Cientistas acabam de dar um grande passo na criação da primeira vida artificial complexa

Ainda restam mais etapas no processo, mas especialistas afirmam que tendência agora é acelerar no progresso

Pesquisadores construíram, em 2008, o primeiro genoma artificial, uma maravilha da biologia sintética em que os cientistas geraram todos os 582.970 pareamentos de base do genoma da bactéria Mycoplasma genitalium, do início ao fim. Foi uma conquista científica sem precedentes, exigindo que os cientistas cuidadosamente projetassem 101 fragmentos de DNA únicos para que seus códigos se sobrepusessem e ficassem unidos, ligando, então, esses fragmentos pedaço por pedaço. Também foi meio insignificante, um dos muitos passos no caminho para, um dia, criarmos um organismo eucariótico sintético.

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Um novo avanço agora leva a humanidade para mais perto do que jamais esteve de desenvolver a primeira vida artificial complexa.

Em um conjunto de sete novos estudos publicados na terça-feira (7), na Science, pesquisadores do Synthetic Yeast Genome Project relataram que haviam, com sucesso, sintetizado seis dos 16 cromossomos que compreendem todo o genoma de levedura. Isso os coloca em mais do que um terço do caminho para gerar levedura projetada desde o início.

Os biólogos atualmente engendram geneticamente grandes faixas de DNA, alcançando triunfos como as maçãs que não apodrecem e a correção de mutações que causam doenças mortais. Mas a sintetização de um genoma inteiro do organismo pode representar um nível sem precedentes de controle humano sobre a natureza.

“Isso é muito empolgante”, afirmou George Church, geneticista de Harvard cujo laboratório está trabalhando na sintetização de genomas humanos e de porcos, nucleotídeo a nucleotídeo. “Eles conseguiram uma das coisas mais difíceis. Os outros dois terços do genoma de levedura acontecerão muito mais rápido.”

A importância da levedura na biologia sintética

Então por que todo esse barulho em cima de alguns milhões de pareamentos de base de um simples fungo unicelular? A levedura tem um papel crucial em biologia sintética. Não apenas é um eucarioto unicelular que compartilha muitos processos celulares importantes com os humanos, mas também, nos últimos anos, cientistas têm o engendrado para que funcione como uma espécie de fábrica viva de biocombustíveis e medicamentos. Além de colocar em evidência questões biológicas básicas e agir como ponto de partida para, um dia, a sintetização de genomas de organismos mais complexos, um conjunto completo de cromossomos sintéticos pode permitir aos cientistas criarem versões projetadas de levedura que são muito mais úteis e eficientes. Eles podem, por exemplo, um dia projetar uma cepa de levedura otimizada para sobreviver em ambientes de alto nível de álcool, para produzir etanol de maneira mais eficaz.

“Quando você consegue substituir todos os cromossomos de uma levedura com versões sintéticas, você consegue fazer muito com isso”, disse Eric Topol, geneticista no Instituto de Pesquisa Scripps e que não esteve envolvido nesta pesquisa. “É um grande avanço na biologia. Usamos levedura para tudo.”

Para fazer essa síntese de genoma funcionar, os muitos pesquisadores de todo o mundo que trabalham no Synthetic Yeast Genome Project usaram, primeiramente, um software especialmente projetado para criar versões sintéticas de cinco cromossomos de levedura. O software, chamado de “BioStudio”, é uma conquista quase tão grande quanto a dos próprios cromossomos sintéticos — provavelmente tornará a síntese muito mais fácil no futuro.

No BioStudio, os pesquisadores fizeram vários pequenos ajustes ao DNA de levedura já existente. Coisas como remover áreas de repetição genética e a troca de DNA de um cromossomo para outro, para criar novos cromossomos otimizados, tanto para pesquisa quanto para indústria. Esse DNA projetado foi então quimicamente sintetizado em pequenos pedaços, montado em pedaços maiores e, então, enfim formando um grande cromossomo. Os pesquisadores estão relatando a síntese de cinco novos cromossomos nesta sexta-feira, levando o número total de cromossomos de levedura sintética a seis (o cromossomo de levedura 3 foi sintetizado do início ao fim em 2014).

