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Bactérias flutuando a 9.144 metros de altitude podem estar influenciando o clima

Nós, humanos, costumamos nos orgulhar de nossa capacidade de nos adaptar, mas as bactérias têm nos derrotados nesse jogo há bilhões de anos. Nossos irmãos microbianos criaram nichos em alguns dos ambientes mais hostis da Terra, de fontes hidrotermais do fundo do mar a lagos na Antártica. Algumas criaturas resistentes conseguem sobreviver até mesmo em […]

Nós, humanos, costumamos nos orgulhar de nossa capacidade de nos adaptar, mas as bactérias têm nos derrotados nesse jogo há bilhões de anos. Nossos irmãos microbianos criaram nichos em alguns dos ambientes mais hostis da Terra, de fontes hidrotermais do fundo do mar a lagos na Antártica. Algumas criaturas resistentes conseguem sobreviver até mesmo em uma camada superior da nossa atmosfera chamada estratosfera — onde um estudo recente sugere que elas podem ter a capacidade de impactar nosso clima, nossas plantações e até mesmo nossa saúde.

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Nossa compreensão de micróbios atmosféricos ainda está se desenvolvendo, com grande parte da pesquisa até hoje focada na troposfera, a camada em que vivemos e respiramos. Em 1979, Russell Schnell, agora vice-diretor da Divisão de Monitoramento Global da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos EUA, se perguntou por que as plantações de chá no oeste do Quênia tinham um possível recorde mundial de granizo. Ele descobriu que o patógeno vegetal Pseudomonas syringae, que era expelido no ar pelas pessoas que coletavam o chá, era em parte culpado, porque os cristais de gelo se formam mais rapidamente ao redor das membranas dos micróbios amantes do chá.

Evidências para esse processo, chamado de bioprecipitação, foram encontradas desde então ao redor do mundo, com uma série de diferentes culpados microbianos. Uma pesquisa recente mostrou que os micróbios conseguem impactar a formação e a cobertura de nuvens e até mesmo o brilho do céu em um grau surpreendente. A atmosfera mais baixa está cheia não apenas de fazedores de chuva, mas também de organismos que levam doenças aonde quer que os ventos os soprem. À medida que a mudança climática altera padrões de clima em todo o mundo, existe um interesse crescente em quantificar os efeitos dessas bactérias.

Mas ainda faltam dados fundamentais. “Ainda não temos, como cientistas, um orçamento muito bom para a quantidade de biologia em nossa atmosfera”, disse Daniel Cziczo, professor de Química Atmosférica no MIT, em entrevista ao Earther.

Isso porque existe muito ar, e muito dele é difícil de pegar e tirar amostras sem nenhuma contaminação. “Existe uma escassez de sistemas disponíveis para experimentos científicos, seja fazendo coleções ou realizando exposições controladas de espécimes biológicos”, afirmou David Smith, microbiólogo sênior do Centro de Pesquisa Ames, da NASA, em conversa com o Earther.

E se não sabemos o bastante sobre a troposfera, sabemos ainda menos sobre a estratosfera, que começa em altitudes de cerca de dez mil metros em latitudes médias. Sabemos, no entanto, que mesmo no ar seco e fino da estratosfera, onde as temperaturas podem cair para até -51 ºC, um pequeno mas resistente grupo de micróbios está sobrevivendo, como aponta Priya DasSarma, cientista de pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de Maryland, em um novo artigo de revisão.

Junto com potenciais impactos no clima, DasSarma escreve que essas bactérias que vivem lá no alto podem espalhar alérgenos ou até mesmo doenças. “Algumas cepas isoladas da estratosfera são patogênicas para plantas e animais, e foi provado que as isoladas clínicas sobrevivem nessas altas elevações”, afirma o artigo de revisão. “As potenciais implicações médicas e na saúde pública sublinham a necessidade de pesquisas mais detalhadas do transporte microbiano pela atmosfera, além de investigações sobre seus mecanismos de sobrevivência.”

A ideia de que micróbios podem se espalhar tão profundamente pela atmosfera não é nova — uma pesquisa da década de 1990, por exemplo, mostrou que bactérias pegavam uma carona da África até a Flórida a cada verão em poeira mineral do Saara. E o transporte de longa distância é mais eficiente em grandes altitudes, graças à presença de correntes de jatos, as correntes mais rápidas na Terra.

Mas Cziczo acha que o risco levantado pelo novo estudo — de que uma via atmosférica superior poderia estar acelerando a propagação de doenças pelo mundo — é um exagero. Ele acredita que precisamos saber mais sobre a camada mais baixa da atmosfera antes de começarmos a nos preocupar com o que está acontecendo mais acima. “(Isso) Parece estar uns passos adiante no futuro em relação a onde estamos agora”, disse.

Christner concordar que, embora provavelmente não seja uma preocupação imediata, a estratosfera é um “meio viável” para patógenos se moverem, sendo carregados de um continente para outro. Ele suspeita que patógenos vegetais (não humanos) são mais propensos a serem transportados, já que existem muito mais deles.

Toda essa pesquisa em crescimento assume uma nova urgência diante da mudança climática: em um mundo com mais tempestades, mais micróbios serão arrastados pelo vento para a camada mais baixa da atmosfera. De lá, alguns vão alcançar a estratosfera, principalmente por meio de eventos que misturam o ar verticalmente. À medida que outras regiões fiquem mais secas, “existe mais possibilidade de se mobilizar e aerossolizar a poeira — levar mais coisa para a atmosfera em geral”, disse Christner.

Atualmente, qualquer impacto que os micróbios estratosféricos possam ter não está sendo levado em conta nas previsões de mudança climática. Todos os cientistas apontaram para a necessidade de se entender melhor o que está no ar acima de nossas cabeças, para que possamos ter uma linha de base para entender mudanças futuras.

Imagem do topo: Mika-Pekka Markkanen (Wikimedia)

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