Órgão dos EUA retira texto com instruções de uso da hidroxicloroquina para tratar coronavírus

Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) alteraram o texto em seu website removendo a orientações para o possível uso de hidroxicloroquina e cloroquina pelos médicos.
Frasco de hidroxicloroquina
Imagem: David J. Phillip/AP

Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) alteraram o texto em seu website removendo a orientações para o possível uso de hidroxicloroquina e cloroquina pelos médicos.

Os medicamentos se tornaram conhecidos após o presidente dos EUA, Donald Trump, insinuar que eles curariam o COVID-19, doença causada pelo novo coronavírus. No Brasil, o presidente também insiste que a droga é a principal solução para a doença e chegou a citá-la mais de uma vez em pronunciamentos oficiais. Apesar da crença desses políticos, o medicamento ainda está sendo testado pelos cientistas.

De acordo com a Reuters, a página intitulada “Informações para médicos sobre opções terapêuticas para pacientes com COVID-19” foi alterada no início desta semana. Anteriormente, o material dizia que a hidroxicloroquina e cloroquina tinham “atividade in-vitro contra o SARS-CoV, SARS-CoV-2 e outros coronavírus, com a hidroxicloroquina tendo potência relativamente maior contra o SARS-CoV-2.”

Embora a página afirmasse que “a dose e duração ideais da hidroxicloroquina para o tratamento de COVID-19 são desconhecidas”, também listava as possíveis doses “relatadas anedoticamente” pelos médicos.

Nesta terça-feira (9), foram cortados vários parágrafos do texto, que agora diz somente que ensaios clínicos estão em andamento, bem como que a Food and Drug Administration (FDA, órgão equivalente à Anvisa) aprovou o uso emergencial do medicamento para pacientes não elegíveis para participar desses estudos.

Segundo a Reuters, especialistas consideraram a linguagem original do texto extremamente incomum, já que o CDC normalmente não recomenda ações baseadas em evidências anedóticas (prova com amostra pequena). A página também mencionava apenas brevemente os efeitos colaterais graves cardíacos, conhecidos por se desenvolverem em alguns pacientes que tomam hidroxicloroquina e azritomicina.

O cardiologista genético da Mayo Clinic, Dr. Michael Ackerman, disse à NBC News que os medicamentos são “seguros” quando administrados adequadamente, isso não significa que eles são seguros para tratar todos os pacientes.

As estimativas do número da população que se enquadra no que Ackerman chamou de “zona de perigo” chega a 11% (porém, o estudo que chegou a esse número envolveu apenas 84 pacientes). Enquanto isso, os comentários de Trump ajudaram a impulsionar a demanda pela droga, deixando pacientes com lúpus e artrite reumatoide que realmente dependem dela para tratar seus sintomas preocupados com a escassez.

“Por que o CDC publicaria evidências anedóticas?”, disse Lynn Goldman, reitora da Escola de Saúde Pública do Instituto Milken da Universidade George Washington, à Reuters. “Isso não faz sentido. Isso é muito incomum. ”

O ex-reitor da Harvard Medical School, Jeffrey Flier, disse à Reuters que a versão revisada “afirma os fatos sem, de fato, recomendar que os médicos prescrevam os medicamentos, apesar da falta de evidências adequadas.”

À medida que a escala da pandemia em curso se tornou clara, Trump elogiou as duas drogas com termos como “um divisor de águas”, “algo realmente incrível” e “parece ser muito, muito bom” quando combinado com azitromicina. O New York Times publicou uma reportagem que diz que o uso da hidroxicloroquina divide a comunidade médica e cita que Trump possui conexões com a Sanofi, farmacêutica francesa que produz a droga.

Dizer que a ação do presidente dos EUA – acompanhada pelo presidente do Brasil – foi precipitada é eufemismo, pois as evidências disponíveis sobre a droga são bidirecionais.

A avaliação inicial de Trump sobre a droga foi baseada em um estudo francês de pequena escala publicado pela Sociedade Internacional de Quimioterapia Antimicrobiana – que desde então emitiu um comunicado dizendo que a pesquisa não atendia ao seu “padrão esperado” e falhou em atender ao “escrutínio científico e melhores práticas”. A entidade também alegou que Jean-Marc Rolain, que era editor-chefe e co-autor do estudo, não tinha envolvimento em seu processo de revisão por pares antes da publicação.

