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Por que o “áudio de alta resolução”, que promete qualidade maior que CD, não vale a pena

Esta semana, o PonoPlayer entrou em pré-venda por US$ 400. Trata-se de um player de música de "alta resolução" criado pelo músico Neil Young

Esta semana, o PonoPlayer entrou em pré-venda por US$ 400. Trata-se de um player de música de “alta resolução” criado pelo músico Neil Young – e há muitos argumentos para não comprá-lo.

>>> Giz explica: o que é áudio de alta resolução?

Young não está errado em querer recuperar a qualidade de áudio na era digital, mas para chegar a esse objetivo, ele está se baseando em ciência questionável, e apoiando hardware caro e músicas caras – coisas das quais você não precisa.

Nos últimos anos, Neil Young vem sendo o defensor mais proeminente do “áudio de alta resolução“, ou HRA. Trata-se de enormes arquivos de áudio que teoricamente possuem um som muito melhor do que quaisquer outros arquivos digitais. Para colocar esse som nas mãos e ouvidos de todos, ele criou o PonoPlayer, um dispositivo portátil que promete a mais alta fidelidade.

Ele não está sozinho. Na semana passada, na feira CES, a Sony anunciou uma série de novos produtos com áudio de alta resolução. O principal deles: um Walkman absurdamente caro de US$ 1.200, com hardware que supostamente otimiza a reprodução das músicas gravadas nele.

No nível mais básico, o desejo por áudio de alta resolução tem bases na realidade. Nós sacrificamos a qualidade do áudio pela conveniência ao adotar formatos digitais como o MP3, e a codificação com perdas de serviços de streaming como o Spotify. Um amante da música deveria se preocupar em melhorar a qualidade de áudio usando arquivos melhores.

Isso é justo! Mas a partir daí, os argumentos a favor do áudio de alta resolução desmoronam.

Não há bases científicas

Embora o termo “áudio de alta resolução” seja usado livremente, ele geralmente se refere à música que foi codificada digitalmente a uma alta taxa de amostragem e profundidade de bits. Especificamente, estamos falando de taxas mais elevadas do que o padrão digital com qualidade de CD, adotado há décadas.

Abaixo segue um gráfico da Pono descrevendo vários níveis de qualidade de áudio. Na parte inferior, temos arquivos de menor qualidade para streaming; no meio, temos o padrão 44.1 kHz/16-bit com qualidade de CD; e no topo, temos arquivos de resolução absurdamente alta que são codificados em 192 kHz/24-bit.

A lógica por trás do HRA é que, ao maximizar a taxa de amostragem e profundidade de bits, você também maximiza os detalhes sonoros e a faixa dinâmica da música que você está ouvindo. Isto soa muito bem na teoria, mas na prática isso é uma fantasia absoluta.

O padrão com qualidade de CD – que é insuficiente para Young e defensores do HRA – não foi adotado de forma aleatória. Não é um número tirado do ar. Ele é baseado na teoria da amostragem e nos limites reais da audição humana. Para o ouvido humano, o áudio acima dos 44.1 kHz/16-bit não apresenta uma diferença audível.

Ainda assim, isto não impede as pessoas de alegar que podem ouvir a diferença no áudio de maior qualidade. A “prova” de que o PonoPlayer é superior começa com um vídeo de depoimentos, postado na página da Pono no Kickstarter. Young usou suas conexões com a indústria da música para encher o PonoPlayer com faixas de áudio de alta definição e levá-lo a músicos famosos. Eles, claro, dizem que ficaram arrepiados e dizem que o Pono é a melhor coisa que já ouviram.

Isso não prova nada. Não estou chamando Norah Jones e Dave Grohl de mentirosos, mas estou dizendo que eles estão sucumbindo ao viés de confirmação, aquele impulso natural de ver o que você quer ver – ou ouvir o que quer ouvir. Se Neil Young empurra um gadget em suas mãos e diz: “escuta isso, cara, você não vai acreditar”, você provavelmente vai ouvir exatamente o que Neil Young quer que você ouça.

Há uma maneira científica para superar o viés de confirmação, chamado de teste duplo-cego, em que são apresentadas duas alternativas de forma aleatória, de tal maneira que você não tenha ideia de qual é qual. Existem alguns problemas com o teste duplo-cego, mas ele é geralmente aceito como uma boa prática, especialmente quando se trata de avaliar algo tão evasivo como a qualidade de áudio.

