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Acidente em laboratório pode ter levado a morte de uma mulher 9 anos depois

Em um estudo de caso, eles descrevem como uma mulher na casa dos 30 anos desenvolveu um distúrbio cerebral fatal anos depois de ter perfurado sua pele com equipamentos usados para lidar com proteínas infecciosas chamadas príons.

Ferramentas cirúrgicas, incluindo fórceps.

Ferramentas cirúrgicas, incluindo fórceps. Crédito: Guillaume Souvant/Getty

Um acidente de laboratório em 2010 provavelmente levou à morte prematura de uma mulher quase uma década depois, de acordo com médicos na França. Em um estudo de caso, eles descrevem como uma mulher na casa dos 30 anos desenvolveu um distúrbio cerebral fatal anos depois de ter perfurado sua pele com equipamentos usados para lidar com proteínas infecciosas chamadas príons.

Os príons são um tipo de proteína que existem naturalmente em nossos cérebros. Normalmente, eles são considerados inofensivos, embora sua função exata permaneça um mistério. Raramente, eles podem se transformar em uma versão desdobrada que obriga os príons normais a mudar de forma.

Ao longo de anos ou mesmo décadas, essa cascata de príons desdobrados destrói o cérebro de dentro para fora, deixando para trás furos que lembram a forma de esponja que são vistos somente sob um microscópio. Devido a esses furos, as doenças de príons também são conhecidas medicamente como encefalopatias espongiformes transmissíveis (EET).

As doenças de príons muitas vezes acontecem sem motivos claros – a proteína parece simplesmente mudar o seu rumo do nada. Em alguns casos, a genética desempenha um papel nisso. Porém, o que torna os príons assustadores é que eles podem ser infecciosos, se espalhando de pessoa para outra ou até mesmo entre diferentes espécies de animais.

Nos anos 1980 e 1990, os cientistas notaram surtos relacionados a vacas que desenvolviam doença de príons, algo que se tornou popularmente conhecido como a doença das vacas loucas.

Alguns anos mais tarde, começamos a ver as pessoas desenvolverem uma espécie de doença de príons nunca antes vista, que acabou sendo rastreada ao consumo de carne contaminada (enquanto isso, as vacas estavam sendo infectadas por comerem ração animal que continha matéria cerebral de outras vacas e possivelmente ovelhas infectadas).

No meio médico, este tipo infeccioso de doença de príon ficou conhecido como doença variante de Creutzfeldt–Jakob (vCJD), para distingui-la da versão clássica que é a mais comum, mas ainda muito rara.

A jovem tinha sido técnica de laboratório em uma instalação de pesquisa estudando príons em 2010, de acordo com um estudo de caso publicado no New England Journal of Medicine este mês.

Um dia, em maio, ela estava usando um par de fórceps curvos para manipular amostras de cérebro congeladas, infectadas por príons, retiradas de ratos geneticamente modificados para desenvolver príons humanos, quando o fórceps escorregou e espetou seu polegar. Embora ela estivesse usando dois pares de luvas protetoras, as pontas afiadas do instrumento perfuravam sua pele, a ponto de sair sangue. Ela tinha apenas 24 anos na época.

Cerca de sete anos e meio depois, em novembro de 2017, ela começou a sentir uma dor ardente no ombro direito e no pescoço. Sua condição piorou no ano seguinte, a ponto de prejudicar a memória, ter alucinações visuais e rigidez muscular no lado direito.

Posteriormente, 19 meses após o início dos sintomas, ela morreu. Testes antes de sua morte sugeriram fortemente que ela tinha vCJD, o que foi confirmado em exames post mortem.

É possível que a mulher tenha pegado vCJD por meio do consumo de carne contaminada, antes de as mudanças na indústria de processamento de carne que pareceu eliminar a ameaça da doença das vacas loucas nos anos 1990 serem aplicadas.

Mas isso seria muito improvável, de acordo com os autores, porque não se acredita que vCJD demore mais de uma década para aparecer após a exposição em pessoas com a composição genética como a desta mulher.

Quase todos os casos conhecidos de vCJD foram em pessoas que compartilham uma variação genética específica mas relativamente comum de seu gene príon, chamado MM, que a mulher também possuía. Porém, faz sentido assumir que ela pegou vCJD por meio do acidente de laboratório.

As doenças de príon continuam incrivelmente raras, e mesmo nos casos em que são infecciosas, a genética parece influenciar fortemente o risco de realmente adoecer (apenas algumas centenas de casos de vCJD já foram relatados em todo o mundo).

Mas esta não é a primeira vez que um caso de vCJD foi ligado à exposição em um laboratório, segundo os autores, sugerindo que poderiam ser adotadas medidas mais rigorosas para manter cientistas e técnicos seguros durante o trabalho que fazem para entender estas coisas absolutamente misteriosas. Os príons são notoriamente muito difíceis de “matar” usando métodos tradicionais de descontaminação, o que fornece uma fonte adicional de preocupação para os procedimentos médicos que envolvem o cérebro.

“Tais casos destacam a necessidade de melhorias na prevenção da transmissão da variante CJD e outros príons que podem afetar seres humanos no laboratório e em ambientes de neurocirurgia”, escreveram os autores.

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