Art Caplan, chefe da divisão de ética da Faculdade de Medicina da Universidade de Nova York, disse à CNN que a pesquisa francesa era “patética”, observando que os autores excluíram seis casos de seu grupo inicial de 26. Esses seis foram retirados do estudo por várias razões: três foram para tratamento intensivo, um morreu, outro deixou de tomar o medicamento após passar por efeitos colaterais e um deles nem possuía coronavírus.

Outras evidências foram anedóticas. Vladimir Zelenko, médico de família em Kiryas Joel, Nova York, virou notícia após afirmar que havia tratado centenas de pacientes com hidroxicloroquina, azritomicina e sulfato de zinco, alcançando uma taxa de sobrevivência de 100%.

Um médico de Los Angeles, o Dr. Anthony Cardillo, CEO da Mend Urgent Care, também afirmou que o prescreveu a pacientes “muito, muito doentes e dentro de 8 a 12 horas, eles estavam basicamente livres de sintomas.”

O chefe de farmacologia clínica da Universidade de Toronto, Dr. David Juurlink, pediu cautela sobre essas alegações, dizendo ao New York Times que “qualquer pessoa que disser que esses medicamentos funcionam ou não funcionam, não está baseando essa visão na ciência.”

De acordo com a NBC News, os médicos que lidam com pacientes gravemente doentes em UTIs em todo os EUA não relataram um impacto notável da prescrição de pacientes com hidroxicloroquina.

“Quando você dá a alguém que já está super doente, provavelmente não causará impacto porque o dano já está feito”, disse à NBC o Dr. Ken Lyn-Kew, pneumologista do hospital Nacional de Saúde Judaico de Denver. “Não estou convencido de que funcione […] não vi ninguém com nada próximo do que eu chamaria de recuperação milagrosa por causa da hidroxicloroquina.”

Um argumento similar foi ventilado no Brasil pelo virologista Paolo Zanotto, doutor pela Universidade Oxford e professor no Instituto de Ciências Biomédicas da USP. Ele se opõe ao uso da hidroxicloroquina apenas para pacientes graves e diz que a droga deveria ser utilizada em fases anteriores da doença.

Atualmente, o Ministério da Saúde indica o uso da droga para “pacientes críticos, aqueles que ficam em CTIs, quanto para qualquer paciente em hospital, o moderado”. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM), afirmou que o protocolo não será alterado enquanto não haver evidências científicas robustas sobre segurança e eficácia da droga para pacientes leves, mas observou que médicos sempre puderam receitar o tratamento, assumindo riscos e responsabilidades.


Tradução: ESCUTEM ? Há pacientes com lúpus, artrite e outras condições que já tomam hidroxicloroquina. E estamos os diagnosticando com COVID-19 a torto e a direito. Se funciona, não é tão bom quanto você espera que seja. E não me dê desculpas esfarrapadas de “resistência” à droga. ESTUDEM AS DROGAS!

No entanto, essa incerteza vai nos dois sentidos. Tracey disse à CNN que, apesar da baixa qualidade do estudo francês, outros pequenos estudos demonstraram que o medicamento pode funcionar e suas propriedades anti-inflamatórias podem ajudar a impedir que os pacientes com COVID-19 experimentem uma resposta imune potencialmente fatal chamada tempestade de citocinas.

Juurlink disse ao NYT que “há motivos para ser otimista e também para ser pessimista.”

O Brasil também está realizando testes clínicos com a hidroxicloroquina e, como acontece no exterior, os resultados são ambíguos. Um estudo da Prevent Senior afirma que 300 pacientes já tiveram alta após utilizarem o medicamento, enquanto um outro estudo preliminar da Fiocruz e da Fundação de Medicina Tropical mostra que a taxa de mortes com cloroquina equivale à de quem não usa.

“Os otimistas podem achar que [a taxa com o uso da cloroquina] é menor. Os pessimistas podem achar que é igual. Estatisticamente, é igual, na margem de confiança”, disse o infectologista Marcus Lacerda, da Fiocruz, que participa do estudo, à Folha de S. Paulo.

Enquanto isso, a página do CDC reitera: “Não existem medicamentos ou outras terapias aprovadas pela FDA dos EUA para prevenir ou tratar o COVID-19”. A página já não lista as doses sugeridas para os pacientes.

Não há torcida contra o medicamento – um tratamento eficaz é, de fato, o que precisamos. Mas é preciso passar por algumas etapas, mesmo em momento de emergência, antes que um tratamento seja amplamente utilizado, com mais benefícios do que malefícios.

Colaborou: Alessandro Feitosa Jr.

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