Young e a Pono não citam estudos do tipo sobre os benefícios da alta taxa de áudio, nem do seu player de música. Mas teve quem investigasse essa questão: em um estudo publicado em 2007 no Journal of the Audio Engineering Society, Brad Meyer e David Moran fizeram um teste duplo-cego com uma grande amostra de ouvintes “sérios”. Nele, comparou-se o áudio 44,1 kHz com “os melhores discos de alta resolução que conseguimos encontrar”. O objetivo não era mostrar qual era melhor, e sim descobrir se é possível notar a diferença.

“Nenhuma dessas variáveis mostrou correlação com os resultados, e não houve nenhuma diferença entre as respostas e os resultados de lançar uma moeda”, eles escrevem na conclusão. Ou seja, as pessoas não conseguiram notar qual era o áudio de alta resolução, e qual era o áudio com qualidade de CD.

Eles também dizem: “afirmações futuras de que uma codificação cuidadosa em 16/44,1 degrada sinais de alta resolução devem ser provadas por testes duplo-cegos controlados de forma adequada”.

Há quem discorde do estudo: Mark Waldrep, do site Real HD-Audio, diz que os pesquisadores usaram discos com áudio que não tinha realmente alta definição, e pretende refazer os testes no futuro. (A lista de álbuns usados no estudo está aqui.) David Moran rebate as acusações.

O especialista em codecs de áudio Monty Montgomery, por sua vez, fez uma análise detalhada sobre o HRA, reunindo argumentos mais técnicos contra o formato. Ele recomenda usar bons fones de ouvido e arquivos FLAC em vez de pagar caro por áudio de alta resolução, e diz:

Por que se opor ao 24/192? Porque é uma solução para um problema que não existe, um modelo de negócios baseado em ignorância intencional e enganação das pessoas. Quanto mais essa pseudociência se espalhar sem controle no mundo em geral, mais difícil será para a verdade superar a verossimilhança.

O hardware é necessário?

Vamos deixar de lado as taxas de bits por um momento. Nós todos podemos concordar que uma qualidade melhor de áudio é boa para todos, então quem se importa se as taxas são muito mais elevadas do que nós precisamos? Ela será melhor do que temos, e ponto!

Infelizmente, o HRA vem acompanhado por uma obsessão irracional com hardware de que não precisamos.

Primeiro de tudo, arquivos de áudio com alta resolução ocupam um espaço enorme de armazenamento. Um arquivo HRA 96 kHz/24-bit é cerca de três vezes maior do que um arquivo 44,1 kHz/16-bit com qualidade de CD, e cerca de 24 vezes maior do que um MP3 com qualidade decente.

Se você tem uma grande coleção de música, armazenar áudio de alta resolução requer uma enorme quantidade de armazenamento. É por isso que a Sony quer vender players de música para sua casa que custam US$ 1.000 e são, basicamente, um dispositivo NAS.

Além disso, arquivos em HRA custam caro. O PonoPlayer é acompanhado por uma loja de música: o álbum Harvest, de Neil Young, custa US$ 21,79; no iTunes, o álbum remasterizado (com qualidade 256 kbps) sai por US$ 9,99.

Tem mais, o HRA leva as pessoas a pensar que precisam de hardware extremamente caro, desde players de alta resolução – como o PonoPlayer e o Sony Walkman NW-ZX2 – a fones de ouvido, alto-falantes, amplificadores e outros gadgets escandalosamente caros. A descrição do PonoPlayer diz:

Este player de áudio portátil usa circuitos vindos diretamente a partir dos próprios produtos top de linha da Ayre, que custam dezenas de milhares de dólares, para uma qualidade de som inigualável e prazer de audição incomparável.

No áudio, a qualidade do equipamento que você usa vai melhorar o som, em geral. É por isso que músicos pagam muito dinheiro para gravar em estúdios que usam circuitos completamente analógicos, por exemplo. Mas todos esses circuitos no PonoPlayer realmente valem US$ 400?

Um par de fones de ouvido mais caro soa melhor do que um mais barato? No geral, sim. Mas veja só: os fones que eu uso todo dia custam US$ 300, só que alguns fones de US$ 80 também fornecem qualidade muito boa. Eu gastei mais dinheiro pela qualidade de construção, conforto e estética – muito disso não tem nada a ver com o som.

No geral, hardware caro é desnecessário para fazer a música soar bem, especialmente se ele prometer uma qualidade que ouvidos humanos não conseguem perceber.

Neil Young até defende um princípio louvável – deveríamos ouvir música com qualidade maior – mas o áudio de alta resolução promete mais do que pode cumprir.

Imagem por Sam Woolley

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