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A ciência dos sites de relacionamento que analisam seu DNA

Sites de relacionamento dizem poder encontrar o seu parceiro perfeito através de uma análise de DNA. Mas será verdade?

A sensação que te domina quando você gosta de alguém — aquela atração visceral por outro ser humano — tem uma explicação biológica. Sendo assim, ela pode ser mensurada, controlada e utilizada para determinar se duas pessoas irão sentir, ou não, uma atração mútua quando se conhecerem. Essa é a teoria por trás da nova geração de sites de relacionamentos, um crescente grupo de empresas que tentam aprimorar seus serviços a partir de análises de DNA.

Por coincidência, embarquei na missão de escrever sobre o SingldOut, um site de relacionamentos que testa a compatibilidade genética de seus clientes, apenas alguns meses após ter desativado todos meus perfis em sites do tipo. Não porque eu havia conhecido alguém especial, mas sim porque eu havia percebido quanto tempo, energia e neurônios eu havia gastado ao me envolver com essas plataformas — no meu caso, o OkCupid, o Tinder e o Hinge.

Além disso, concluí que talvez cuspir em um coletor fosse o segredo do sucesso. Para iniciar meu plano, atualizei o meu perfil no LinkedIn (o público do SingldOut é formado por jovens profissionais) e criei uma conta no site. Cerca de uma semana depois, o correio me entregou um coletor de plástico, dentro do qual eu era convidado a depositar minha saliva.

Esse tipo de análise ainda tem um grande desafio para superar: o fato de que duas pessoas compatíveis quimicamente nem sempre têm a mesma química na vida real. “Muitas pessoas gastam muito tempo com sites de relacionamento. Nós queremos otimizar o tempo dessas pessoas”, afirma Elle France, co-fundadora do SingldOut. “Você não gostaria de saber pela internet se você vai ter química com alguém na vida real?”

O SingldOut não é a primeira empresa a tentar incorporar testes genéticos e promessas de exatidão científica aos seus serviços. Já faz um bom tempo que visionários de Los Angeles e Londres vêm experimentando os chamados “encontros de feromônios“. Nesses eventos, uma pessoa cheira as roupas usadas de outras, e, caso o cheiro lhe agrade, essa pessoa é apresentada ao dono da roupa fedida de sua escolha.

A Basisnote, uma startup, quer transformar esses eventos em um modelo de negócios mais abrangente; a ideia é atribuir “perfis olfativos” aos pombinhos e compartilhá-los em um site de relacionamentos. Também temos o GenePartner, criado há oito anos atrás, que oferece a casais que se conheceram em outros sites de relacionamentos a oportunidade de avaliar sua química antes de um encontro tête-à-tête.

A ciência do amor

O teste de DNA do SingldOut estuda dois grupos de genes: um é relacionado ao tamanho dos transportadores de serotonina; já o outro forma o Antígeno Leucocitário Humano, ou HLA, o indicador do sistema imune. Esse procedimento é baseado em pesquisas que indicam que o tamanho do gene da serotonina pode revelar uma suscetibilidade à depressão, e que as pessoas se sentem mais atraídas por aqueles com um sistema imune diferente dos seus (uma espécie de segurança biológica, resquício dos dias em que os humanos precisavam se preocupar com cruzamentos entre parentes).

Para a infelicidade dos românticos, a ciência pode explicar a primeira fagulha de atração que sentimos por um parceiro em potencial. “Há muito tempo atrás, as coisas incompreensíveis que aconteciam dentro e fora de nossos corpos eram vistas como mágicas ou divinas”, disse Tamara Brown, fundadora do GenePartner. “Existe um sistema intrínseco ao corpo humano — com hormônios e rotas de neurotransmissores — que pode ser lido como: Eu gosto dela/dele. Não é o sorriso brilhante, os olhos azuis ou o longo cabelo ondulado — é outra coisa. As pessoas não sabem muito bem o que é, elas só sentem algo.”

“A ciência explicou várias coisas”, ela acrescentou, “e essa é uma delas.”

No entanto, ainda não desvendamos o que faz aquela pessoa em especial te deixar sem ar. “É provável que exista algum fator genético na atração”, explicou Joshua Akey, diretor de um laboratório de pesquisas sobre o genoma humano na Universidade de Washington. “Mas tudo isso é extremamente complexo, e vai além da nossa atual compreensão.”

O genoma humano é formado por dezenas de milhares de genes, e pouco se sabe acerca da influência desses genes em comportamentos complexos como a atração entre dois humanos. “É ingenuidade achar que características complexas podem ser previstas por quatro genes entre 20.000 “, disse Akey. “Nós só conhecemos uma pequena fração do elemento genético existente na atração; nem de perto o suficiente para determinar os seus efeitos no nosso comportamento.”

