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Por que não haverá novatos bem-sucedidos no campo de batalha dos smartphones

Todo dia surge um post de blog (ou um comentário reclamão) dizendo que a BlackBerry poderia se recuperar, ou que a Nokia poderia voltar ao Maemo e criar o melhor smartphone de todos. Isso chegou a um ponto crítico depois que a Jolla anunciou a venda do seu primeiro smartphone. Este aparelho, com uma interface […]

Todo dia surge um post de blog (ou um comentário reclamão) dizendo que a BlackBerry poderia se recuperar, ou que a Nokia poderia voltar ao Maemo e criar o melhor smartphone de todos. Isso chegou a um ponto crítico depois que a Jolla anunciou a venda do seu primeiro smartphone. Este aparelho, com uma interface de usuário incrível, vai fazer a Nokia se arrepender de largar o N9! Tecnologia surpreendente mais uma ótima interface – eles vão tirar participação de mercado de todo mundo, não?

Sinto muito, mas não. A maioria das pessoas não entendem como funciona uma plataforma de smartphone. Em termos simples: não haverá novatos bem-sucedidos no campo de batalha dos smartphones. Nenhum. Mesmo.

Aviso obrigatório: eu trabalho como pesquisador na Nokia, investigando coisas não-relacionadas a telefones. Eu não trabalho na divisão de celulares, nem sei detalhes internos sobre os planos futuros da Nokia sobre celulares, nem os planos da Microsoft. Eu descubro novos dispositivos da mesma maneira que você: através de vazamentos na internet. Este texto é baseado no meu conhecimento do mercado de smartphones por meu tempo na Palm/HP e por observações gerais da indústria.

Alguns novos fabricantes de Android podem entrar no jogo, e certamente outros vão cair fora, mas agora estamos em uma corrida de três cavalos. O portão está fechado. Lamento pela Jolla, BlackBerry, OpenMoko, pela evolução mais recente do Maemo/Meego/Tizen, e possivelmente até mesmo pelo Firefox OS. Ninguém novo vai se juntar ao clube dos smartphones. Isso simplesmente não pode acontecer mais. Você não pode fazer um smartphone.

Havia uma época em que uma empresa pequena, com algumas centenas de milhões de dólares, podia fazer um celular de qualidade com funções inovadoras e ser bem-sucedido. Isso era quando “bem-sucedido” significava algo como “lucrativo o bastante para continuar a fazer celulares por mais um ano”. Em outras palavras: um negócio sustentável, sem lutar por marketshare significativo. Era o tempo em que a Palm vendia um milhão de unidades e era incrivelmente feliz. Eram os dias em que a BlackBerry tinha crescimento de dois dígitos e o Symbian era o rei do mundo.

Então veio 2007. Pode ser excessivo dizer que “o iPhone mudou tudo”, mas certamente foi um evento marcante. A década de 1960 começou em janeiro de 1960, mas “os anos sessenta” começaram nos EUA quando os Beatles chegaram ao país no início de 1964. Sua chegada foi parte de uma mudança cultural muito maior, que começou antes dessa data e, certamente, continuou depois que os Beatles se separaram.

A aparição dos Beatles no Ed Sullivan Show é um evento útil para marcar quando os anos sessenta começaram, mesmo que na verdade seja um período de tempo muito mais impreciso. O momento em que Steve Jobs revelou o iPhone em 2007 é um marco histórico dessa mesma forma útil. Tudo mudou.

Planos de dados

A primeira grande mudança foi nos planos de dados. Nos velhos tempos, basicamente não havia isso. Nos celulares antigos, vendiam-se minutos de ligação e, em menor grau, pacotes SMS. As operadoras não se preocupam muito com smartphones. Elas não estimulavam a venda deles, nem os restringiam. Contanto que você comprasse um monte de minutos, as operadoras não ligavam para o que você usasse.

