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Bombas de gás lacrimogêneo são perigosas e deveriam ser ilegais

Embora seja considerado uma arma não letal, o gás lacrimogêneo é muito mais perigoso do que parece – especialmente em meio a uma pandemia global.

Policiais com equipamentos de choque empurram manifestantes que estavam próximos da Casa Branca em 1º de junho de 2020, durante protesto contra a morte de George Floyd

Crédito: Jose Luis Magana/Getty

A bomba de gás lacrimogêneo é uma arma química proibida na guerra, mas a polícia dos EUA a utilizou diversas vezes contra pessoas que protestavam pelo fim da brutalidade policial e da violência a pessoas negras nesta semana. Além disso, ela é utilizada frequentemente na dispersão de protestos no Brasil e em vários outros locais do mundo.

Embora seja considerado uma arma não letal, o gás lacrimogêneo é muito mais perigoso do que parece – especialmente em meio a uma pandemia global.

Há diferentes tipos de produtos químicos disponíveis para os chamados agentes de controle de tumultos. O ingrediente mais comum usado hoje no que chamamos de gás lacrimogêneo é o 2-clorobenzilideno malononitrilo, ou CS.

Embora também seja utilizado como spray, a forma de gás lacrimogêneo do CS é na verdade um pó que é aerossolizado quando a lata ou granada que o contém explode.

Os potenciais danos do gás lacrimogênio

Como o nome implica, os efeitos imediatos da exposição ao CS incluem uma irritação intensa e dolorosa dos olhos que causa choro, espasmos e prurido. Mas o produto químico também pode afetar praticamente todas as partes do corpo com as quais entra em contato.

Uma análise científica de 2016 apresenta a lista de efeitos do gás lacrimogêneo sobre a saúde. Na pele, pode causar vermelhidão, prurido, erupções cutâneas e bolhas. Quando inalado, o gás causa acessos de tosse que podem progredir até asfixia e aperto no peito. Em nossos olhos, uma dose a curta distância pode causar sangramento, rasgamento das córneas e possivelmente até mesmo danos traumáticos aos nervos.

Esses efeitos deveriam ter curta duração e serem relativamente leves, mas essas suposições vêm em grande parte de experimentos iniciais com animais e pequenos estudos envolvendo homens jovens e saudáveis. Como o gás lacrimogêneo se tornou mais amplamente utilizado pela polícia em cidadãos ao redor do mundo nas últimas décadas, as evidências do mundo real não são tão belas.

Por exemplo, um estudo de 2014 envolvendo pessoas que vivem na Turquia – um país com um longo histórico de instabilidade política e protestos – descobriu que aqueles que foram repetidamente expostos a gases lacrimogêneos tinham o dobro da probabilidade de ter problemas respiratórios do que um grupo de controle, e que também tinham maior risco de desenvolver bronquite crônica.

Não há pesquisas sobre isso, mas parece lógico que uma pessoa que entrou em contato com gás lacrimogêneo possa ser mais suscetível à COVID-19. Outros estudos têm documentado queimaduras químicas em massa causadas pela explosão da granada ou por uma dose pesada do CS, bem como lesões oculares graves.

Aconteceram também inúmeros óbitos ou lesões debilitantes atribuídas ao uso de gás lacrimogêneo. Algumas vezes, essas mortes são causadas pelo impacto físico de granadas lançadas a curta distância – algumas armas são capazes de atirá-las a mais de 300 km/h.

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) observa que o gás lacrimogêneo pode causar “morte imediata” a partir de queimaduras graves na garganta e nos pulmões.

O spray de pimenta, o outro tipo mais comum de agente químico anti-tumulto, também está longe de ser inofensivo. Estudos têm associado a inalação de altas doses a “efeitos cardíacos, respiratórios e neurológicos adversos, incluindo arritmias e morte súbita.”

Exposições com risco de vida a gases lacrimogêneos e spray de pimenta são provavelmente mais comuns quando são usados em ambientes internos e/ou em pessoas com problemas respiratórios pré-existentes, como asma.

