Por que o Sudeste Asiático está coberto de fumaça?

Uma névoa seca cobre o sudeste da Ásia há 20 anos. Apesar da crescente preocupação com a saúde, o problema continua tão turvo quando a própria fumaça.

Uma névoa seca vem cobrindo o sudeste da Ásia, periodicamente, há 20 anos. Nessa reportagem, Mike Ives revela que, apesar da crescente preocupação com a saúde pública, o problema continua tão turvo quando a própria fumaça.

Aos 13 anos, Tan Yi Han não conseguia ver o fim do pátio da sua escola. O ano era 1998; o lugar, Singapura, a rica cidade-estado conhecida por suas ruas organizadas e horizonte limpo e verde. Mas durante a maior parte do ano letivo, o céu era tomado por nuvens de fumaça. A maior dessas ondas de poluição, que começou em 1997 e durou alguns meses, aumentou em 30% as visitas hospitalares. Essa temporada seria, no futuro, lembrada como um dos piores “episódios de névoa seca”.

Desde então, o Sudeste Asiático sofre com essa névoa quase que anualmente. Nos anos seguintes, Tan não pensou muito sobre esses episódios. Mas em algum ponto da sua idade adulta, ele se viu cheio de dúvidas: de onde vinha essa névoa? E por que ela sempre voltava?

Poluição

A poluição do ar mata cerca de sete milhões de pessoas a cada ano, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), contabilizando uma entre cada oito mortes mundiais em 2012. As maiores causas de morte são infarto e doenças coronárias, seguidas pela doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), câncer de pulmão e infecções respiratórias em crianças.

A poluição afeta principalmente a região da Ásia-Pacífico, que tem uma população de mais de 4.2 bilhões e uma alta densidade populacional. A China e a Índia possuem, juntas, uma população de cerca de 2,7 bilhões — e são tanto culpadas quanto vítimas da poluição do ar.

Em 2010, 40% das mortes prematuras causadas pela poluição do ar aconteceram na China, o maior emissor de dióxido de carbono do mundo, de acordo com um estudo publicado na revista científica Lancet. A Faculdade de Saúde Pública da Universidade de Hong Kong anunciou mais de 3.000 mortes prematuras na cidade em 2013, e a situação é muito pior em várias cidades continentais da China. Uma pesquisa do Centro de Pesquisa US Pew revelou que, em 2013, 47% dos cidadãos chineses consideravam a poluição do ar um problema “muito grave” (comparado a apenas 31% em 2008). Hoje, a poluição é o foco de vários grupos ambientalistas chineses, assim como uma grande fonte de preocupação para o governo do país.

A mesma inquietude cresce na Índia, onde a poluição do ar é a a quinta maior causa de mortes. Entre 2000 e 2010, o número de mortes prematuras ligadas à poluição do ar no país aumentou seis vezes, chegando a 620.000, de acordo com o Centro de Ciência e Meio-Ambiente, um grupo de pesquisa de utilidade pública de Nova Délhi. Em maio de 2014, a OMS afirmou que Nova Délhi tem a pior qualidade de ar entre as 1.600 cidades avaliadas, e que a crescente poluição havia aumentado o risco de derrames, câncer e doenças coronárias. Outro estudo de 2014 ligou a queda significativa da produção de trigo e arroz aos crescentes níveis de dois poluentes — o carbono negro gerado pelos fogões tradicionais e o ozônio emitido por veículos, conglomerados industriais e solventes químicos — tudo isso entre 1980 e 2010.

Tanto na China quanto na Índia, a poluição do ar está ligada ao intenso êxodo urbano das últimas décadas. Esse fluxo aumentou as emissões originadas em veículos e fábricas, especialmente em usinas de energia movidas à carvão; outro fator é a classe média emergente, fascinada por uma série de bens de consumo que são comuns na Europa e nos Estados Unidos.

O Sudeste Asiático enfrentou problemas similares nas últimas décadas, época em que sua economia e população cresceram desenfreadamente. De acordo com a OMS, quase um milhão das 3,7 milhões de pessoas que morreram devido à complicações ligadas à poluição do ar em 2012 viviam no Sudeste Asiático. Mas além das chaminés e escapamentos, a região ainda enfrenta outro problema: a fumaça produzida na Indonésia, cortesia de uma indústria de óleo de palma avaliada em US$ 50 bilhões.