Não havia lojas de apps na época, apenas um catálogo de clones horríveis de Tetris no JavaME por US$ 10 cada. Eu tinha uma série de dispositivos PalmOS durante este período. A “app store” deles era literalmente software que vinha na caixa e você tinha que instalar a partir do seu computador. Não é diferente dos computadores dos anos 80. O meu Palm Treo tinha acesso a GSM, mas era apenas uma novidade usada para sincronizar feeds de notícias ou fazer download bem lento de e-mail.

Por volta de 2006, as operadoras nos EUA começaram finalmente a ganhar redes 2G e 3G. Combinado a um navegador de verdade no iPhone, você podia enfim usar a rede de dados para tarefas reais. Isso também significava que as operadoras se envolveram mais no processo de desenvolver smartphones. Claramente dados seriam o futuro, e elas queriam controlá-lo. As operadoras pedem por recursos, mudam especificações e escolhem os vencedores.

A influência das operadoras significa que você não pode fazer uma plataforma de smartphone de sucesso sem ter um forte apoio delas. Esta é uma das coisas que condenaram o webOS nos EUA. O lançamento do Pre Plus na Verizon deveria ter sido enorme para a Palm. Ela gastou milhões em anúncios de TV para levar clientes às lojas – que saíam de lá com um Motorola Droid (Milestone). Sem ter apoio forte das operadoras, indo até os representantes de vendas, não dá para criar uma base de usuários. Até certo ponto, a Apple é uma exceção aqui, mas eles têm as suas próprias lojas e marca forte para se opor à influência das operadoras. Sem esse tipo de força, novos entrantes não têm chance.

Custo de entrada

Outra barreira à entrada no mercado de smartphones é o custo elevado de começar. Um smartphone não é mais apenas uma peça de hardware – é uma plataforma. Você precisa, pelo menos, de um sistema operacional, serviços na nuvem, e uma loja de apps com centenas de milhares de opções. Você precisa de um grupo enorme de relações com desenvolvedores. Você precisa de centenas de engenheiros altamente treinados otimizando cada driver do dispositivo. Os melhores especialistas em WebKit para ajustar seu navegador. Uma enorme equipe de marketing e milhões em dinheiro para despejar em anúncios. Você precisa de uma profunda cadeia de suprimentos com acesso aos melhores componentes. O custo de entrada é muito alto para a maioria das empresas.

Continuando com o webOS em 2011, eu estimo que a HP deveria ter gasto pelo menos US$ 1 bilhão por ano, durante três anos, para torná-lo uma plataforma rentável – e isso há dois anos. O custo só aumentou desde então. Há muito poucas empresas com esse volume de recursos, e você já conhece os nomes delas: Apple, Samsung, Google e Microsoft. Todas verticalmente integradas ou rumo a esse objetivo. Você não é uma dessas empresas.

Acesso a componentes de hardware

Smartphones precisam de um bom hardware para serem competitivos. Dado o ciclo de seis meses no mercado atual, você precisa ter acesso aos melhores componentes do mundo (Samsung), ou ter controle do seu software para otimizá-lo a rodar em hardware inferior. Preferencialmente ambos.

A Apple tem dinheiro de sobra para garantir um fornecimento de chips e vidro com anos de antecedência; você, não. Se a Apple já comprou as melhores telas, sua empresa precisa se contentar com os componentes do ano passado. Estas concessões ficam cada vez piores à medida que o tempo passa, deixando seus dispositivos ainda mais para trás na guerra pelas especificações.

Apostar no low-end

Uma solução comum para o problema de componentes é apostar no low-end. Afinal, se você não consegue obter os melhores componentes, então talvez você possa criar um celular decente com peças piores. Isso funciona até certo ponto, mas limita seu alcance de mercado e expõe você à competição no low-end. Você agora está competindo com uma enxurrada de dispositivos Android baratos de fabricantes mais ou menos conhecidas do Oriente.

