Besouro alien descoberto por brasileiro é mistério evolutivo; entenda
Em 1991, o naturalista sueco Richard Baranowski estava na cidade de Oaxaca, no México, em mais uma viagem para coletar insetos – sua paixão. Foi quando ele encontrou um besouro de 3 milímetros, no chão de uma floresta de pinheiros e carvalhos, a 2.900 metros de altitude.
Desde então, o besouro ficou na coleção científica da Universidade de Lund, na Suécia, à espera de um biólogo que escolhesse estudá-lo. E assim passou despercebido até Vinicius Ferreira, pesquisador do Canadian Museum of Nature, conhecê-lo. “Eu sempre quis descrever alguma espécie em homenagem ao xenomorfo, do filme ‘Alien’. Quando eu bati o olho, soube que era a oportunidade perfeita.”
O besouro alien, como o nome sugere, é diferente de tudo que se conhecia até então. A nova espécie, batizada de Xenomorphon baranowskii, não tem asas nem élitros – uma estrutura característica de besouros adultos que protege as asas do inseto e levanta como uma capa quando ele voa.
Os biólogos consideram uma característica-chave no sucesso evolutivo destes bichos: os élitros protegem o corpo dos besouros, defendendo-os contra predadores, permitindo que eles explorem lugares apertados e impedindo que eles se afoguem em ambientes aquáticos.
Por que o X. baranowskii não tem essa super proteção? Em estudo publicado este mês no Zoological Journal of the Linnean Society, Vinicius descreve a espécie e levanta possíveis vantagens evolutivas da ausência de élitros junto com outros três pesquisadores (incluindo o brasileiro Felipe Barbosa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro).
O mistério do besouro alien
Desenvolver um par de asas representa um grande custo energético para um indivíduo. Este é um dos motivos para que muitas espécies de insetos, ao longo de sua história evolutiva, tenham perdido a capacidade de voar. Existem cerca de 400 mil espécies de besouros conhecidas, e muitos grupos deste bichinho perderam as asas ou reduziram seus élitros.
Mas não se conhecia nenhuma espécie de besouro totalmente sem élitros até agora – apenas indivíduos fêmeas. Elas são exceções: são casos de besouros afetados pela pedomorfia, uma síndrome em que indivíduos adultos conservam características de jovens.
Esse é um fenômeno relativamente comum entre a família de besouros Lycidae, parentes próximos dos vaga-lumes, que inclui nosso amigo alienígena. Faria sentido: o espécime desprovido de asas e capa é mais um caso raro de besouro afetado pela pedomorfia. Ufa, resolvido. Próxima questão. Só que não.
O besouro alien encontrado por Baranowski é um macho. E nunca se encontrou um besouro macho que tenha perdido seus élitros por conta da pedomorfia. E mais: como Vinicius explicou ao Giz Brasil, o besouro não tem características morfológicas geralmente associadas à síndrome.
“Geralmente, o inseto tem pernas mais longas, antenas mais sofisticas, uma genitália bastante simplificada e uma boca quase não funcional [de tão simples].” O espécime de Oaxaca não tem, portanto, a carinha de um indivíduo pedomórfico. Ele pode ser um caso raríssimo – e diferente de tudo que conhecíamos. Ou a explicação pode ser outra.
Outra hipótese é que todos os indivíduos da espécie, fêmeas e machos, não têm élitros nem asas porque evoluíram para ter um corpinho especializado para os desafios daquele habitat específico. “Provavelmente essa espécie não ocorre em nenhum outro lugar”, afirma Vinicius. “E este ambiente muito alto, certamente é muito inóspito, com muito vento. Não é muito interessante voar.”
Sem a capacidade de voar, os besouros teriam mobilidade super reduzida. Para que encontrar um parceiro (uma das missões primárias de todo bicho neste planeta) não seja um baita desafio, eles estariam isolados num micro habitat.
Segundo Vinicius, isso representa uma vantagem no quadro geral: se há várias espécies concentradas e especialistas em microhabitats, há espaço para que mais espécies de besouros prosperem, cada uma no seu quadrado.
Qual é a resposta?
Estas são todas hipóteses, e não há como testá-las neste momento. Afinal, nós só conhecemos um espécime do besouro alien. Para confirmar ou descartar alguma possibilidade, precisamos encontrar mais espécimes do bichinho milimétrico para comparar ao atual e conhecer mais características. Vinicius espera que isso aconteça num futuro próximo, com expedições de pesquisa à cidade mexicana.
E se encontrarmos uma fêmea também sem élitros nem asas? Legal: a situação é coerente com a hipótese de que a espécie era diferentona mesmo, sem ambas as estruturas. E se encontrarmos uma fêmea com as características de um besouro normal? “Aí… vamos ter que pensar tudo de novo”, diz o biólogo, ciente de que o Xenomorphon pode ser ainda mais alienígena do que sabemos agora.