A tartaruga-marinha que engoliu 915 moedas não morreu em vão

Não é todo dia que cirurgiões precisam remover cinco quilos de moedas da barriga de um paciente. É ainda mais impressionante quando o paciente é uma tartaruga-marinha. • Formigas soldados vão ao resgate de seus companheiros feridos • O ataque do escorpião mais mortal do mundo é ainda mais assustador em câmera lenta Foi exatamente isso que […]

Não é todo dia que cirurgiões precisam remover cinco quilos de moedas da barriga de um paciente. É ainda mais impressionante quando o paciente é uma tartaruga-marinha.

• Formigas soldados vão ao resgate de seus companheiros feridos
• O ataque do escorpião mais mortal do mundo é ainda mais assustador em câmera lenta

Foi exatamente isso que aconteceu na Tailândia no mês passado, quando uma tartaruga-verde em cativeiro chamada Omsin, que significa “cofrinho de porco” em tailandês, foi levada para uma cirurgia de emergência. Ela estava se afogando porque as moedas que ela comeu, jogadas na sua lagoa para dar boa sorte, formaram uma bola pesada em seu estômago, quebrando seu casco ventral e causando uma infecção, de acordo com a Associated Press. Embora a cirurgia tenha sido um sucesso — 915 moedas foram retiradas —, o envenenamento sanguíneo causado pelo níquel a matou mais tarde.

Para a Cofrinho de Porco, foi um final de vida trágico para uma infeliz vida em cativeiro. Mas a morte dessa adorada tartaruga-marinha pode não ter sido em vão. Cada procedimento médico de ponta feito em uma tartaruga-marinha é uma experiência de aprendizado para um pequeno porém dedicado grupo de veterinários que tratam esses pacientes incomuns.

A cada ano, existem centenas de exemplos de procedimentos médicos usados para salvar as vidas de tartarugas-marinhas feridas por hélices de barcos, equipamento de pesca ou adoecidas pela poluição. A medicina em tartarugas ainda é um campo recente e, de acordo com Charles Manire, veterinário e diretor de pesquisa e reabilitação do Loggerhead Marinelife Center (LMC) em Juno Beach, Florida, geralmente implica inventar tratamentos conforme você segue em frente.

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Durante tratamentos de nutrição parenteral, pacientes tartaruga são equilibrados em balanços para prevenir dano aos seus órgãos internos e são presas à mesa de tratamento com redes de carros de corrida doadas (usadas). Crédito da foto: Loggerhead Marinelife Center

Existem sete espécies de tartarugas-marinhas vivas hoje em dia, todas elas na lista de espécies ameaçadas de extinção. É difícil saber exatamente quantas tartarugas-marinhas ainda existem, porque elas passam a maioria de suas vidas na água, e os machos geralmente não vêm à costa. Mas nós sabemos que a caça para consumo e venda, a pesca comercial, a poluição marinha, o turismo em praias e os derramamentos de petróleo têm precipitado uma crise para esses animais, com dezenas de milhares de vidas de tartarugas-marinhas perdidas por mãos humanas cada ano.

Nem todos os humanos são responsáveis pelo genocídio de tartarugas marinhas, no entanto, alguns, incluindo os que trabalham em hospitais de tartarugas como o LMC, estão ativamente tentando salvar nossos vizinhos aquáticos. Conforme organizações de base surgiram em comunidades costeiras e foram apoiadas por fundos privados, de universidades e ONGs, os hospitais de tartarugas têm sido responsáveis por educar o público geral, negócios marinhos e usinas elétricas utilizando canais sobre o que fazer quando encontram tartarugas perdidas ou feridas. Eles providenciam linhas de resgate e mandam voluntários treinados para pegar e transportar os pacientes cascudos para facilitar seu tratamento.

Então, é a vez dos veterinários, armados com uma enorme quantidade de antibióticos, analgésicos, sedativos e suplementos nutricionais para descobrir a melhor maneira de tratar os animais doentes ou feridos. É aí que a coisa fica complicada, porque a maioria das drogas à disposição de um médico de tartarugas foi feita para ser usada em humanos.

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Uma tartaruga passa por um procedimento de endoscopia. Crédito da foto: Loggerhead Marinelife Center

“Não existem drogas que são indicadas para uso em tartarugas-marinhas, então muitos tratamentos começam na tentativa e erro”, Manire disse. “Algumas drogas simplesmente não funcionam em tartarugas, e a maioria que funciona precisa de menos doses por causa do lento metabolismo dos répteis.”

A maioria dos procedimentos médicos em tartarugas-marinhas é adaptada da medicina humana e de outros animais e geralmente precisa ser modificada. “Assim como um procedimento é ligeiramente diferente quando aplicado em um gato comparado a um cachorro”, explicou Craig Pelton, veterinário do Marine Science Center (MSC) do Ponce Inlet, na Flórida. “É essencial que o veterinário interpretando os resultados do diagnóstico ou fazendo um procedimento entenda a anatomia, a fisiologia e o comportamento das tartarugas marinhas.”