Mesmo se você comprar o hardware pronto de uma dessas fabricantes low-end, agora você está em uma corrida para o fundo do poço. Seu produto se torna uma commodity, a menos que você o diferencie com sua experiência de usuário. Para isso, é preciso comunicar aos seus potenciais clientes sobre este software incrível, o que exige rios de dinheiro. A Samsung gasta centenas de milhões a cada trimestre em anúncios para a linha Galaxy S. Este caminho também exige uma interface incrível que vai distingui-lo de seus semelhantes.

Uma interface revolucionária

Mesmo com uma interface de usuário que mude paradigmas, você tem que superar todas as dificuldades que descrevi acima. A maioria das pessoas no primeiro mundo já têm smartphones, então você não só tem que convencer alguém a comprar o seu celular, como a abandonar o aparelho que eles já têm. A incrível interface de usuário tem que superar o custo da mudança. A inércia é algo poderoso aqui.

O mais provável, no entanto, é que sua nova plataforma não tenha uma interface tão drasticamente diferente. Smartphones são uma plataforma quase madura. Um smartphone daqui a cinco anos não será tão diferente do iPhone atual. Claro, ele será mais rápido e mais leve, com componentes melhores, mas ainda terá uma tela sensível ao toque com apps, botões e listas.

A menos que você já tenha descoberto como fazer uma tela levitar com puro software, você não será capaz de sacudir o mercado. O Google Glass é a coisa mais próxima que eu consigo pensar de uma interface verdadeiramente revolucionária. Colocar efeitos de vibração na rolagem de menus não é.

Não há esperança?

Então isso significa que devemos desistir? Não. A inovação deve continuar, mas temos que ser realistas. Nenhuma empresa novata tem chance de conseguir mais de 1% do mercado global. Isso ainda poderia ser um sucesso, no entanto, dependendo de como você define “sucesso”. Se o objetivo é ser rentável com alguns milhões de unidades, então você pode ser bem-sucedido. Mas você terá que se concentrar em um nicho de mercado. Eis algumas áreas que podem ainda estar abertas:

Sistemas de ponto de venda: é possível, mas é um desafio. Isto só vale para empresas, e elas têm ciclos longos de vendas. Você pode estar morto até lá. Elas também não se preocupam com a experiência de usuário, então a incrível interface de usuário não importa muito. Pequenas e médias empresas usam apps em dispositivos comuns como iPads, então talvez você esteja de volta onde começamos.

Mercados emergentes: metade do mundo pode comprar seu primeiro smartphone. Esta é uma oportunidade se você consegue entrar rápido e com hardware barato, mas você vai competir com Firefox OS e com a infinidade de Androids baratos (e talvez até contra o Windows Phone).

A Mozilla tem como alvo mercados emergentes, onde é mais provável fazer sucesso com hardware da geração passada. Mesmo assim, a Mozilla está trabalhando em parceria com operadoras locais para garantir seu sucesso, enquanto enfrenta a concorrência de dispositivos low-end com Android. Eles também têm a vantagem de ser uma organização sem fins lucrativos: o objetivo não é se tornar uma empresa rentável de telefonia, e sim manter a web aberta e livre. Isso provavelmente não é uma opção viável para você, e pode ser tarde demais até mesmo para a Mozilla seguir este caminho.

A triste verdade

Smartphones são um produto em rápido amadurecimento. Em breve, eles serão apenas commodities. Assim como eu não iria sugerir a ninguém para criar uma nova linha de PCs ou de carros, os smartphones estão se tornando um jogo de ricos. A menos que você comece com alguns bilhões de dólares, não há esperança de conseguir lucro. Talvez você possa seguir a abordagem do CyangoenMod, agregando valor a distribuições personalizadas do Android – porém com o risco de enfrentar a ira do Google.

Foi mal, pessoal. Mas há muito espaço para inovação em outras áreas.


Este post foi publicado originalmente em Josh On Design, site do engenheiro de software, pesquisador e designer Josh Marinacci. Você pode segui-lo no Twitter ou no Google+.

Este post foi republicado (com adaptações) com permissão de Josh Marinacci.

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