Casa Branca diz que EUA não participarão de iniciativa global da OMS para desenvolver vacina contra COVID-19

Os EUA não contribuirão com um esforço internacional para desenvolver uma vacina para o SARS-CoV-2, porque ele envolve, a OMS e a China.
Foto: Fabrice Coffrini/AFP/Getty Images

Os EUA não contribuirão com um esforço internacional para desenvolver uma vacina para o SARS-CoV-2, o novo coronavírus que causa COVID-19, porque ele envolve, nas palavras da Casa Branca, a “corrupta Organização Mundial da Saúde” e a China.

De acordo com o Washington Post, os EUA não vão participar da COVID-19 Vaccines Global Access (Covax) Facility, um esforço conjunto de vacinas contra o coronavírus administrado pela OMS, pela Coalition for Epidemic Preparedness Innovations e pela aliança de vacinas Gavi. A iniciativa recebeu declarações de interesse de 170 países.

O envolvimento da OMS irritou o governo dos EUA. O presidente do país, Donald Trump, havia anunciado que os EUA cortariam o financiamento para a organização anteriormente neste ano, mentindo sobre a forma como ela lidou inicialmente com os surtos na China e alegando que ela havia contribuído para encobrir a questão.

“Os Estados Unidos continuarão a envolver nossos parceiros internacionais para garantir que derrotemos este vírus, mas não seremos limitados por organizações multilaterais influenciadas pela corrupta Organização Mundial da Saúde e pela China”, disse Judd Deere, porta-voz da Casa Branca ao Post.

A OMS, sem dúvida, cometeu erros ao lidar com o coronavírus, como a demora para reconhecer a proporção pandêmica que ele havia tomado. Ela também enfrentou acusações de não reconhecer que o governo chinês estaria encobrindo os primeiros grupos de coronavírus (não há evidências de que a OMS tenha feito isso deliberadamente). Mas a organização é fundamental para a luta global contra o vírus.

O objetivo da Covax é coordenar os esforços das nações signatárias no desenvolvimento de pelo menos nove vacinas candidatas contra o coronavírus e na distribuição de qualquer uma delas que venha a funcionar. Isso seria feito de forma equitativa em todo o mundo, priorizando os indivíduos mais vulneráveis ​​primeiro.

Ao dispensar a OMS e a Covax, Trump e sua equipe estão dobrando a aposta de que os EUA desenvolverão sua própria vacina e, então, terão menos obrigação de compartilhá-la. Trump prometeu que uma vacina estará disponível ainda este ano, apesar de não haver evidências científicas que sirvam de base para essa afirmação.

De acordo com o Post, um alto funcionário da administração, bem como um ex-funcionário, confirmaram que o interesse dos Serviços Humanos e de Saúde e do Departamento de Estado em participar foi rejeitado por partidários da linha dura do governo. Se os EUA não conseguirem desenvolver uma vacina, não participar da Covax poderia teoricamente atrapalhar a nação. O jornal, no entanto, reconhece que, caso haja sucesso, o país poderia até estocar vacinas:

Houve resistência em alguns setores do governo e uma crença de que os Estados Unidos têm vacinas candidatas suficientes em testes clínicos avançados, o que seria suficiente para o país ficar por sua própria conta, de acordo com o funcionário e com um ex-funcionário sênior do governo que souberam disso em discussões privadas.

A abordagem “América em primeiro lugar” do governo em relação ao assunto será influenciada por quem vencer a corrida por uma vacina segura.

O pior caso possível, que é muito improvável, dizem os especialistas, é que nenhuma das vacinas candidatas dos EUA seja viável, deixando o país sem opção por ter evitado a iniciativa Covax.

Outra possibilidade é que uma vacina norte-americana dê certo, mas o país acumule doses, vacinando um grande número de americanos, incluindo aqueles de baixo risco, enquanto outros países ficam sem.

Acumular é provavelmente o objetivo. A Casa Branca deu um passo além dos outros países e blocos ricos que gastaram bilhões para garantir acesso prioritário a uma vacina e capacidade de fabricação, aplicando uma lógica de corrida armamentista ao assunto.

