Anfíbios correm maior risco de desidratação com mudanças climáticas
Texto: Fernanda Zibordi* / Arte: Diego Facundini** / Jornal da USP
Os perigos das mudanças climáticas envolvem, além do aumento de temperatura, a degradação de ecossistemas pela intensificação dos períodos de seca. Maiores níveis de aridez em escala global podem afetar drasticamente regiões com fauna rica, comprometendo espécies sensíveis à disponibilidade de água. Um estudo internacional publicado na revista Nature Climate Change indicou que os anfíbios anuros (sapos, rãs e pererecas) podem desidratar até duas vezes mais rápido com o aumento da aridez.
Pelo mapeamento das áreas de ocupação dos anuros ao redor do mundo, foi previsto que entre 6,6% e 33% dos habitats desse grupo se tornarão mais áridos por volta de 2080 a 2100. Os anfíbios são a classe de vertebrados mais ameaçada de extinção, sendo a perda de seus habitats a principal causa e as mudanças climáticas, o principal condutor.
“A maior parte dos anfíbios, por terem a pele fina e altamente permeável, desidratam muito rápido. Então eles têm que ter estratégias comportamentais ou fisiológicas para evitar essa dessecação”, explica Rafael Bovo, que fez pós-doutorado no Instituto de Biociências (IB) da USP e atualmente é pesquisador na Universidade da Califórnia, Riverside, nos Estados Unidos. A pesquisa da qual Bovo fez parte procurou analisar a sensibilidade de diferentes espécies à perda de água e em quais partes do mundo elas estão sob maior risco de desidratação.
Aquecimento e taxas de desidratação
Assinado por sete pesquisadores da América, África, Europa e Oceania, o estudo se baseou na combinação de diferentes tipos de dados, que levaram cerca de três anos para serem coletados.
O primeiro tipo envolveu o mapeamento espacial das regiões habitadas por anuros no mundo. O objetivo era identificar áreas convergentes em riquezas de espécies e aumento de aridez e de secas previstas sob cenários de emissões intermediárias e altas de carbono.
Para Carlos Navas, professor titular do IB e integrante da pesquisa, a distribuição geográfica dos autores do artigo foi essencial para a tarefa desafiadora de captação dessas informações em escala global.
A outra parte dos dados foi gerada por meio de uma meta-análise (ferramenta de avaliação estatística) de estudos sobre taxas de desidratação em diferentes espécies de anuros. Entre os fatores que podem variar a sensibilidade desses animais à perda de água estão tanto suas adaptações fisiológicas quanto seu comportamento. “A pele dos anfíbios é algo extremamente ‘vivo’, ou seja, ela é cheia de glândulas e sensores”, diz Navas, ao explicar como esse órgão possui estruturas responsáveis pela secreção de substâncias que protegem e impermeabilizam esses animais.
Em relação às estratégias comportamentais, o professor destaca a quantidade de exposição dos anuros em seus períodos de atividade e a busca por esconderijos como fatores determinantes para a variação de sensibilidade. “Alguns são ativos durante a noite e procuram refúgio durante o dia, enquanto outros são ativos durante o dia e estão totalmente expostos”, afirma.
A partir da combinação dessas duas categorias de dados, foi criada uma modelagem biofísica para simular o tempo em que esses animais conseguiriam se manter ativos sob diferentes condições de seca e aquecimento. O processo considerou as relações de parentesco entre linhagens de espécies e as diferentes metodologias na obtenção dos dados.
Não basta só pegar todos os estudos, você precisa entender de que forma os dados são compatíveis, porque eles podem ter informações diferentes, cálculos diferentes. Há muita diversidade nos métodos e precisa-se de uma curadoria anterior”
Carlos Navas
Espécies ameaçadas
Além das projeções sobre o aumento dos níveis de aridez e desidratação, as simulações indicaram que, até o período de 2080 a 2100, o tempo de atividade dos anuros pode cair pela metade em cenários que combinam crescimento das secas e aquecimento climático – se comparados àqueles que consideram apenas o aumento da temperatura. Essa redução pode comprometer a alimentação, a reprodução e a dispersão desses animais no ambiente, trazendo riscos para a sobrevivência de espécies e linhagens inteiras.
Das regiões no mundo que seriam severamente afetadas, o estudo destaca os biomas da Amazônia e da Mata Atlântica. “Eles concentram os maiores números de espécies e são regiões em que os modelos climáticos indicam cada vez mais eventos de seca, seja em frequência, intensidade ou duração”, declara Bovo. Classificados como hotspots – áreas de grande biodiversidade com alto risco de extinção –, os dois biomas ainda apresentam espécies endêmicas, ou seja, exclusivas de suas regiões. “O Brasil é o país com o maior número de espécies de anfíbios do mundo e quase metade ocorre na Mata Atlântica, sendo que muitas delas só ocorrem lá”, complementa o biólogo.
O desaparecimento de anuros vulneráveis ao aumento da aridez global acarretaria o desequilíbrio de teias alimentares, com potencial de impacto em outros ecossistemas. Mais do que essa consequência, na visão de Navas, há o risco de eliminação de grandes histórias evolutivas de cada espécie extinta. “É uma perda de informação [científica] para o mundo. Uma história irrecuperável que simplesmente deixa de existir.”
Espera-se que o estudo contribua para a sinalização das principais áreas de risco climático, de modo a orientar projetos de conservação e influenciar novas investigações para regiões com faunas de anuros ainda pouco estudadas. “Mesmo que o trabalho tenha limitações, colocamos um esforço muito grande nessa base de dados, sendo que, no mínimo, ela vai mostrar alguns pontos do mundo nos quais é necessário prestar mais atenção”, conclui o professor.
O artigo Global exposure risk of frogs to increasing environmental dryness pode ser lido aqui.
Mais informações: e-mails [email protected], com Carlos Navas, e [email protected], com Rafael Bovo.
**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado
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