O que esperar da audiência antitruste com as gigantes da tecnologia no Congresso dos EUA

O objetivo da audiência é determinar se empresas cresceram muito, muito rápido e em detrimento de rivais e consumidores menores.
Ilustração: Benjamin Currie

Após um atraso compreensível, uma mudança de local e alfinetadas de todos os lados, quatro dos magnatas de negócios mais conhecidos nos EUA devem explicar aos congressistas do país como exatamente eles se tornaram tão poderosos. Sim, é um grande acontecimento, e não apenas porque será a primeira vez que Jeff Bezos será interrogado pessoalmente pelo Congresso.

Mark Zuckerberg (Facebook), Tim Cook (Apple) e Sundar Pichai (Alphabet / Google) responderam anteriormente por suas infrações, reais ou imaginadas, perante uma variedade de órgãos governamentais. Algumas dessas audiências foram puro teatro político; outras levaram a multas pesadas, embora tenha saído barato.

O objetivo da audiência desta quarta-feira (29), no entanto, é determinar se essas quatro empresas, no valor total de cerca de US$ 5 trilhões — e ostensivamente gigantes da tecnologia em geral — cresceram muito, muito rápido e em detrimento de rivais e consumidores menores.

Como chegamos até aqui?

As investigações sobre possíveis ações antitruste contra a Amazon, Google, Facebook e Apple começaram há mais de um ano.

Anunciada por David N. Cicilline, democrata de Rhode Island e chefe do Subcomitê Antitruste da Câmara dos Representantes dos EUA, em 3 de junho de 2019, o objetivo da investigação não era apenas determinar se as gigantes da tecnologia estavam envolvidas em comportamento anticompetitivo, mas para discutir “se as leis antitruste existentes, as políticas de concorrência e os níveis atuais de aplicação das normas são adequados para tratar dessas questões”. (Na humilde opinião deste repórter: não, eles não são.)

Entre lá e cá, a investigação de Cicilline reuniu cerca de 1,3 milhão de documentos comprovativos e resmas de depoimentos. Acredita-se que alguns deles serão revelados ao público pela primeira vez durante a audiência. De acordo com o Washington Post, “os parlamentares planejam produzir nos próximos meses um relatório, e alguns líderes partidários esperam que ele mostre que a indústria contornou as leis federais de concorrência”.

Jack Dorsey, do Twitter, vai estar lá?

Oi? Não.

Mas o representante rebublicano Jim Jordan escreveu uma carta convocando o homem.

Segundo o porta-voz de Cicilline: não.

Mesmo assim, é quase certeza que os republicanos vão falar de um suposto viés contra os conservadores nas mídias sociais como uma distração das questões antitruste em questão.

O deputado Matt Gaetz, membro do comitê, enviou uma carta ao Departamento de Justiça na segunda-feira exigindo uma investigação criminal sobre Zuckerberg por supostamente mentir ao Congresso em 2018 sobre o viés anti-conservador da moderação de conteúdo, então prepare-se para isso.

Você tem outras perguntas? Eu tenho outras coisas para fazer hoje.

Ok, ok. Como esses ricaços vão se livrar desta vez?

Bom, você tem razão, o histórico deles em sofrer consequências é menor do que o ideal.

Não podemos prever o futuro e as declarações desses CEOs estão sendo divulgadas aos poucos. No entanto, fontes disseram à Bloomberg que acreditam que a aposta de Zuckerberg dependerá de um apelo à xenofobia, argumentando essencialmente que qualquer enfraquecimento das empresas de tecnologia dos EUA fortalecerá necessariamente a posição das chinesas.

Historicamente, as gigantes da tecnologia frequentemente afirmavam ser um motor de inovação e crescimento econômico para o país e provavelmente continuarão a exibir essa alegada boa-fé, embora esses argumentos soem cada vez mais vazios a cada ano em que a indústria da tecnologia se consolida nos mesmos poucos monopólios.

Que tipo de sujeira o Comitê encontrou, afinal?

Que bom que você perguntou! Como mencionado, é provável que parte disso só apareça no dia, mas reportagens sugerem que pelo menos parte da ofensiva se concentrará na propensão que os gigantes da tecnologia têm para comprar ou roubar de empresas iniciantes menores.

Veja o Facebook, por exemplo, que usou sua vantagem financeira para comprar o Instagram por US$ 1 bilhão em 2012 (no ano passado, o aplicativo arrecadou cerca de US$ 20 bilhões em receita publicitária).