Onde há fumaça

No verão de 2013, Tan Yi Han sobrevoou o Estreito de Malaca até Pekanbaru, capital da província de Riau, a maior região produtora de palma da Indonésia. Tan, que na época era um consultor financeiro de 28 anos, estava trabalhando como voluntário para o Centro do Meio-Ambiente Global, um grupo malaio que se esforça para prevenir e diminuir a temida névoa. Ele viajou até o coração da Indonésia logo após uma onda de poluição atingir a parte peninsular da Malásia.

Durante um passeio por Riau, Tan viu infinitos hectares de campos queimados. As queimadas transformaram a turfa pantanosa, a vegetação natural da área, em campos devastados, com um solo semelhante a carvão. Os produtores usam o fogo para limpar terrenos que serão cultivados, em sua maioria, com plantações de palma. Mas em algumas vilas, o fogo chegou a destruir plantações que pertenciam à multinacionais ou produtores locais.

Tan teve um encontro inesquecível na vila de Rantau Bais. Um casal o recebeu com chá e tira-gostos, e em seguida perguntaram, timidamente, se ele teria alguma comida para compartilhar. A filha deles havia desenvolvido um problema respiratório em decorrência da fumaça. A conta médica, associada ao fogo que destruiu sua plantação de palmas, deixou a família faminta e sem dinheiro.

Até aquele momento, Tan pensava que essas queimadas eram apenas “incêndios florestais”, como elas são constantemente chamadas pela mídia. Mas lá estava um lembrete visceral de que as queimadas afetavam a terra e as pessoas que dela viviam. “Aquilo me tocou”, disse Tan. “Eu prometi a mim mesmo que eu faria o possível para impedir que eles sofressem com essas queimadas de novo.”

Ele percebeu que aquele problema exigia atenção pública — e, quando o momento chegasse, alguma ação condizente. “Eu preciso trazer mais pessoas para a causa”, ele pensou, “e criar um movimento.”

Queimadas

Toda fumaça parece igual, mas cada emissão poluente é única. A chaminé de uma fábrica de Pequim emite uma mistura de substâncias químicas diferente da fumaça emitida pelo tubo de escape de um automóvel de Nova Délhi. A quantidade de poluição de uma determinada cidade depende do controle cuidadoso de suas emissões, e a facilidade com que ela é dispersada.

As emissões de veículos e fábricas são estudadas há décadas nos países ricos, mas a névoa seca, e seu subsequente impacto na saúde humana, ainda não recebe a mesma atenção. “Poucas pessoas estudam esse fenômeno, mesmo ele sendo tão importante”, disse Mikinori Kuwata, um químico atmosférico da Universidade de Tecnologia de Nanyang, na Singapura.

Diferente dos gases emitidos por fábricas e veículos, a fumaça das queimadas não passa por filtros, catalisadores ou outros equipamentos de controle de poluição. A composição da fumaça também varia de acordo com o tipo de material queimado. A turfa, por exemplo, costuma queimar mais lentamente do que vegetações mais secas — assim como um pedaço úmido de lenha demora mais para queimar dentro de uma fogueira. De acordo com a Agência de Proteção Ambiental dos EUA, a turfa queima a baixas temperaturas e produz uma fumaça mais nociva, e em maiores quantidades, do que um incêndio florestal.

As emissões de uma queimada dependem da composição da turfa, da temperatura do fogo e do efeito do seu efeito no solo. Mas esses detalhes ainda não são disponibilizados pela Indonésia, cuja turfa cobre uma área do tamanho do Reino Unido. Por causa disso, disse Kuwata, “nós não temos um levantamento confiável” sobre as queimadas no país. Kuwata queima amostras da turfa indonésia em seu laboratório, na Singapura, para estudar suas propriedades químicas; no entanto, seu estudo é limitado, pois ele nunca tem certeza se suas experiências retratam a realidade.

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A Indonésia tem um enorme repositório de turfa tropical — e, nas últimas décadas, enormes áreas dessa vegetação têm sido queimadas para o cultivo da palma. A fumaça da queima da turfa representa cerca de 40% das emissões de gases do efeito estufa da Indonésia. A palma é a matéria-prima de uma série de produtos, de batons a sorvetes. No entanto, a rica palma colocou seu principal produtor na posição de terceiro maior emissor de gases do efeito estufa — atrás apenas da China e dos EUA — e também lhe deu uma posição de honra entre os maiores produtores de névoa seca.

