Algoritmo médico exclui pacientes negros que estariam em lista de transplante de rins nos EUA

Estudo analisou algoritmo utilizado por médicos e descobriu que pacientes negros eram desfavorecidos em análise para transplante de rins.
Imagem: Unsplash

Você provavelmente já deve ter se chocado com imagens antigas que mostram a segregação racial nos Estados Unidos, com placas em estabelecimentos proibindo a entrada de negros e até mesmo bebedouros separados. Já imaginou se essa discriminação se expandisse até mesmo para a área da saúde, impedindo que determinados grupos deixassem de receber um transplante simplesmente por causa da sua cor de pele? Por mais absurdo que isso pareça, isso vem ocorrendo em pleno 2020, de acordo com um estudo publicado este mês.

Atualmente, é comum médicos utilizarem algoritmos que interpretam os resultados de testes de pacientes e analisam os riscos envolvidos antes de tomarem uma decisão importante relacionada a procedimentos de saúde. De acordo com uma reportagem da Wired, um desses algoritmos utilizava uma fórmula para avaliar o funcionamento dos rins que automaticamente atribuía uma pontuação de saúde maior para pessoas negras.

O estudo examinou os históricos de saúde de 57 mil pacientes em Boston, nos Estados Unidos, que apresentavam doenças crônicas nos rins. Os pacientes faziam parte do sistema de saúde Mass General Brigham, que inclui os hospitais Massachusetts General e Brigham and Women’s.

Um dos principais resultados da pesquisa foi que cerca de um terço dos participantes negros (mais de 700 pessoas) teriam sido classificados na categoria de doenças graves caso o sistema tivesse utilizado a mesma fórmula usada para analisar a saúde de pacientes brancos.

Além disso, em 64 casos, as pontuações recalculadas teriam colocado estes pacientes negros na lista de espera para transplantes de rins. Porém, nenhum deles recebeu qualquer encaminhamento ou sequer foi avaliado para um possível transplante, o que indica que as recomendações dos algoritmos não foram questionadas pelos médicos.

O que o estudo analisou foi um cálculo padrão, chamado CKD-EPI, que é utilizado para converter os exames de sangue para avaliar o nível de creatinina do produto residual de uma pessoa em uma medição do funcionamento do rim chamada taxa de filtração glomerular estimada, ou eGFR, que é a sigla em inglês. Quanto menor for essa taxa, pior é a condição do órgão; no caso de pacientes negros, essa pontuação era aumentada em 15,9%.

A fórmula foi criada em 2009 e, desde então, os pesquisadores responsáveis por ela adicionaram uma correção para amenizar essas diferenças estatísticas. No entanto, em nenhum momento foi dada qualquer explicação sobre por que a correlação entre creatinina e a condição dos rins de pacientes negros era diferente. Segundo a Wired, Nwamaka Eneanya, uma das pesquisadoras envolvidas no estudo e professora assistente da Universidade de Pensilvânia, afirma que raça é uma categoria social e não fisiológica; portanto, não faz sentido utilizar tal critério para interpretar exames sanguíneos.

Isso alerta para um problema extremamente grave, visto que os algoritmos influenciam decisões importantes, como encaminhar o paciente para um especialista ou até mesmo para um transplante, conforme aponta a revista. Considerando que as minorias étnicas nos EUA já contam com um acesso limitado e precário a serviços de saúde, os resultados da pesquisa são ainda mais preocupantes.

Infelizmente, essa não é a única ferramenta a propagar a segregação racial na área da saúde. Outro estudo recente listou dezenas de ferramentas clínicas que levam em consideração quesitos como raça. Felizmente, algumas figuras políticas norte-americanas, como Richard Neal e Elizabeth Warren, têm solicitado a investigação desses algoritmos por autoridades e associações médicas, incluindo o Centers for Medicare & Medicaid Services e o Departamento de Saúde e Serviços Humanos.

A publicação do estudo também levou o Mass General Brigham a abandonar a fórmula eGFR baseada em raça em junho deste ano. Outros hospitais dos EUA também estão seguindo o mesmo caminho, e outras alternativas para calcular o eGFR utilizando outros tipos de testes sanguíneos têm ganhado força.

Em declaração à Wired, Vanessa Grubbs, professora da Universidade da Califórnia em San Diego e coautora de uma petição para que organizações de saúde ajam contra o uso do algoritmo, afirmou que mudar os cálculos de eGFR seria apenas o primeiro passo. As instituições deveriam reavaliar os planos de saúde de pacientes negros, assim como o treinamento oferecido a novos médicos e como eles enxergam a questão racial.

[Wired]

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