Em seguida, ele implantou a segunda estratégia de “pegar emprestado” recursos para aprimorar o Instagram, como as “histórias” (Stories) que somem depois de um tempo e filtros de rosto do Snapchat, que tinha recusado duas vezes as ofertas de compra do Facebook.

A Amazon também tem sido acusada repetidamente de fazer engenharia reversa em produtos de concorrentes e de integrar imitações de concorrentes no pacote de nuvem de seu serviço de hospedagem na web, o Amazon Web Services.

Da mesma forma, alega-se que a empresa usa os dados de vendas de seu setor de comércio eletrônico para saber quais produtos lançar como versões genéricas de suas marcas, como a Amazon Basics.

Sem mencionar os bilhões de dólares em aquisições menos familiares que essas empresas fizeram para comprar tecnologia de back-end promissora ou para contratar talentos. Segundo a Crunchbase, os números de aquisições são:

Parece difícil argumentar que a compra de mais de 500 empresas não teria algum tipo de impacto na concorrência…

E isso nem sequer considera investimentos estratégicos, parcerias e as inúmeras outras maneiras pelas quais essas empresas se tornam inevitáveis.

E a Apple e o Google?

Espera-se que o Google enfrente um escrutínio sobre a mão de ferro com que controla a publicidade e as buscas — uma preocupação antitruste já compartilhada por 50 advogados-gerais que estão buscando um processo neste sentido.

É provável que a Apple responda pelas práticas de comissão da App Store, um jardim murado que atualmente cobra uma fatia de 30% nas receitas dos desenvolvedores, sendo a única maneira de instalar novos softwares nos dispositivos iOS.

Novamente, muito disso é especulação com base nas informações que temos e é provável que mais venha à tona durante a própria audiência.

Por que a Microsoft não estará lá?

Sinceramente, não tenho certeza e acho que ninguém sabe direito. Brad Smith, presidente da Microsoft, testemunhou perante o Comitê Antitruste, segundo reportagem do The Information. Ao que parece, seu depoimento envolvia as preocupações da empresa com a Apple. Mas, por qualquer motivo, a Microsoft conseguiu evitar essa situação em particular.

Devo saber alguma coisa sobre quem fará o interrogatório?

A governança realmente só funciona se você participar ativamente. Mas aqui estão os membros do Comitê Antitruste da Câmara.

  • David Cicilline (D-RI, Presidente)
  • Joe Neguse (D-CO, Vice-Presidente)
  • Hank Johnson (D-GA)
  • Jamie Raskin (D-MD)
  • Pramila Jayapal (D-WA)
  • Val Demings (D-FL)
  • Mary Gay Scanlon (D-PA)
  • Lucy McBath (D-GA)
  • Jim Sensenbrenner (R-WI, Ranking Member, o membro mais velho do comitê)
  • Matt Gaetz (R-FL)
  • Ken Buck (R-CO)
  • Kelly Armstrong (R-ND)
  • Greg Steube (R-FL)

Um fato preocupante, como apontou o Business Insider na semana passada, é que Sensenbrenner possui ações das quatro empresas, por um valor combinado de mais de US$ 98.000. Por razões inconcebíveis para mim, isso não é ilegal. E, neste momento, não parece que Sensenbrenner pretende se retirar da audiência.

Mas espera aí, eles não vão se aglomerar em uma grande sala em Washington, né? Até onde eu sei, a pandemia ainda não acabou.

Temos muita sorte. Não, eles não vão até Washington. A audiência será conduzida por software de teleconferência. Este ano está dando poucos motivos para comemorar, mas se tudo correr bem, a audiência virtual resultará em menos cortadas e pelo menos uma gafe no estilo SCOTUS (ou, aqui no Brasil, no melhor estilo Gilmar Mendes).

Minha aposta é que Bezos vai esquecer de desligar o microfone enquanto assiste pornô.

Bom, o dinheiro é seu. Você que sabe.

Ou pelo menos um bebê ou gato vai invadir a câmera. Tomara. Eu estou precisando rir.

Você quer saber como assistir?

Sim, pode ser.

Não parece muito animado.

Abaixo está o link para o o YouTube. Está programado para começar às 10 da manhã no horário de Brasília, quarta-feira, 29 de julho.

Tô cansado.

Eu também.

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