Cientista chinês que diz ter criado primeiros bebês geneticamente modificados defende seu feito

Falando durante uma conferência de genética em Hong Kong nesta quarta-feira (28), o cientista chinês He Jiankui, que se encontra em apuros por ter supostamente criado os primeiros bebês geneticamente modificados, se disse orgulhoso de seu feito, apesar da condenação quase universal que recebeu de seus colegas. Em sua primeira fala pública desde o anúncio […]
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Falando durante uma conferência de genética em Hong Kong nesta quarta-feira (28), o cientista chinês He Jiankui, que se encontra em apuros por ter supostamente criado os primeiros bebês geneticamente modificados, se disse orgulhoso de seu feito, apesar da condenação quase universal que recebeu de seus colegas. Em sua primeira fala pública desde o anúncio e a repercussão, o cientistas ofereceu novos detalhes sobre seu projeto clandestino e não autorizado — incluindo a notícia de uma outra mulher que está gravida de um embrião editado.

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Na segunda-feira (26), uma reportagem da agência Associated Press sobre os primeiros bebês geneticamente editados do mundo — duas gêmeas apelidadas de Lula e Nana — abalou a comunidade científica, e não de um jeito bom. O cientista chinês He Jiankui admitiu usar a ferramenta de edição de genes CRISPR/Cas9 para modificar embriões humanos, na esperança de torná-los resistentes ao HIV. Ele disse que as meninas, que nasceram no início deste mês, são “normais e saudáveis”, mas críticos dizem que ainda é muito cedo para julgar. Embora outros cientistas ainda não tenham confirmado que He Jiankui realmente tenha editado geneticamente os embriões humanos, se as alegações forem verdadeiras, o experimento representa uma grande violação de ética em pesquisas.

A conquista de He, se é que pode ser chamada assim, foi amplamente condenada por cientistas e eticistas, que trouxeram uma série de preocupações. O CRISPR, por exemplo, já foi usado para modificar embriões humanos antes, mas ainda há muita coisa desconhecida sobre essa biotecnologia pioneira e como ela pode afetar a saúde a longo prazo de seres humanos geneticamente modificados. Nos Estados Unidos, por exemplo, os cientistas podem modificar o DNA de embriões para pesquisa, mas os embriões editados não podem ser implantados no útero da mãe e devem ser destruídos. As Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina dos EUA dizem que a edição de genes humanos é uma boa ideia, em princípio — só que é muito cedo para começar a fazer bebês geneticamente modificados. Pode levar anos, décadas ou até uma geração inteira antes que todos os riscos sejam conhecidos.

Dado esse estágio inicial da tecnologia de edição de genes humanos, He foi condenado por participar de um experimento de alto risco que não era medicamente necessário e por fazer sua pesquisa de maneira altamente clandestina. O cientista, argumenta-se, violou padrões científicos e éticos estabelecidos e não tornou seu trabalho transparente, e não está claro se os pais entenderam completamente a natureza do procedimento.

O governo chinês agora ordenou uma investigação sobre o incidente, enquanto a Southern University of Science and Technology, em Shenzhen, emitiu um comunicado, dizendo que a conduta do cientista ao “utilizar CRISPR/Cas9 para editar embriões humanos violou seriamente a ética acadêmica e os códigos de conduta”.

“Para esse caso específico, me sinto orgulhoso, na verdade.”

Nesta quarta-feira, durante a II Cúpula Internacional sobre a Edição do Genoma Humano, na Universidade de Hong Kong, He teve a oportunidade de explicar suas ações, pelas quais não pediu desculpas, exceto por dizer que se arrependeu de que a notícia de sua experiência tenha vazado para a mídia, como o New York Times relata. Ele estava programado para falar durante a cúpula, mas sobre outro tópico. Falando para um auditório lotado e imediatamente tratando do enorme elefante na sala, o cientista de 34 anos defendeu suas ações, dizendo que, “para esse caso específico, me sinto orgulhoso, na verdade”.

E, em mais uma reviravolta, a New Scientist noticiou também na quarta-feira que He afirmou que “há uma outra gravidez potencial”, embora ele tenha alertado que ela esteja ainda em um estágio bastante inicial.

O objetivo desse experimento de edição genética foi projetar uma imunidade a HIV/Aids diretamente no DNA humano. Para conseguir isso, He usou a ferramenta CRISPR/Cas9 para desabilitar o CCR5, um gene que produz uma proteína que torna as células vulneráveis ao vírus da Aids. Presumindo que o experimento funcionará como pretendido — ainda existe uma grande incerteza —, as meninas gêmeas entrarão para a história como os primeiros seres humanos geneticamente aprimorados. De fato, essa modificação pode ser considerada como um aprimoramento, e não uma terapia, embora se possa argumentar fortemente que, no caso de intervenções como imunidade, nenhuma distinção pode ou deve ser feita.

He Jiankui falando durante um painel na II Cúpula Internacional sobre a Edição do Genoma Humano, em Hong Kong. Imagem: AP

Durante sua palestra, He disse que as meninas serão monitoradas pelos próximos 18 anos, tempo durante o qual serão avaliadas para o caso do surgimento de mutações não intencionais e efeitos colaterais inesperados, além de confirmar sua resistência ao HIV. Como noticiado pela AP no início desta semana, oito casais foram inicialmente incluídos no estudo, com um deles desistindo. Todos os homens envolvidos no estudo tinham HIV, mas as mulheres, não. Um dos principais argumentos por trás do experimento, explicou He, era fornecer a esses casais crianças geneticamente imunes ao HIV.