Por exemplo, um veterinário interessado em checar o estômago de uma tartaruga-marinha para ver se ela engoliu um monte de sacolas plásticas (ou moedas) pode decidir fazer uma endoscopia, na qual uma câmera em um tubo enfiado garganta abaixo, sabendo que seu paciente não tem reflexo de vômito. Outras técnicas são mais desafiadoras e dependem da personalidade do paciente. Boa sorte ao tentar fazer um réptil marinho de 180 quilos ficar calmo para um raio-x.

“Você pode instruir um humano para ele ficar quieto”, Manire disse. “Quando uma paciente tartaruga-marinha precisa de uma ressonância magnética, a tartaruga precisa ser sedada ou receber uma anestesia geral para que não se mova.”

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Um tratamento de nutrição parenteral é administrado na clínica veterinária LAM. Crédito da foto: Loggerhead Marinelife Center

Abaixadores de língua são usados para checar a garganta de uma tartaruga para encontrar danos, ou para separar uma nadadeira quebrada antes de ela ser envolta em uma faixa elástica. Testes de sangue são usados para checar níveis de glicose (que podem ser usados para diagnosticar desnutrição), cirurgias ortopédicas consertam cascos quebrados de golpes de barcos ou predadores, e uma câmera hiperbárica é usada para tratar sepsias. Recentemente, o LMC começou a usar tratamento de laser frio para promover o crescimento de células. O MSC está atualmente levantando fundos para comprar um laser frio próprio. Os dados publicados da eficácia desses procedimentos são limitados. Geralmente, os médicos estão apenas fazendo o que parece funcionar melhor e compartilhando suas descobertas com seus colegas.

Uma das doenças mais mortais que os veterinários de tartarugas-marinhas encontram é a síndrome de debilitação crônica (SDC), ou síndrome da tartaruga debilitada. Tartarugas com SDC sofrem de desnutrição, letargia e fadiga. Sem intervenção, elas não comem e, eventualmente, morrem de fome. Não existe uma causa única para a doença e nenhuma cura conhecida.

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Um paciente tartaruga-marinha na câmera hiperbárica no Ravenwood Animal Hospital. Crédito da foto: Dr. Craig Pelton/Marine Science Center.

Em 2014 e 2015, o LMC foi pioneiro em um tratamento para a desnutrição em tartarugas-marinhas, usando uma mistura especial de nutrientes líquidos aplicados de maneira intravenosa. Pelo fato de as tartarugas serem tão fracas, elas só conseguem ficar fora d’água por pouco tempo (um procedimento similar em humanos leva horas). Então o LMC desenvolveu uma infusão rápida que precisa de apenas uma hora em uma maca de hospital algumas vezes por dia.

Um parasita de intestino mortal encontrado em gatos e cachorros, coccidiasina, também está matando as tartarugas-marinhas. Quando o MSC diagnosticou pela primeira vez tal infecção em uma tartaruga viva nos Estados Unidos, veterinários pesquisaram as drogas que poderiam tratá-la. Uma droga para cavalos sem nenhum uso testado em tartarugas-marinhas pareceu ser o melhor tratamento, de acordo com Pelton.

“O tratamento foi bem sucedido, e a informação foi passada para outros veterinários de tartarugas-marinhas”, ele disse.

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Dr. Pelton e Melissa Ranly fazendo um ultrassom em uma jovem tartaruga-marinha verde para procurar problemas em seu trato digestivo. Crédito da Foto: Jackie Shum/ Marine Science Center.

“Na reabilitação de vida selvagem, nós aprendemos a ser criativos com os recursos, já que temos orçamentos limitados”, disse Melissa Ranly, administradora de reabilitação de tartarugas e especialista ambiental do MSC. “O nosso campo não tem clientes para pagar as contas.”

Talvez não, mas o campo parece ter homens e mulheres dedicados em fazer procedimentos que salvam vidas em uma espécie com a qual não temos um ancestral comum nas últimas centenas de milhões de anos, e essa dedicação não pode ser ignorada. Embora existam muitos procedimentos que acabem não funcionando, e pacientes como a “Cofrinho de Porco” que simplesmente não podem ser salvas, também existem muitas histórias de sucesso. Em 2014, a instalação de Juno Beach tratou 106 tartarugas-marinhas. Dessas, 45 pacientes estavam nadando de novo no oceano no mesmo ano.

Margo Pierce é uma escritora de ciência que fuça tudo o que atiça sua curiosidade, da NASA e tartarugas marinhas a mudanças climáticas e tecnologia verde.

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