Quem é responsável?

Durante uma tarde de verão, o céu de Riau, a região indonésia que produz um quarto de toda a palma do país, estava branco como a neve. Minha primeira parada foi na sede da WALHI, uma ONG de Pekanbaru que pressiona o governo indonésio, cobrando providências para o controle da emissão de fumaça e a solução de outros problemas ambientais.

Eu cheguei à sede da WALHI, um pequeno prédio residencial próximo ao aeroporto de Pekanbaru, no momento em que um grupo de fazendeiros e ambientalistas discutiam a névoa enquanto bebiam café e fumavam com Sri Nurhayati Qodriyatun, uma pesquisadora subordinada ao secretário-geral do parlamento indonésio.

Qodriyatun disse que seu chefe a enviou à Riau para que ela escrevesse um relatório sobre a névoa. Durante a conversa, ela explicou que, de acordo com os dados do governo, as queimadas não aconteciam nas áreas pertencentes à latifundiários.

O grupo protestou.

“Os dados oficiais são falsos!” gritou um ativista de uma ONG local, a Rede de Recuperação de Florestas de Riau. “E não existe diálogo entre os ministros — eles só jogam a culpa uns nos outros!”

A discussão foi um exemplo do longuíssimo debate que domina o Sudeste Asiático. A questão é: quem, exatamente, é responsável por queimar a turfa da Indonésia? Fazendeiros e grupos ambientalistas acusam as empresas, muitas das quais sediadas em Singapura ou na Malásia, de cometerem atos ilegais. Ao mesmo tempo, muitas empresas dizem que essas críticas são descabidas. Segundo elas, suas práticas de limpeza de terreno foram completamente renovadas graças à iniciativas lideradas pela Organização da Palma Sustentável, uma associação financiada pela indústria.

Independente do culpado, disse Qodriyatun, as queimadas estão ferindo a imagem da Indonésia, e o governo do país não está preocupado com os problemas de saúde registrados em Riau e outras regiões.

“Na minha opinião, o governo não está lidando com isso de forma correta”, ela me disse depois da reunião. “Eles costumam fazer algo depois das queimadas, mas eles deveriam focar na prevenção.”

As queimadas na turfa, no entanto, são notoriamente difíceis de prever e controlar. Elas começam e se espalham rapidamente, muitas vezes de forma incontrolável, dependendo de fatores como a velocidade do vento, a profundidade do solo e a taxa de umidade do ar.

“É muito difícil saber o que uma queimada vai destruir”, disse Dedy Tarsedi, um fazendeiro do vilarejo de Bungaraya. Nós estávamos sentados em um café de beira de estrada, cercados por palmeiras por todos os lados. Tarsedi me contou que a palma é a cultura mais cultivada pelos fazendeiros de Bungaraya; seu óleo vale mais do que o arroz. Um hectare de plantação de palmas rende cerca de 48 milhões de rúpias indonésias (quase US$4.000) por ano. O cultivo de arroz com casca rende cerca de 40 milhões de rúpias.

Mas conforme o cultivo da palma se popularizava pela vila, crescia também o número de queimadas. E elas afetam tanto os grandes produtores quanto os pequenos fazendeiros.

“Quando não conseguimos controlar uma queimada, nós chamamos as autoridades”, disse Maman, um fazendeiro de Bungaraya. Mas às vezes, nem os helicópteros conseguem apagar o fogo. “E durante as queimadas mais graves, várias crianças têm crises de tosse e vão para o hospital.”

Em 2009, a Indonésia aprovou uma lei banindo as queimadas na turfa. Os fazendeiros de Bungaraya me disseram que, por causa disso, eles começaram a limpar os campos de turfa manualmente, sem fogo. Mas Tarsedi disse que a limpeza manual é mais trabalhosa e exige o uso de fertilizantes. E isso, segundo ele, requer mais tempo e dinheiro do que os fazendeiros estão dispostos a gastar.

Efeitos da fumaça

Quando o vento sopra do oeste, a fumaça viaja para o leste, atravessando o Estreito de Malaca e chegando à Singapura e a Kuala Lumpur (a capital da Malásia) — e afetando cerca de sete milhões de pessoas no caminho. O Sudeste da Ásia não é o único lugar castigado por queimadas em grandes áreas; a maior parte das queimadas do mundo ocorrem na África e na América do Sul. Mas o que torna as queimadas do Sudeste Asiático tão únicas, segundo Miriam Marlier, uma pesquisadora da Universidade de Columbia, é o fato de elas acontecerem tão perto dos grandes centros urbanos.

