AstraZeneca é acusada de usar dados antigos ao divulgar resultados de testes nos EUA

Grupo acusou a farmacêutica de usar informações “desatualizadas” do estudo que possivelmente ofereciam uma “visão incompleta” dos dados.
Profissional de saúde na Malásia segura um frasco de Covishield, a versão da vacina contra Covid-19 da AstraZeneca/Oxford feita na Índia. Crédito: Sai Aung Main (Getty Images)

Menos de um dia depois de a AstraZeneca ter anunciado resultados preliminares promissores dos testes nos EUA de sua vacina contra Covid-19 desenvolvida em conjunto com a Universidade de Oxford, um painel independente de cientistas que monitorava o estudo emitiu uma réplica severa. O grupo acusou a farmacêutica de usar informações “desatualizadas” do estudo que possivelmente ofereciam uma “visão incompleta” dos dados.

Na segunda-feira (22) de manhã, a AstraZeneca revelou o que ela classificou como resultados provisórios de seu ensaio de Fase III nos Estados Unidos, que determinará se sua vacina será aprovada no país ou não. O ensaio randomizado, duplo-cego e controlado, que envolveu 32.449 participantes, supostamente mostrou que a vacina de duas doses tinha 79% de eficácia na prevenção dos sintomas de Covid-19. O imunizante também parecia ter 100% de eficácia na prevenção de quadros graves e morte pela doença viral, e não foram identificados problemas de segurança importantes.

Os resultados foram semelhantes aos de outros ensaios da vacina realizados em outros lugares, embora um pouco mais impressionantes. Porém, mais tarde naquela noite, o Conselho de Monitoramento de Dados e Segurança, um grupo independente de especialistas que ajuda a supervisionar pesquisas clínicas financiadas pelo governo nos Estados Unidos (incluindo o estudo da AstraZeneca), acendeu um alerta. O grupo notificou o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID), a Autoridade de Pesquisa e Desenvolvimento Biomédico Avançado e a AstraZeneca sobre as preocupações que eles tinham com a divulgação dos dados.

De acordo com uma declaração feita na terça-feira (23) pelo NIAID, o grupo “expressou preocupação de que a AstraZeneca possa ter incluído informações desatualizadas desse estudo, que podem ter fornecido uma visão incompleta dos dados de eficácia”.

Esses testes de vacinas devem funcionar monitorando quantas pessoas em cada grupo (placebo e vacina) desenvolvem a doença-alvo, dentro de parâmetros definidos antecipadamente. O desfecho primário normalmente se baseia em atingir um certo número de “eventos” totais — em outras palavras, um certo número de casos diagnosticados da doença em ambos os grupos. O desfecho primário do teste já foi atingido no momento da análise provisória da empresa, de acordo com a AstraZeneca. Mas o que o Comitê de Monitoramento de Dados e Segurança parece alegar é que os resultados poderiam ser visivelmente diferentes, e talvez menos otimistas, se dados mais atuais do teste fossem usados.

Na terça-feira de manhã, a empresa emitiu sua própria declaração dizendo que os resultados de seu estudo preliminar foram retirados de uma data limite pré-estabelecida, 17 de fevereiro. Além disso, ela alegou ter usado os números de sua análise primária planejada e que esses resultados eram “consistentes” com os resultados divulgados na segunda-feira.

“Vamos entrar em contato imediatamente com o conselho independente de monitoramento de segurança de dados para compartilhar nossa análise primária com os dados de eficácia mais atualizados. Temos a intenção de emitir os resultados da análise primária dentro de 48 horas”, afirmou a empresa.

Essa não é a primeira polêmica enfrentada pela AstraZeneca sobre sua vacina, que já está autorizada para uso na Europa e em outros lugares, incluindo o Brasil. Este mês, mais de uma dúzia de países da União Europeia suspenderam temporariamente a distribuição de doses da farmacêutica depois de receber alguns relatos de coagulação sanguínea grave possivelmente ligada à vacina. No entanto, os reguladores de saúde da UE e a OMS reafirmaram a segurança do imunizante na semana passada.

O problema de coagulação não parece ser o resultado de qualquer erro da empresa e ainda não se sabe se existe algum risco aumentado de complicações raras relacionadas com a vacina. Mas a AstraZeneca já havia cometido alguns erros de comunicação com reguladores de saúde e o público. No ano passado, ela não admitiu imediatamente as falhas durante os testes clínicos no Reino Unido, o que levou algumas pessoas a receberem uma dose menor do que o planejado.

Os Estados Unidos também já chegaram a suspender os testes por mais de dois meses depois que os reguladores de saúde se mostraram preocupados com a falta de transparência da empresa em relatar casos isolados de lesão neurológica que também poderiam estar ligados à vacina.

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Deixando esses tropeços de lado, a vacina parece ser segura e eficaz. No Reino Unido, que foi o primeiro país a aprová-la em dezembro passado e teve uma distribuição muito bem-sucedida de suas três vacinas autorizadas até o momento, os casos e mortes atribuídos à Covid-19 continuam diminuindo. Isso está em nítido contraste com grande parte da Europa, que está enfrentando uma terceira onda da pandemia e tem sido prejudicada por uma campanha de vacinação limitada.

Este é mais um erro evitável que provavelmente não mudará o quadro geral — que a vacina AstraZeneca é geralmente segura e eficaz — mas pode minar ainda mais a confiança do público no imunizante, que é uma ferramenta crucial para acabar com a pandemia em todo o mundo.

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