Os EUA trataram amplamente o desenvolvimento de vacinas como um assunto de propriedade e compraram pelo menos 800 milhões de doses de seis vacinas com antecedência, com a opção de comprar um bilhão a mais.

Um resultado provável é que os EUA — e outros, como a Grã-Bretanha, a União Europeia e o Japão, que estão participando da Covax, mas protegeram suas apostas com enormes compras privadas — monopolizem a capacidade de manufatura global.

“A implicação é que vamos ter pessoas morrendo nos Estados Unidos se não houver uma vacina dos EUA. E, por outro lado, estamos preparados para deixar pessoas ao redor do mundo morrerem caso a vacina descoberta seja dos EUA” , disse Dean Baker, co-fundador do Center for Economic and Policy Research, à Jacobin.

Ainda há tempo para o governo Trump reverter a decisão, segundo o Post, e outra opção para evitar uma saia justa inclui financiar o programa por meio do Gavi, que é fortemente apoiado pelos EUA.

De acordo com um monitoramento do New York Times, existem atualmente dezenas de vacinas em testes de Fase 1 (que verificam a segurança, a dosagem e a estimulação do sistema imunológico) ou mais adiante no processo, como Fase 2 (testes de segurança estendido) ou Fase 3 (grandes ensaios clínicos).

Globalmente, existem 23 vacinas candidatas em Fase 1, 14 em Fase 2 e nove em Fase 3. Três dos ensaios de Fase 3 estão ocorrendo nos EUA.

Três vacinas foram aprovados para uso limitado na Rússia e na China, embora os especialistas digam que o processo foi apressado e que essas vacinas não foram realmente comprovadas como seguras ou eficazes. Mais tarde, o governo russo tornou a aprovação dependente do sucesso dos testes de Fase 3 expandidos, depois que sua abordagem foi considerada imprudente pela comunidade médica internacional. Nenhuma vacina foi oficialmente aprovada pelas agências regulatórias para uso generalizado.

Trump tem procurado maneiras de lançar uma vacina antes das eleições de novembro de 2020, independentemente de ela ter sido testada e aprovada de forma adequada pela Food and Drug Administration (órgão com atribuições semelhantes às da Anvisa no Brasil).

De acordo com o USA Today, a parceria liderada pela Casa Branca para desenvolver rapidamente uma vacina (apelidada de Operação Warp Speed) vem tentando desenvolver uma rede logística que possa distribuir uma vacina até 1º de novembro, dois dias antes das eleições.

Stephen Hahn, comissário da FDA, indicou recentemente em uma entrevista ao Financial Times que a agência pode emitir uma autorização de uso de emergência antes que os testes de Fase 3 sejam concluídos.

“Se uma vacina obtiver uma [autorização de uso de emergência] e não funcionar ou representar um risco significativo de segurança, causaria um dano tremendo”, tuitou Angela Rasmussen, virologista da Universidade de Columbia, em 30 de agosto. “Se uma vacina não for segura, pode prejudicar todas as pessoas que a tomarem. Mesmo que seja segura, se não for eficaz, pode prejudicar indiretamente as pessoas, dando-lhes uma falsa sensação de segurança, de que estão protegidas. Ambas as situações seriam extremamente prejudiciais à saúde pública.”

Rasmussen escreveu que o lançamento de uma vacina que não foi devidamente examinada seria um “golpe catastrófico” para a confiança do público nas vacinas e no processo regulatório, acrescentando que o lançamento politicamente motivado de tal vacina poderia “destruir a confiança pública na medicina como uma prática baseada em evidências.”

“Quando os EUA dizem que não vão participar de nenhum tipo de esforço multilateral para garantir vacinas, é um verdadeiro golpe”, disse Suerie Moon, co-diretora do Centro de Saúde Global do Instituto de Pós-Graduação de Estudos Internacionais e de Desenvolvimento em Genebra. “O comportamento dos países em se tratando de vacinas nesta pandemia terá repercussões políticas que vão além da saúde pública. No fim das contas, alguns serão considerados parceiros confiáveis, enquanto outros serão ‘os donos da bola’.”

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