O Jogo da Imitação é uma boa biografia de Alan Turing, mas foi feito para ser isca de Oscar

A biografia de Turing, adaptada para o cinema, depende do brilho de Benedict Cumberbatch

Alan Turing foi um cientista, matemático, lógico, criptógrafo, filósofo, biólogo matemático, corredor de maratona e um dos pais da computação. Sua biografia, chamada de Alan Turing: O Enigma, foi publicada em 1983, reeditada algumas vezes e finalmente, em 2014, adaptada para o cinema.

Biografias costumam ser livros fáceis de adaptar para o cinema: a ação é cronológica, o arco de transformação do protagonista é claro e bem definido e, normalmente, um personagem que teve sua história escrita é naturalmente um indivíduo interessante. O problema é que figuras como Turing são seres multifacetados, homens cuja existência se espalha para mais âmbitos do que um filme consegue captar. Um livro pode dar conta dos diversos lados de uma figura, mas um filme de duas horas dificilmente tem a mesma capacidade.

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O Jogo da Imitação sofre desse mal: não consegue se decidir se quer apresentar o Alan Turing gênio, o Alan Turing problemático ou o Alan Turing homossexual. A única coisa que o filme definitivamente sabe é que quer te fazer chorar.

O longa começa de forma excelente, com uma sequência de planos-detalhe acompanhada de uma trilha sonora um pouco óbvia, mas eficiente, e estabelece a tensão que deve ser o fio condutor da história.

Turing é arrogante e quase incapaz de conviver socialmente. Contudo, graças a bons diálogos e a uma atuação extraordinária de Benedict Cumberbatch, ele ganha o público nos primeiros dez minutos de filme. Isso é importante: O Jogo da Imitação só funciona se você realmente torcer pelo personagem principal.

O maior tema do filme não é realmente a vida de Alan Turing, mas o lugar do gênio, a possibilidade de que um ser humano seja extraordinário. A ideia romântica do gênio permeia toda a narrativa: Turing sofre de TOCs, é anárquico, antissocial, arrogante, quase insuportável. Mas acima de tudo isso, ele é capaz de mudar o mundo apenas com sua inteligência. O Jogo da Imitação começa como um thriller, um filme sobre uma equipe de especialistas tentando decifrar o enigma mais difícil do mundo, mas muda de foco e torna-se uma história sobre um ser humano extraordinário esmagado pela mediocridade do mundo.

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O problema é que o diretor, Morten Tyldum (de Headhunter, excelente filme de ação escandinavo), é um cineasta de gênero, alguém que domina a ação e certos desenvolvimentos de narrativa que requerem um personagem sem tanta vida interior. Na tentativa de compor um panorama complexo da personalidade do protagonista o filme desliza por dois motivos: os momentos emocionais são forçados e vazios e a estrutura do filme é confusa.

O longa se passa em três momentos diferentes: o trabalho de Alan Turing durante a guerra, entre 1939 e 1945, seus tempos de escola em 1929 e sua acusação e sentença pelo que na época era considerado crime de sodomia em 1951. É preciso estar muito atento, e conhecer de antemão o destino trágico do personagem, para acompanhar de forma precisa todos os saltos e entender exatamente o que está acontecendo.

Além disso, as cenas em 1929 são dispensáveis: a homossexualidade do personagem poderia simplesmente ser dada como um fato, sem a necessidade de uma reconstrução histórica e uma explicação pseudo-psicológica para isso. A perseguição policial é interessante e poderia ser muito bem utilizada, se as passagens de tempo fossem mais bem marcadas.

No final, Tyldum tenta estabelecer Turing como um personagem trágico: amaldiçoado por sua inteligência, que o afasta das pessoas comuns, ele está fadado a grandes feitos dentro de uma existência terrivelmente solitária. A dicotomia é interessante e acrescenta numa nova camada de significados ao título: o jogo da imitação é também a existência diária de Turing, imitando angustiadamente os seres humanos “normais”. O problema é que o filme teria um efeito mais satisfatório se não tratasse a questão – que já é ruim o suficiente, com tintas tão dramáticas.

O Jogo da Imitação parece cumprir a cota anual de filmes britânicos no Oscar: morno, mas bem feito, com uma história forte que acaba se diluindo em sua necessidade de adequar-se ao que se espera desse tipo de filme. Dramas sentimentais ganham muito mais Oscars do que thrillers sobre os princípios da inteligência artificial. Entretanto, apesar de seus problemas, o filme nunca chega a ser ruim: é falho, mas interessante, talvez porque seu protagonista seja uma figura forte demais, atraente demais, para que sua história perca totalmente o interesse.


Isadora Sinay estudou cinema e fez mestrado na filosofia sobre Bergman. Escreve sobre artes, literatura, cinema, viagens e a própria vida em lugares variados da internet.

 

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