Cada um desses cromossomos individuais foi então colocado em uma célula de levedura viva, trocando o cromossomo sintético novo por um singular de tipo selvagem. No fim, os pesquisadores acabaram com seis células de levedura parcialmente sintéticas, cada uma com um único cromossomo sintetizado. Para criar uma célula com 16 cromossomos sintéticos, essas células de levedura parcialmente sintetizadas serão pareadas com outras, então produzindo uma célula com um genoma inteiramente sintético. Até agora, três novos cromossomos sintéticos foram integrados em uma célula singular.

“Tínhamos dois objetivos em mente. Queríamos conseguir responder a perguntas da biologia como ‘Como você faz um cromossomo?’ e ‘Por que os genes são organizados da maneira como são?’. E queríamos projetá-los para pesquisa aplicada, como a criação de medicamentos de moléculas pequenas”, disse Joel Bader, engenheiro biomédico na Johns Hopkins e um dos autores dos novos estudos.

Por milhares de anos, os humanos têm manipulado levedura para transformar cepas selvagens em coisas que nos dá produtos como a cerveja e o pão. O objetivo agora é desembaraçar e reorganizar o projeto genético da levedura, então criando uma célula que tenha sido otimizada para remover todas os excessos e elementos de projeto defeituosos que a natureza lhe deu.

Cada novo cromossomo tem seu próprio estudo publicado, além de um que oferece um resumo amplo do progresso e outro que detalha a estrutura física tridimensional da levedura sintética.

Cromossomo sintético

Até agora, os cromossomos sintéticos não são inteiramente livres de erros — houve alguns efeitos fora do alvo. Os novos cromossomos, no entanto, funcionaram em sua maioria como os pesquisadores esperavam. Bader disse que, dentro de dois ou três anos, eles esperam ter todos os 16 cromossomos sintetizados e montados.

“Agora que descobrimos como fazer, a pesquisa está avançando rapidamente”, contou.

Para ser claro, mesmo quando os pesquisadores alcançarem o incrível feito de sintetizar todo o genoma da levedura, eles não terão criado um organismo inteiramente sintético. Isso porque há mais na vida do que um genoma. O DNA é a molécula que codifica material hereditário. Há outras partes na célula, como o citoplasma. Pense no genoma como as instruções de operação para um computador — você ainda precisa do restante da máquina para fazer o seu programa funcionar.

Topol disse que o avanço, menos de três anos após cientistas anunciarem que haviam sintetizado um par único de bases de genoma de levedura, destaca o quão rapidamente o campo está progredindo.

“Quando comecei minha carreira, achava que um dia conseguiria ler DNA, apenas sonhando em um dia conseguir editá-lo”, comentou.

A curto prazo, um genoma de levedura sintético pode levar à criação de levedura projetada para a fabricação de vacinas, remédios e biocombustíveis mais sustentáveis. Mais para a frente, poderia levar a organismos projetados customizados, talvez até mesmo humanos projetados um dia.

Hank Greely, bioético em Stanford, disse que ainda não está claro se a síntese de genoma completa será uma maneira mais eficiente de fazer as mudanças desejadas aos genomas do que a edição de genomas existentes.

“Daqui a dez anos, será mais fácil e mais barato mudar milhares de pareamentos de base utilizando o CRISPR ou fazer um genoma do início ao fim?”, questionou. “Essa é uma pergunta que depende de tecnologias que ainda estão sendo inventadas.”

Bader, no entanto, disse que deveríamos olhar as duas abordagens como complementares. “Às vezes, você vê algo escrito contendo alguns erros, então você quer editar isso. Às vezes, está tão errado que você precisa começar do princípio”, afirmou.

De um jeito ou de outro, a síntese de genoma provavelmente será atormentada pelo mesmo tipo de questões éticas que cercaram o CRISPR. O quão longe deveríamos levar a intromissão humana na natureza? Se conseguimos crar verdadeiros organismos sintéticos, deveríamos? E como nos certificamos de que nossas tecnologias sejam usadas para o bem e não para o mal?

“Vivemos em um mundo em que tudo o que comemos foi projetado por nossos ancestrais e regularmente conversamos com pessoas a milhares de quilômetros. A civilização se trata de brincar de deus. A questão já não é mais se devemos fazer isso, mas como fazer de maneira inteligente. Precisamos descobrir isso”, encerrou Greely.

[Science]

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