Não existem estudos sobre os efeitos da exposição prolongado à fumaça da turfa no corpo humano, muito menos sobre diferença entre as propriedades químicas dessa fumaça e de outras. Ainda assim, algumas pesquisas emergentes jogam alguma luz sobre o tema.

Pesquisadores americanos descobriram que a queima da turfa nos estados sulistas, no verão de 2008, causou um aumento no número de pacientes tratados por insuficiência cardíaca e complicações respiratórias decorrentes da asma. Em um segundo estudo, publicado em junho de 2014, eles queimaram pedaços de turfa semi-carbonizada para testar o efeito da fumaça em ratos. As subsequentes doenças pulmonares observadas nos animais estavam ligadas às partículas mais pesadas da fumaça; já os problemas cardíacos estavam ligados às partículas mais finas.

Uma das principais preocupações é que as queimadas nessa vegetação tendem a gerar maiores quantidades de partículas finas, conhecidas como PM2.5, do que as queimadas comuns. Isso é preocupante, pois as partículas mais finas supostamente penetram com mais facilidade na corrente sanguínea do que as partículas mais grossas, oferecendo um risco muito maior para o coração e outros órgãos internos. Além disso, as partículas mais finas ultrapassam as máscaras cirúrgicas que a população asiática adotou como medida de segurança contra a poluição do ar.

Um estudo de 2012, publicado na revista científica Environmental Health Perspectives, estimou que cerca de 339.000 mortes entre 1997 e 2006 estavam associadas às queimadas. Cerca de quatro em cada cinco mortes estavam ligadas à exposição crônica, e não esporádica, à essa fumaça. Nos anos marcados pelo fenômeno El Niño, que está geralmente ligado à temporada de seca na Ásia, a África Subsaariana e o Sudeste Asiático registraram 157.000 e 110.000 mortes, respectivamente, assim como um aumento na taxa de mortalidade. “Reduzir a exposição da população às emissões das queimadas é um esforço valioso, e que provavelmente melhorará a saúde pública de forma imediata e considerável”, concluíram os pesquisadores.

Outro estudo, conduzido em 2012 por Miriam Marlier e outros cientistas de instituições dos EUA e do Reino Unido, revelou que entre 1% a 11% da população do Sudeste Asiático era constantemente exposta à níveis de poluição acima do recomendado pela OMS durante os episódios de névoa seca entre 1997 e 2006. Os pesquisadores também afirmaram que a alta exposição durante os anos afetados pelo El Niño causou cerca de 15.0000 mortes ligadas à doenças cardiovasculares. Cerca de dois terços dessas mortes estavam ligadas às partículas PM2.5, enquanto a outra parte está ligada ao nível de ozônio. No entanto, não havia evidências suficientes para determinar a diferença entre a toxicidade das PM2.5 liberadas em queimadas na turfa e a emissão de PM2.5 nas cidades americanas.

Alguns cientistas sugerem que, a longo prazo, os efeitos dessa fumaça se tornam semelhantes aos efeitos decorrentes da poluição urbana, que também inclui partículas PM2.5. Não existem muitas pesquisas que testam essa teoria; por isso, essa questão continua uma incógnita.

Rajasekhar Balasubramanian, um engenheiro ambiental que estuda a névoa seca na Universidade da Singapura, especula que a exposição prolongada à episódios da névoa pode piorar a saúde geral da população, mesmo que as pessoas continuem a viver por muitos anos. Em um estudo de 2013, ele e seus colegas descobriram que o ar de Singapura durante um episódio de névoa seca continha arsênico, crômio, cádmio e outros elementos cancerígenos. Eles estimam que, em níveis de poluição comuns, cerca de 12 pessoas a cada milhão desenvolverão algum tipo de câncer; no entanto, se o país ficasse coberto pela névoa por 10 dias todo ano, o número de casos de câncer poderia dobrar.

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Ainda assim, não existe nenhuma iniciativa internacional que busque analisar essa névoa de forma interdisciplinar. A justificativa é a natureza esporádica e imprevisível da névoa: graças ao clima altamente variável do Sudeste Asiático, é impossível prever quando a névoa irá surgir, ou para onde ela se espalhará. Ele compara uma partícula dessa fumaça a um gafanhoto que pula no ar, se joga com toda força para frente e volta rapidamente para a terra — para em seguida saltar de novo.