“Os genes são importantes”, disse Akey. “Mas eles não são tudo.”

Estudos anteriores sobre a ligação entre e a genética e a atração romântica foram controversos e inconclusivos. Uma pesquisa de 2010 sobre o gene transportador de serotonina não apresentou nenhuma evidência de que o genótipo “está associado com o risco elevado de depressão em homens, mulheres, ou em ambos os sexos combinados”. Uma meta-análise anterior da pesquisa sobre a relação entre os genes do sistema imune (que o SingldOut analisa) e a atração física foi igualmente inconclusiva.

Mesmo assim, France insiste que a ciência por trás do SingldOut é confiável. “Não é um golpe de marketing”, ela afirmou. “Nós realmente queremos ajudar as pessoas”. No entanto, as letras miúdas do site afirmam que, como o site não oferece serviços médicos ou de diagnóstico, ele não está sujeito à jurisdição da FDA (a Anvisa dos EUA), e, portanto, não é obrigado a seguir a Lei de De Segurança Médica. Resumindo, o site pode tanto ser genial quanto uma farsa. Estejam avisados.

Só mais um filtro

“Quarenta por cento da atração vem dos nossos genes”, afirma Frances. Em outubro, o SingldOut conseguiu um financiamento de US$600.000 defendendo a ideia de que nossos genes são, nas palavras de France, “só mais um tipo de filtro”.

Se 40% da atração vem dos nossos genes, os outros 60% viriam, logicamente, do resto. Coisas como os padrões conscientes e inconscientes de beleza, relações familiares e as expectativas comportamentais prescritas segundo raça, gênero e classe. E, é claro, os seus filmes favoritos. Tem muita coisa inclusa nesses 60%.

A ideia é acrescentar variáveis biológicas nas equações que regem o misterioso universo da química sexual e romântica, em teoria maximizando as chances de encontrar um par perfeito, e consequentemente gastando menos tempo com encontros inúteis — ou “quebrar a barreira entre o amor digital e biológico”, nas palavras do site do SingldOut.

“Algumas pessoas vão a 30 encontros com pessoas diferentes antes de encontrar um bom par” disse Brown. “É possível diminuir esses 30 encontros para três — e todos com pessoas que combinam quimicamente com você. Eu realmente acredito que isso ajuda as pessoas a encontrar seus pares mais rápido. Creio que em pouco tempo isso será a norma no campo de relacionamentos.”

Antes de trabalhar no SingldOut, France trabalhava como uma casamenteira de luxo para um app de relacionamentos, o Ellefrance.net. Seus clientes pagavam milhares de dólares por seus serviços, e, por isso, esperavam resultados correspondentes ao alto investimento. France aprendeu muito durante seus dias de casamenteira: “As pessoas não dizem a verdade sobre quem são; elas te falam quem elas gostariam de ser”, disse. “Nosso DNA não mente.”

Os resultados

O SingldOut oferece uma conta gratuita por 30 dias, mas para conseguir um kit de DNA é preciso pagar a taxa de “Assinatura Gold” — seis meses saem por US$199. Meus resultados ficaram prontos algumas semanas depois, aparecendo ao lado de todas as informações chatas do meu perfil: de onde eu sou, o que eu faço e o que me interessa.

Devo dizer que não fiquei muito impressionado. O serviço ainda não é muito popular em Nova Iorque, e minha entrega diária de cinco pares incluíam mulheres de Schenectady, em Baltimore, e Springfield, em Massachusetts.

Na prática, o que aprendi sobre minha “Composição HLA” é completamente inútil: meu gene é HLA-A A10-A9; HLA-B, B37-B50; HLA-DR, DR13-DR9. Ele só tem significado quando comparado ao gene de outra pessoa — o que, mais uma vez, é uma afirmação científica duvidosa.

E mesmo que esses genes se encaixem perfeitamente — e daí? Ter química com alguém não significa que o relacionamento vai dar certo, como qualquer pessoa que já transou com um ex pode confirmar.

Os sites de relacionamento prometem codificar a atração — categorizá-la e filtrá-la até torná-la mensurável e racional. Mas os sites de relacionamento, sejam eles baseados no DNA ou em algum algoritmo nascido de alguns cliques numa tela, são pura pseudociência — uma promessa na qual decidimos acreditar ao invés de aceitar que estamos sozinhos, talvez pelo futuro próximo, e que isso é aceitável.

Não é fácil acreditar que, eventualmente e no tempo certo, você irá conhecer alguém que faça você se sentir bem, e confortável, e em casa. Eu não achei essa pessoa com meu kit de DNA. Mas enquanto escrevia essa história, acabei reativando minha conta no OkCupid. A promessa é extremamente atraente.

Ilustração por Tara Jacoby

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