Alguns manuais de treinamento da polícia aparentemente desaconselham o uso de gás lacrimogêneo em espaços confinados, mas um homem em Washington D.C. diz que a polícia atirou gás lacrimogêneo em sua casa na segunda-feira à noite, depois de ter convidado manifestantes que também estavam sendo atacados com spray de pimenta pela polícia.

Segundo Dan Kaszeta, especialista em segurança que escreveu sobre os riscos do gás lacrimogêneo e outros agentes químicos na revista Nature e em outros lugares, a utilização injustificada ou insegura de gás lacrimogêneo pela polícia tende a ser a regra e não a exceção.

“O gás lacrimogêneo é frequentemente utilizado sem o devido cuidado com as consequências de seu emprego. Muitos dos usos observados nos últimos dias são problemáticos. O gás lacrimogêneo é originalmente destinado a dispersar multidões, mas muitas multidões têm direitos legais de se reunirem”, disse Kaszeta ao Gizmodo por e-mail.

Outra camada de perigo: COVID-19

A pandemia de COVID-19 acrescentou outra camada de perigo ao uso de gás lacrimogêneo durante os protestos, segundo Peter Chin-Hong, um especialista em doenças infecciosas da Universidade da Califórnia em San Francisco.

“Suponha que alguém tem COVID-19 e recebe gás lacrimogêneo. O que vai acontecer? Bem, eles vão tossir mais, espalhar todas aquelas gotículas pelo ar e vão gritar de dor. Isso não é nada inteligente”, disse Chin-Hong ao Gizmodo pelo telefone. Outro risco mais especulativo é que a irritação da boca e do nariz causada pelo gás lacrimogêneo pode tornar as pessoas não infectadas mais suscetíveis a qualquer infecção respiratória, incluindo a COVID-19, acrescentou.

Sven-Eric Jordt, biólogo da Duke University, cuja equipe tem estudado os riscos à saúde do gás lacrimogêneo desde o início dos anos 2000, teme de forma semelhante como o gás lacrimogêneo pode agravar a pandemia.

“Estou chocado com o uso em massa que estamos vendo atualmente, especialmente no contexto da pandemia de COVID-19”, disse ele ao Gizmodo, acrescentando que quaisquer complicações poderiam ser ainda piores para as pessoas negras que participam dos protestos, já que elas já possuem um risco maior de contrair a doença e podem estar mais propensas a desenvolver doenças graves por não terem acesso ao sistema de saúde.

Chin-Hong ajudou a criar uma carta aberta para que especialistas em saúde pública assinassem e expressassem sua solidariedade com os protestos e que também pede estratégias para diminuir o risco de propagação de COVID-19 durante as manifestações. A principal recomendação é que a polícia deixe de usar gás lacrimogêneo. Até agora, disse ele, a carta já foi assinada por mais de 1.000 pessoas.

Os veículos de mídia dos EUA, assim como inúmeras publicações nas redes sociais, continuam documentando o uso indiscriminado de gás lacrimogêneo e spray de pimenta pela polícia contra manifestantes pacíficos e jornalistas, no entanto.

Em Indiana, por exemplo, Balin Brake, 21 anos, editor de uma emissora de televisão local, perdeu seu olho esquerdo após ter sido atingido por uma lata de gás lacrimogêneo durante um protesto. (A polícia negou que a lesão tenha sido intencional). Jornalistas em Minneapolis também relataram que a polícia disparou contra eles com gás lacrimogêneo à queima-roupa.

O gás lacrimogêneo é famoso por ser proibido de ser usado na guerra por vários tratados internacionais. Mas governos ao redor do mundo tem permitido que ele seja usado contra seus próprios cidadãos. O fato dessa arma química estar sendo utilizada amplamente mais uma vez é mais um exemplo da brutalidade policial sistêmica – o principal motivo dos protestos nos EUA.

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