Outro problema, afirma Balasubramanian, é que o grande público ainda não vê a névoa como uma ameaça à saúde. “As pessoas pensam nela como, ‘ah, é só um problema da Indonésia”, disse o pesquisador em seu escritório na Universidade Nacional de Singapura. Para os governos e as empresas, “a prioridade é mitigar: mitigar a exposição humana à essa névoa ao invés de estudar o problema em si.”

O que fazer?

A missão de diminuir a poluição está cercada de problemas políticos. Os países do Sudeste Asiático tem pouco controle sobre o que atravessa suas fronteiras: diferente da União Europeia, a Associação das Nações do Sudeste Asiáticos (ASEAN) não tem autoridade para forçar seus membros a agir contra seus próprios interesses.

Um exemplo é o acordo assinado pela ASEAN em 2002: um acordo não-vinculativo no qual os dez países do grupo se comprometiam a prevenir e monitorar as queimadas na turfa. O acordo incentivava o intercâmbio tecnológico e outras medidas para melhorar o diálogo regional e a cooperação entre as dez nações. O acordo foi alardeado como um sucesso triunfal, mas até setembro de 2014, o parlamento da Indonésia se recusava a ratificá-lo. Laode M. Syarif, um advogado ambiental que atua em Jacarta, capital da Indonésia, afirma que a demora tem uma explicação política: a Indonésia tentou usar o acordo para forçar Singapura a extraditar cidadãos indonésios foragidos no país.

A ASEAN tende a ver o desenvolvimento econômico, a soberania nacional e a não-interferência mútua como suas maiores prioridades, diz Helena Varkkey, uma palestrante do Departamento de Estudos Estratégicos e Internacionais da Universidade da Malásia. Na sua opinião, a ASEAN assumiu uma posição moderada na luta contra as queimadas por pressão das empresas produtoras de palma, muitas das quais situadas em Singapura ou na Malásia.

Seguindo essa lógica, outros analistas também afirmam que as concessões de terrenos na Indonésia — áreas reservadas para grandes plantações — estão profundamente ligadas à corrupção. Uma piada famosa diz que, se os mapas de concessão da Indonésia representassem o território nacional, o país seria muito maior do que é de fato. Mas as empresas e os membros do governo se recusam a abrir esses mapas ao público. “É uma bagunça”, disse Andika Putraditama, uma analista no escritório de Jacarta do Instituto de Recursos Mundiais, uma instituição de pesquisa com sede em Washington, DC. Isso também explica o fogo na turfa.

É dentro desse cenário que Tan Yi Han, o consultor financeiro de Singapura e ativista autodidata, está tentando incentivar a discussão sobre a névoa. No começo de 2014, ele criou uma organização chamada Movimento do Povo Contra a Névoa, ou MP Névoa, para fomentar esse debate.

“Eu sinto que precisamos de mais influência”, disse Tan em uma reunião da MP Névoa realizada num domingo à noite. A reunião só contava com outro participante: Putera Zenata, um professor indonésio que se juntou ao grupo após ler sobre o projeto de Tan na internet. O local de encontro era o apartamento modesto de Zenata em um bairro de classe média de Singapura.

Em junho de 2014, um dos jornais da cidade natal de Tan, o Independent, o descreveu como o “intrépido guerreiro anti-névoa de Singapura”. Mas a MP Névoa, com seus 10 membros ativos e nenhum patrocinador, está muito distante dos grandes grupos ambientalistas que lutam contra a poluição na Ásia. Em Nova Délhi, o Centro pela Ciência e Meio-Ambiente propôs estratégias específicas para o governo acabar com a poluição—uma delas é punir rigorosamente os autores de queimadas. E em Pequim, o Instituto de Assuntos Ambientais está promovendo um app de monitoramento de poluição, uma forma de pressionar ainda mais as empresas.

Tan admite que possui pouca experiência com o terceiro setor. Ele também me disse que não planeja pressionar o governo ou as empresas — pelo menos não por enquanto. No momento, ele disse, a MP Névoa está simplesmente tentando compreender o problema em toda sua complexidade, para então comunicar essas descobertas para o público de Singapura. No início de novembro de 2014, o grupo organizou uma exposição informativa sobre a poluição, que atraiu cerca de 800 visitantes. Ao longo prazo, Tan afirma que eles gostariam de filmar um documentário na Indonésia.

