Centro de tortura da ditadura estava disponível para aluguel no Airbnb

Mansão em Porto Alegre funcionou como filial do Dops entre 1964 e 1966, e era anunciada no serviço com diárias de R$ 700. Página do imóvel foi removida pelo Airbnb
Casa ditadura Airbnb
Imagem: Reprodução/Airbnb

“Aproveite sua estadia nesta casa de estilista, remodelada e serenamente jardinada em 1927”, dizia a descrição de um casarão no centro de Porto Alegre disponível no Airbnb. O imóvel em questão era anunciado no site como “Linda Casa de Época Moderna”, e prometia proporcionar “uma estadia tranquila e segura para os hóspedes”. Com três quartos e quatro camas, tem quatro banheiros e uma piscina, podendo receber até seis pessoas. Na promoção, era possível se hospedar na propriedade pagando R$ 700 ao dia — antes, o valor era R$ 1.175.

O que boa parte dos potenciais hóspedes não sabiam era que o tal casarão foi o primeiro centro clandestino de tortura do Rio Grande do Sul na época da ditadura. Também chamado de “Dopinho”, por ser uma espécie de filial do Dops, ele foi instalado na Rua Santo Antônio, nº 600 em abril de 1964.

A história foi trazida à público pela ilustradora Carolina Porfírio. Em sua página no Twitter, ela contou que, após ter uma reserva cancelada, procurava por alternativas de hospedagem no site quando se deparou com o tal casarão.

Imagem: Reprodução/Twitter

“Eu só achei no Airbnb e quase peguei”, disse, ao Gizmodo Brasil. Carol conta que a decisão de procurar um outro local para se hospedar em Porto Alegre aconteceu após descobrirem o passado da casa lendo avaliações sobre o local. “Era um lugar horrível, que deveria fazer parte da história e não ignorado como se nada tivesse acontecido”.

Como destaca esta reportagem do site Sul21, o local foi identificado como centro de tortura ainda em 2011. Uma placa que contava seu passado sombrio foi instalada em 2015 por iniciativa do projeto Marcas da Memória, criado para identificar locais onde ocorreram violações de direitos humanos na ditadura. Em outubro de 2020, a tal placa foi coberta com cimento pelos proprietários do imóvel — uma tentativa de maquiar o passado.

Nas imagens abaixo, é possível ver a antiga placa — bem como o local da calçada onde ela estava. Outra placa (a mais nova, que você vê no post do Twitter acima) foi instalada em abril de 2021, após um inquérito do Ministério Público.

A placa destaca que o local funcionou como uma “estrutura paramilitar para sequestro, interrogatório, tortura e extermínio de pessoas ordenadas pelo regime militar de 1964”. O comando do tal “Dopinho” era de Luiz Carlos Menna Barreto, que chefiava 28 militares, policias e agentes do Dops e civis. O marco dava, inclusive, o nome de um torturado da época.

“Apareceu no Guaíba o corpo com as mãos amarradas de Manoel Raimundo Soares, que suportou 152 dias de tortura, inclusive no casarão”. Na última frase, aparece o desfecho do local “Em 1966, com as paredes manchadas de sangue, o Dopinho foi desativado, e os crimes cometidos ali ficaram impunes”.

Mas como, afinal, a casa se tornou uma opção de aluguel em Porto Alegre pelo Airbnb?

Em 2014, os donos do imóvel concordaram em vender o local ao poder público. A ideia era que a casa se tornasse um centro cultural — mais precisamente, o Memorial Ico Lisboa, em homenagem ao militante Luiz Eurico Tejera Lisboa, desaparecido em 1972. Só que o projeto não avançou. Então, a casa continuou sendo posse de uma família de Porto Alegre — que não foi identificada.

Em nota enviada à imprensa, o Airbnb afirmou que desativou a acomodação para reservas enquanto avalia o caso.

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Guilherme Eler

Guilherme Eler

Editor-assistente do Giz Brasil, são-carlense e vascaíno. Passou pelas redações de Superinteressante, Guia do Estudante e Nexo Jornal.

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