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Como o surpreendentemente complexo cérebro da libélula a torna uma caçadora mortal

O inseto tem capacidades que imaginávamos existir apenas nos mamíferos

Como um jogador de beisebol que corre para pegar uma bola, as libélulas também são capazes de prever a trajetória de um objeto em movimento, geralmente a sua próxima refeição. Uma nova pesquisa revela os mecanismos por trás dessa complexa tarefa cognitiva, que já foi considerada exclusiva dos mamíferos. A expectativa é de que esses conhecimentos conduzam a inovações na visão dos robôs.

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Como humanos, damos por certo que podemos rastrear e prever a trajetória de um objeto que se mova através do tempo e do espaço. Podemos nos concentrar em um objeto em movimento quando há muito acontecendo em segundo plano e, mesmo assim, tirar temporariamente nossos olhos do objeto, sabendo onde estarão poucos momentos depois. Conseguimos fazer isso porque nossos cérebros estão equipados para fazer esses cálculos complexos em tempo real. Como um novo estudo publicado na eLife aponta, habilidades semelhantes também fazem parte do arsenal cognitivo da libélula.

Em 2012, Steven Wiederman, da Universidade de Adelaide, na Austrália, com a ajuda do biólogo da Universidade de Lund, David O’Carroll, descobriu que as libélulas têm algo que os cientistas não pensavam que os invertebrados tivessem: “atenção seletiva”. As libélulas usam essa habilidade quando buscam insetos, muitos dos quais se refugiam em enxames. Suas observações mostraram que as libélulas podem bloquear um único alvo e ignorar as distrações enquanto mergulham para o ataque. O problema é que os pesquisadores não tinham ideia de como as libélulas eram capazes de saber onde os objetos em movimento estariam no futuro, principalmente porque não achávamos que os insetos tivessem a arquitetura necessária do cérebro para permitir uma habilidade tão avançada.

Para descobrir como as libélulas eram caçadoras tão eficazes, Wiederman e O’Carroll decidiram realizar um novo estudo. Eles levaram 63 libélulas macho para o seu laboratório e as imobilizaram com uma mistura de cera e breu. Com eletrodos presos aos seus cérebros, foi mostrada às libélulas uma série de quadrados pretos feitos para imitar presas. Conforme foram reveladas as simulações de presas, os pesquisadores observaram como a atividade dos Detectores de Movimento de Pequenos Alvos (ou neurônios de STMD, na sigla em inglês) eram ativados nos cérebros das libélulas.

Em vez de apenas seguir o alvo através do tempo e do espaço ao longo de uma linha reta (como imagina-se que a maioria dos insetos faz), os neurônios STMD realmente trabalharam para prever a localização futura dos pontos negros, de acordo com o novo estudo. Esses neurônios especializados aumentaram sua atividade em uma pequena área de “foco” em frente ao objeto em movimento que está sendo rastreado; os neurônios individuais eram mais sensíveis aos movimentos logo à frente da posição momentânea do ponto preto. Além disso, quando o ponto preto desaparecia de repente (como um alvo pode fazer quando, digamos, ele voa para trás de uma árvore), o cérebro da libélula ainda trabalhava para prever onde o ponto provavelmente reapareceria. Insetos sem essa capacidade de previsão de trajetória simplesmente desistiriam da perseguição quando um objeto desaparecesse de sua visão.

“Os insetos e os mamíferos tiveram um antepassado em comum há mais de 500 milhões de anos, e, em muitos aspectos, os cérebros dos mamíferos são substancialmente mais complexos do que os dos insetos”, concluem os autores no estudo. “No entanto, [nossas descobertas] mostram que o cérebro de insetos pode realizar tarefas visuais anteriormente associadas apenas a mamíferos.”

Essa é uma descoberta emocionante, e não apenas por causa do que nos diz sobre os cérebros insectoides. Nos próximos anos, os cientistas podem usar essas ideias para desenvolver robôs autônomos mais seguros e capazes, sejam eles veículos autônomos (que, como libélulas, são objetos em movimento que precisam prever a trajetória de outros objetos em movimento) ou robôs voadores usados para fins de reconhecimento ou como polinizadores artificiais.

Realmente, não existe motivo para reinventar a roda; a natureza já fez muita pesquisa e desenvolvimento em nosso favor ao longo dos milênios.

[eLife]

Imagem do topo: Wikimedia

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