“Meu objetivo pessoal é acabar com a névoa até 2023”, acrescentou casualmente.

Isso pode ser um sonho. Mas de acordo com Wilson Ang, Diretor-Assistente de sustentabilidade do Instituto de Assuntos Internacionais da Singapura, a névoa de junho de 2013 deixou a população de Singapura “muito mais envolvida” no assunto. De acordo com a MP Névoa, o episódio inspirou a criação do Time de Ação Anti-Névoa, outra organização não-governamental.

Desde então, ambos grupos visitaram a Indonésia, estabeleceram um diálogo com as empresas de palma e ofereceram um retorno aos funcionários do governo de Singapura. “Esse trabalho é muito apreciado pelo governo”, disse Ang.

Mudanças

A névoa, no entanto, ainda é um problema de saúde público que afeta vários países, em especial os subdesenvolvidos. “Nós criamos várias leis para controlar a emissão desses gases, mas isso não melhorou as condições ambientais”, disse Jacqueline McGlade, Cientista-Chefe do Programa Ambiental das Nações Unidas. Segundo ela, outros desafios incluem usar as informações disponíveis sobre a poluição do ar em pesquisas sobre seu impacto; além disso, é necessário que os próprios países criem e apliquem sua próprias leis anti-poluição.

Mais do que nunca, a poluição do ar tem inspirado mudanças de políticas públicas e intervenções na saúde. Muitos países subdesenvolvidos, lutando contra as consequências ambientais de suas crescentes populações, têm criado leis de poluição cada vez mais rigorosas. Algumas instituições internacionais e agências de desenvolvimento também estão lançando projetos para monitorar ou regular a emissão de partículas.

No Sudeste Asiático, a névoa voltou a dominar o radar político da ASEAN. No começo de julho de 2014, funcionários da província de Riau anunciaram que iriam conduzir uma “auditoria de conformidade ambiental” nas terras de produtores locais e de empresas de agronegócios ligadas à produção da palma. No dia 5 de agosto, o parlamento de Singapura aprovou uma lei que permite que o governo processe empresas domésticas e internacionais em até dois milhões de dólares locais (US$1,5 milhões). E no dia 16 de setembro, o parlamento da Indonésia finalmente ratificou o acordo anti-névoa redigido pela ASEAN em 2002, após 12 anos de resistência.

No mesmo mês, um conselheiro de Joko “Jokowi” Widodo, o presidente recém-eleito na época, disse que a nova administração planeja renovar uma lei de 2009 que proíbe a queima da turfa. Widodo afirmou que planeja agilizar o processo com a criação de um política florestal “única”. “A névoa é causada tanto pelas pessoas quanto pelas empresas”, disse ele ao Straits Times, um jornal de Singapura, no final de agosto. “Se tivermos uma fiscalização rígida, podemos resolver esse problema.”

E qual é a importância dessa mudanças? Durante minhas conversas com vários especialistas de todo o Sudeste Asiático, eu ouvi várias opiniões diferentes. Alguns, como Helena Varkkey, não são muito otimistas, especialmente porque a Indonésia e a ASEAN, até o presente momento, não fizeram muito para resolver esse problema. Elas acrescentaram que nem a nova lei de Singapura, tampouco o acordo anti-névoa, podem ser utilizados nos tribunais indonésios. E caso a mudança climática aumente o número de secas e queimadas ao redor do mundo, como muito cientistas preveem, a incidência de queimadas na turfa também aumentará — o que representa um outro desafio.

Mas outros insistem que as iniciativas dos governos da Indonésia e da Singapura são positivas; segundo eles, esse tipo de iniciativa poderia ressuscitar leis já existentes e melhorar o controle da poluição. A atual movimentação política traz esperança. Todos torcem para que as queimadas anuais não atormentem as futuras gerações do Sudeste Asiático.

“Jokowi afirmou que planeja lutar contra a poluição”, disse Tan Yi Han, o ativista anti-névoa. “São só palavras, mas elas valem mais do que nada.”


Esta matéria foi piblicada originalmente na Mosaic, e está sendo publicada aqui segundo a licença Creative Commons.

Imagens: Len “Doc” Radin, Jonathan Kos-Read e Roy Cheung/Flickr

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