
Adeus, Brian Wilson (1942-2025)
Brian Wilson me proporcionou muitas noites mágicas com sua música. Delas, a mais mágica foi ver seu show no Jockey Club de São Paulo em 7 de novembro de 2004, dentro da programação do Tim Festival.
Lá estávamos eu e minha consorte ainda com poucos meses de um “namoro/casamento” para o qual o álbum “Pet Sounds” – que Brian compôs inteiro para sua banda The Beach Boys em 1966 – foi um dos primeiríssimos elos que nos uniram.
A expectativa antecipada pela mídia dava conta de que Brian tocaria na íntegra o álbum “Smile”, aquele complicado trabalho que ele abortou (queria até destruir as fitas já gravadas) em 1967 depois de ouvir o “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” dos Beatles.

Imagem: Reprodução
Em 2004, Brian tinha retomado “Smile” e lançado em CD gravado com os músicos que o acompanhavam em suas turnês na época (um tempo depois, as gravações originais de “Smile” com os Beach Boys foram lançadas como deveria ter sido em 1967).
Mas o repertório do show não foi esse antecipado na mídia. Brian fez algo muito melhor: um show com uma retrospectiva de sua carreira.
Achei anotações da época que me relembraram como foi a apresentação no Jockey:
- hits mais rock’n’roll da fase surf dos Beach Boys(1962-1965): “California Girls”, “Hawaii”, “All Summer Long”, “Surfin’ USA”, “I Get Around”, “Fun Fun Fun”;
- belas baladas sensíveis “In My Room”, “Don’t Worry Baby” e “Please Let Me Wonder”;
- músicas mais obscuras como “Wendy” e “The Little Girl I Once Knew”;
- canções-chave do álbum “Pet Sounds”: “Sloop John B” (que abriu o show), “Wouldn’t It Be Nice”, “God Only Knows” e o instrumental “Pet Sounds”;
- os pontos altos de “Smile”: “Heroes and Villains” e “Good Vibrations”;
- as principais contribuições dele para os Beach Boys depois de seu colapso psíquico: “Darlin’” e “Do It Again”, ainda dos anos 1960, e “Sail On Sailor” e “Marcella”, dos anos 1970;
- e duas músicas de sua produção solo: “Imagination” e a tocante “Love and Mercy”, com a qual ele encerrou calmamente o show em um segundo bis.
Foi tudo lindo, tudo maravilhoso. “God Only Knows” rompeu minha barragem emocional que vinha se segurando firme até então. Foi, como disse lá no começo, mágico.
Depois de ser um trapo psiquiátrico de 1967 até meados dos anos 1980, Brian apresentou uma desenvoltura no piano que seria inimaginável e improvável.
Apenas demonstrava que foi uma pessoa reprogramada para conviver com o mundo entre uma música e outra, quando depositava mecanicamente suas mãos sobre os joelhos.
Mas Brian estar vivo e na ativa era uma espécie de milagre. Então tanto faz como ele se comportava entre uma música e outra.
Em sua trajetória, o poder musical de Brian vinha de tudo que ele era: frágil, doce, amoroso, empático, seguro ao piano e inseguro longe dele, sonhador, atrapalhado com a chamada vida real.
Brian era música. Não à toa, Tony Asher, o letrista que transformou os pensamentos dele em versos para as músicas de “Pet Sounds”, definiu-o assim para o jornalista Nick Kent nos anos 1970: “Um músico genial, mas um ser humano amador”.
A vida de Brian teve fim hoje, 11 de junho de 2025. Ele já padecia de um quadro de demência tornado público em 2024. Talvez não soubesse mais quem era e o que fez. Felizmente, nós ainda sabemos.
Resta relembrar três momentos de pura beleza de Brian disponíveis no YouTube.
Brian em sua casa tocando sozinho a canção “Surf’s Up” em 1966 para um documentário sobre ele feito pela emissora CBS:
Uma versão ao vivo de “God Only Knows” em Londres, em 2002:
E uma versão de “Love and Mercy”, canção de seu primeiro álbum solo, lançado em 1988: