pensa sobre isso por um momento, é muito mais surpreendente do que a possibilidade de outra vida neste cosmos.

Assim, desconfio que as religiões tradicionais tipicamente tinham muito mais humildade do que a maioria das pessoas seculares do século 21 sobre o que é possível em última instância – tanto neste cosmos quanto além dele.

“Encontramos pensadores em várias tradições cujo pensamento pode não ter abordado especificamente essa questão, mas suspeitamos que eles teriam tido poucos problemas em aceitar a possibilidade de vida extraterrestre.”

Christian Weidemann

Conferencista, Teologia Protestante, Universidade de Muenster; artigos recentes incluem ‘Jesus morreu pelos klingons também?’ e ‘A origem da vida é um acaso? Por que a hipótese da chance não deve ser descartada tão rapidamente’

Todas as principais religiões da Terra poderiam facilmente acomodar a descoberta de vida alienígena (inteligente), com uma exceção: o cristianismo.

Os cristãos sustentam que as pessoas que cometeram erros morais precisam desesperadamente de salvação divina. A boa notícia é que, por graça, Deus salvará muitos (de acordo com o universalismo, todos) pecadores humanos. Os cristãos também acreditam que Jesus Cristo desempenha um papel essencial na obra terrestre de salvação de Deus: Jesus era uma encarnação divina cuja expiação (sofrimento, ensino, bom exemplo…) acabaria reconciliando muitos (ou todos) pecadores humanos com Deus.

Agora imagine que o universo está repleto de outras civilizações inteligentes. O que um crente cristão deveria dizer? Afirmar que Cristo morreu apenas por nós, enquanto o resto do universo está ferrado, seria incompatível com o amor de Deus.

Se, no entanto, Jesus terrestre morresse por todo o universo, incluindo inúmeros pecadores extraterrestres, teríamos de aceitar um geocentrismo ainda mais absurdo do que a variante espacial.

Também não há uma saída sugerindo que outras espécies inteligentes podem não ser “caídas”. Essa proposta equivale a um excepcionalismo humano negativo que é totalmente inacreditável, dado que as espécies exóticas estão sujeitas aos mesmos mecanismos evolutivos gerais que nós. A seleção natural favorece traços “egoístas”.

E as múltiplas encarnações? Aqui outra dificuldade da doutrina cristã tradicional entra em jogo: Cristo tem duas naturezas — ele é “verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem”. Mas como os membros de espécies biológicas completamente diferentes (“verdadeiramente homem” e “verdadeiramente Klingon”, digamos) devem permanecer em um relacionamento de identidade pessoal?

Pior ainda, se o número de espécies pecaminosas no universo exceder um certo limiar, Deus seria forçado a encarnar simultaneamente. No entanto, nenhuma pessoa que é um ser corporificado com natureza finita, isto é, um organismo biológico “verdadeiramente”, pode ser mais do que um ser ao mesmo tempo. Se, por outro lado, as encarnações não fossem pessoalmente idênticas, resultariam muitas pessoas diferentes com uma natureza divina — muitas mesmo para um cristão.

Finalmente: os pecadores extraterrestres podem ter sido reconciliados com Deus por meios diferentes de uma encarnação divina? Talvez, mas mesmo que o crente cristão admita meios alternativos de salvação, ele está preso à alegação geocêntrica altamente implausível de que a encarnação, ou seja, um dos eventos mais notáveis ​​da história do cosmos, acontece há apenas 2000 anos em nosso planeta, embora inúmeros de outros planetas habitados também estavam disponíveis.

Portanto, concluo, o crente cristão tradicional não pode fazer sentido teológico da vida inteligente extraterrestre.

“Aqui outra dificuldade da doutrina cristã tradicional entra em jogo: Cristo tem duas naturezas — ele é ‘verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem’. Mas como os membros de espécies biológicas completamente diferentes (‘verdadeiramente homem’ e ‘verdadeiramente Klingon’, digamos) devem permanecer em um relacionamento de identidade pessoal?”

Kelly Eileen Hayes

Professora Associada de Estudos Religiosos, Universidade de Indiana

Embora possa parecer a trama de um romance de ficção científica, a ideia de que seres benevolentes e altamente avançados de outros planetas estão secretamente facilitando a evolução humana é comum a várias religiões.

Membros da religião brasileira chamada Vale do Amanhecer, por exemplo, afirmam ser os descendentes espirituais de uma raça de seres da estrela distante Capella, enviados por Deus para impulsionar a evolução da Terra. De acordo com os ensinamentos do Vale, as pirâmides elaboradas construídas por vários povos antigos eram na verdade estruturas tecnologicamente sofisticadas para manter as comunicações com Capella.

No continente norte-americano, uma ideia relacionada é central para Unarius, cuja líder carismática Ruth Norman, também conhecida como Arcanjo Uriel, afirmou estar em contato com os “Irmãos Espaciais” — inteligências altamente evoluídas que habitam outras galáxias. Uriel prometeu a seus seguidores que os Irmãos Espaciais aterrissariam na Terra em suas enormes naves estelares para inaugurar uma nova era de paz e unidade, mas somente quando os seres humanos estiverem prontos para entender sua mensagem.

Seja expresso na ficção científica ou na mitologia religiosa, nosso fascínio pela possibilidade de seres extraterrestres é venerável. Muito antes de desenvolvermos a tecnologia para explorar o universo fora da atmosfera da Terra, pensadores do Iluminismo como Kant e Swedenborg e grupos organizados de espíritas e teosofistas admitiram a existência de formas de vida avançadas em outros planetas. E, portanto, a resposta para a questão de qual religião é mais amigável com a ideia de vida existente em outros planetas é: muitas!

“Membros da religião brasileira chamada Vale do Amanhecer, por exemplo, afirmam ser os descendentes espirituais de uma raça de seres da estrela distante Capella, enviados por Deus para impulsionar a evolução da Terra.”

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