Autoridade sanitária dos EUA é retirada de cargo por pedir mais provas científicas sobre hidroxicloroquina

O especialista em vacinas do governo federal dos EUA, Rick Bright, foi retirado do cargo por se recusar a apoiar as alegações da Casa Branca.
Cartelas de hidroxicloroquina
Imagem: Gerard Julien/Getty

O especialista em vacinas do governo federal dos EUA, Rick Bright, foi realocado de seu cargo nesta semana. Ele diz que irá apresentar uma queixa alegando que foi retirado do cargo por se recusar a apoiar as alegações da Casa Branca de que a hidroxicloroquina poderia acabar com a pandemia do coronavírus.

A administração do presidente Donald Trump retirou abruptamente Bright de seu cargo de diretor da Autoridade de Pesquisa e Desenvolvimento Avançado Biomédico (BARDA, na sigla em inglês), que desenvolve medidas civis de contenção a ameaças químicas, nucleares e radiológicas, bioterrorismo e pandemias, para um outro papel nos Institutos Nacionais de Saúde nesta semana.

De acordo com o New York Times, Bright disse em comunicado que resistiu à pressão para direcionar dinheiro para a droga, que ele descreveu como uma das várias “drogas potencialmente perigosas promovidas por pessoas com conexões políticas”.

Bright não foi informado de sua rescisão e só soube quando sua conta de e-mail foi bloqueada e seu nome foi removido do site da BARDA no fim de semana, como contou uma fonte ao Politico.

Trump tem afirmado repetidamente que a hidroxicloroquina, que ainda não tem um histórico comprovado contra o vírus, poderia ser um “divisor de águas” na luta contra o coronavírus. Ele não é o único presidente a defender o medicamento.

Nas semanas seguintes das declarações do presidente dos EUA, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) atualizaram seu site para instruir os médicos sobre o uso de medicamentos nos pacientes – pouco tempo depois, essas instruções foram removidas.

A revista científica que publicou um pequeno estudo francês afirmando a utilidade do medicamento, a International Society of Antimicrobial Chemotherapy, chegou a emitir uma nota dizendo que a pesquisa ficou aquém do “escrutínio científico e das melhores práticas”.

Outro estudo francês envolvendo 181 pacientes constatou que o medicamento não teve impacto estatisticamente significativo na mortalidade ou admissão na UTI, mas estava associado ao desenvolvimento de arritmia cardíaca.

Outro estudo com 368 pacientes com coronavírus nos centros médicos Veterans Affairs constatou que as taxas de mortalidade chegaram a 27,8% entre 97 indivíduos que receberam hidroxicloroquina, comparado a mortalidade de 11,4% entre o grupo de outros pacientes.

Os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA têm, desde então, aconselhado que há “dados clínicos insuficientes” para determinar se o medicamento deve ser prescrito e que os pacientes devem ser monitorados quanto a “efeitos adversos”.

No entanto, a opinião médica ainda não tem um consenso sobre esse tratamento experimental, ou seja, seria enganoso dizer que ele foi conclusivamente descartado.

Nenhuma das pesquisas até agora tem sido definitiva – inclusive a que envolve outros medicamentos. Outro estudo em Nova York, o maior até o momento, ainda não foi divulgado, e um ensaio em escala global da Organização Mundial da Saúde está em andamento.

Ao longo das últimas semanas, a mídia de direita, incluindo a favorita de Trump, Fox News, promoveu agressivamente o tratamento experimental e acusou céticos e cientistas por trás de pesquisas conflitantes de conspirar para impedir deliberadamente o público de um tratamento que salvaria vidas só para maltratar o presidente – essa tese também chegou a ser ventilada no Brasil, por perfis de militantes.

Bright alegou que ele foi removido de seu posto na BARDA depois de se recusar a dedicar consideráveis recursos financeiros de emergência ao estudo com hidroxicloroquina em vez de terapias comprovadas.

