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Spray nasal à base de anestésico é aprovado nos EUA para tratar depressão

Depois de sinal verde de um conselho consultivo no mês passado, FDA aprova o uso de spray nasal à base de cetamina para tratar depressão

Ian Waldie/Getty Images

A FDA (equivalente norte-americana à Anvisa) aprovou seu primeiro novo tipo de tratamento de depressão em décadas, um medicamento de spray nasal baseado em cetamina sedativa.

O novo remédio, licenciado pela divisão farmacológica da Johnson & Johnson, a Janssen Pharmaceuticals, não é exatamente cetamina. Ele é derivado da esketamina, um parente químico da cetamina. O medicamento será vendido sob a marca Spravato.

Durante anos, a cetamina tem sido prescrita off-label (utilização não indicada no rótulo) para pessoas com depressão severa e idealização suicida, com alguns pacientes experimentando alívio em questão de horas. É importante apontar que esses são, normalmente, pacientes que não responderam bem a outros tratamentos. O spray nasal será aprovado para esse mesmo grupo seleto de pacientes.

“Existe uma necessidade de longa data por tratamentos efetivos extras para a depressão resistente a tratamento, uma condição séria e com risco de vida”, disse em um comunicado Tiffany Farchione, diretora interina da Divisão de Produtos Psiquiátricos do Centro de Avaliação e Pesquisa de Drogas, da FDA. “Ensaios clínicos controlados que estudaram a segurança e eficácia dessa droga, junto com uma revisão cuidadosa por meio do processo de aprovação de drogas da FDA, incluindo uma discussão robusta com nossos comitês consultivos externos, foram importantes para a nossa decisão de aprovar esse tratamento.”

De acordo com a FDA, a esketamina da J&J será aprovada para pessoas com depressão resistente a tratamentos, ou seja, pessoas que não responderam a pelo menos dois outros medicamentos antidepressivos. O remédio precisará ser tomado junto com um antidepressivo padrão, e cada dose será aplicada sob supervisão médica rigorosa, com os pacientes sendo monitorados por pelo menos duas horas antes de poderem deixar a clínica.

Dennis Charney, reitor da Escola de Medicina Icahn no Monte Sinai, foi um dos primeiros cientistas a investigar e encontrar evidências dos benefícios da cetamina no tratamento da depressão e da idealização suicida; mais tarde, ele se tornou um dos coinventores do spray nasal (Charney, a Escola de Monte Sinai e outros têm direitos de patente sobre a droga, que desde então foram licenciados à J&J). Charney disse ao Gizmodo que o Spravato dará às pessoas que anteriormente não podiam arcar com os custos da cetamina uma nova opção de tratamento.

“Eu sou obviamente tendencioso aqui, mas este é, sinceramente, um divisor de águas para o tratamento da depressão”, disse Charney ao Gizmodo, repetindo um chavão compartilhado por muitos no campo. “Quer dizer, estamos falando de potencialmente milhões de pessoas que podem ser capazes de se beneficiar desse tratamento se não tiverem respondido a outros.”

Como as seguradoras de saúde normalmente não cobrem a cetamina quando usada como antidepressivo, os pacientes têm sido forçados a pagar centenas de dólares por infusão do próprio bolso (o número de infusões totais necessárias pode variar, dependendo do paciente e sua resposta, mas muitas vezes é meia dúzia ou mais por cada ciclo de tratamento). A J&J ainda não respondeu a um pedido de comentários do Gizmodo sobre o preço do Spravato.

A decisão da FDA vem na sequência de uma votação quase unânime de um comitê consultivo para aprovar o medicamento no mês passado. Embora a maioria dos especialistas tenha concordado que os benefícios da cetamina superavam qualquer risco potencial, efeitos colaterais de curta duração como desorientação, aumento da pressão arterial e dores de cabeça têm sido comumente encontrados.

Esses mesmos especialistas, mesmo aqueles que aprovaram a droga, também apontaram a falta de pesquisa sobre seus riscos a longo prazo como um tratamento da depressão, como, por exemplo, pacientes desenvolvendo um transtorno por uso de substâncias ou até dano cerebral — ambos vistos em usuários recreativos. E eles pediram pesquisas de longo prazo para manter o controle sobre novos pacientes usando cetamina e para observar esses riscos.

Charney, que disse que não esteve envolvido no desenvolvimento clínico do Spravato pela J&J, acredita que é importante ficar atento aos riscos da cetamina. Mas ele apontou que as dosagens de cetamina normalmente dadas a pacientes com depressão são, geralmente, muito menores do que o que as pessoas tomam de forma recreativa.

“É algo que pudemos observar durante uns dois anos já. E os clínicos com quem conversei e eu não vimos isso (acontecendo) com os pacientes”, afirmou. “Pelo menos até agora, o risco de abuso parece ser bem baixo.”

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