“Acredito que essa transferência foi em resposta à minha insistência de que o governo investisse os bilhões de dólares alocados pelo Congresso para enfrentar a pandemia de COVID-19 em soluções seguras e cientificamente controladas, e não em medicamentos, vacinas e outras tecnologias que carecem de mérito científico”, disse Bright em um comunicado à imprensa. “Estou me manifestando porque para combater esse vírus mortal, a ciência – não a política ou o compadrio – tem que liderar o caminho.”

Bright não citou explicitamente Trump em sua declaração, embora seja claro que a pressão política a que se referiu emanou dele e de outros altos funcionários do governo federal dos EUA: “Minha formação profissional me preparou para um momento como este – para enfrentar e derrotar um vírus mortal que ameaça os americanos e as pessoas ao redor do mundo. Até aqui, tenho liderado os esforços do governo para investir na melhor ciência disponível para combater a pandemia de COVID-19 […] Eu insisti para que esses medicamentos fossem fornecidos apenas a pacientes hospitalizados com COVID-19 confirmado, sempre sob a supervisão de um médico.”

Os funcionários da Casa Branca deram outra versão para o NYT, dizendo que Bright tinha “entrado em choque repetidamente” com o secretário assistente de saúde para preparação e resposta, Dr. Robert Kadlec, e que ele era uma “figura polarizadora” no Departamento de Saúde e Serviços Humanos.

No entanto, eles não especificaram os motivos, mas mostraram um vazamento de e-mails que foi enviado à agência de notícias Reuters na semana passada e que precisa mostrar que a Food and Drug Administration (FDA, uma agência similar à Anvisa), tinha baixado os padrões para apressar a aprovação de emergência de uma versão alternativa de hidroxicloroquina fabricada pela Bayer.

A porta-voz do Departamento de Saúde e Serviços Humanos, Caitlin Oakley, enfatizou o papel de Bright na aprovação do uso emergencial do medicamento.

“No que diz respeito à cloroquina, foi o Dr. Bright quem solicitou uma Autorização de Uso Emergencial da Food and Drug Administration (FDA) para doações de cloroquina que a Bayer e a Sandoz fizeram recentemente para a Estocagem Estratégica Nacional para uso em pacientes COVID-19”, disse Oakley ao NYT. “Os EUA é que disponibilizaram os produtos doados para combater o COVID-19”

Um ex-funcionário de alto escalão do governo dos EUA disse ao Politico que Bright havia sido removido do cargo porque “a BARDA não foi tão responsiva durante a crise” como deveria ter sido, acrescentando que “em vez de priorizar terapias que poderiam estar disponíveis em semanas, Bright focou em produtos que levariam semanas ou meses”.

O Politico escreveu que um exemplo disso poderia ser que BARDA esperou cinco semanas após a declaração de uma emergência de saúde pública para solicitar propostas de desenvolvimento de tratamentos contra o coronavírus, embora a declaração do ex-funcionário ao site também pudesse ser interpretada como uma tentativa clara de criar uma narrativa amigável à Casa Branca em torno do ceticismo de Bright em relação à hidroxicloroquina.

Outra fonte disse ao NYT que Bright tinha sido pressionado a apressar a aprovação da droga depois que Trump falou sobre ela com o presidente da Oracle, Larry Ellison, uma das várias figuras próximas à Trump que têm promovido a hidroxicloroquina e não tem formação médica.

O NYT escreveu que a fonte disse que Bright foi “direcionado a colocar em prática um programa de acesso expandido em todo o país para tornar as drogas disponíveis em uma base ampla sem controles específicos.”

Segundo a CNN, Bright foi afastado, mas se recusa a renunciar ao seu posto.

Trump, que tem um histórico de mentir ao dizer que desconhece pessoas envolvidas em escândalos e polêmicas, disse nesta quarta-feira (22) que nunca ouviu falar de Bright.

“Você acabou de mencionar o nome, eu nunca ouvi falar dele”, disse Trump aos repórteres. “Quando isso aconteceu? Eu nunca ouvi falar dele. O cara diz que ele foi expulso de um emprego. Talvez ele tenha sido. Talvez ele não tenha sido; eu teria que ouvir o outro lado. Eu não sei quem ele é.”

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