He disse que 30 embriões foram criados durante o teste, dos quais 70% foram geneticamente editados, como informado pela New Scientist. O teste agora está em estado de espera, devido à repercussão global (apesar do status da mulher grávida recém-anunciada). O nascimento das gêmeas foi a culminação de um projeto de três anos que envolveu ratos, macacos e, por fim, embriões humanos, explicou He. Detalhes do teste foram enviados a um periódico científico não revelado para revisão por pares — o que parece um pouco tarde, considerando que as meninas já nasceram.

O professor He disse que os pais foram “informados das implicações”, acrescentando que eles tinham a “opção de deixar o estudo sem implantação ou escolher os embriões”, informa o New York Times. O “casal decidiu escolher implantar esses embriões para iniciar uma gravidez de dois embriões”, disse He. A mãe recusou a amniocentese durante a gravidez para procurar anomalias genéticas, algo que foi feito depois que as meninas nasceram.

Durante um painel após a palestra de He, o cientista enfrentou uma enxurrada de perguntas e críticas dos delegados da cúpula.

Quando perguntado por que considerou necessário realizar o experimento em segredo — o que ele fez, por exemplo, ao renunciar aos canais normais de comunicação e não buscar a aprovação dos reguladores chineses —, He disse que falou com vários especialistas sobre a perspectiva, segundo a New Scientist, embora tenha fornecido poucos detalhes sobre o conteúdo dessas conversas ou os nomes dos envolvidos.

He também admitiu que a Southern University of Science and Technology não foi informada sobre o trabalho; o cientista está atualmente em licença não remunerada e não disse à universidade que o dinheiro de pesquisa estava sendo usado para esse experimento de edição de genes não autorizado. Conforme noticiado pela AP no início desta semana, He esperou até o início de novembro para listar a pesquisa no registro chinês de testes clínicos, e a equipe médica envolvida no projeto pensou que eles estavam fazendo fertilização in vitro normal para casais, com a única diferença sendo a inclusão do mapeamento do genoma.

“Por que tanto segredo em torno disso, particularmente quando você sabe que o sentimento geral em torno da comunidade científica é de que não devemos ir adiante ainda?”, perguntou Robin Lovell-Badge, professor de genética e embriologia no Instituto Francis Crick, em Londres, durante o painel de discussão, conforme relatado pelo New York Times. “Você sabe que a acusação agora é de que você infringiu a lei. Se você tivesse envolvido as autoridades chinesas, elas poderiam ter dito que você não podia fazer isso.”

David Baltimore, geneticista do Instituto de Tecnologia da Califórnia e ganhador do prêmio Nobel, também falou durante a sessão de perguntas e respostas, dizendo que o episódio foi uma “falha de autorregulação da comunidade científica”, citando a falta de transparência. E mesmo que He tivesse passado pelos canais apropriados, Baltimore disse que o experimento “ainda seria considerado irresponsável”, devido ao status prematuro da edição genética humana, acrescentando que não era “medicamente necessário”.

De fato, existem outros métodos para proteger os filhos de um pai infectado pelo HIV, como remédios que mantêm a doença em remissão. Na cúpula, He ofereceu uma perspectiva diferente, dizendo que o casal havia “perdido a esperança pela vida” e que, “com essa proteção, (o pai) enviou uma mensagem dizendo que vai trabalhar duro, ganhar dinheiro e cuidar de suas duas filhas e de sua esposa pelo resto da vida”.

Essas declarações revelam a má compreensão da ética médica por parte de He, que oferece uma desculpa fraca em que as necessidades psicológicas dos pais, por mais genuínas que sejam, são colocadas à frente das necessidades das possíveis crianças; os médicos nunca devem se envolver em atividades ilegais e colocar vidas humanas em risco por razões como essa.

Quanto à alegação de He de que os bebês são “normais e saudáveis”, não é possível saber isso no momento, mesmo que seu DNA atualmente pareça normal. Mutações indesejadas em outros genes — um problema conhecido com o CRISPR — ainda são possíveis, e os efeitos podem se revelar mais tarde. Além disso, genes modificados podem aparecer em algumas células, mas não em todas — uma condição conhecida como mosaicismo. É importante apontar que essas modificações foram feitas nas células germinativas, o que significa que esse traço é agora hereditário. Caso anormalidades sérias sejam detectadas nos genes desses gêmeos, isso pode impedi-los de ter filhos, por medo de passar traços perigosos para a próxima geração.

O problema com as ações do professor He não é que ele tenha mexido com edição genética humana — é que ele agiu prematuramente.

Como nota final, é importante tratar uma outra grande preocupação associada com essa pesquisa — a perspectiva de bebês feitos sob medida. De fato, todo o propósito da edição genética humana é que os pais tenham maior controle sobre os genomas de seus filhos. Mas existe um medo de que terapias genéticas, como a eliminação de doenças genéticas, um dia darão lugar a melhorias genéticas.

Alguns bioeticistas conservadores alertam que os pais usarão essa tecnologia para dar a seus filhos maior inteligência e memória, ou selecionar características físicas específicas, como cabelo e cor dos olhos. Sem dúvida, teremos que ser cuidadosos enquanto nos aproximamos desse território genético inexplorado, mas não devemos impedir totalmente essa possibilidade. A seleção de traços humanos, em que aprimoramentos específicos são escolhidos pelos pais, pode ser uma coisa boa — como dar aos nossos filhos imunidades a doenças como a Aids.

O problema com as ações do professor He não é que ele tenha mexido com edição genética humana — é que ele agiu prematuramente. E muito. Torçamos para que o cientista chinês não tenha manchado irrevogavelmente essa perspectiva incrível por meio de suas ações egoístas e irresponsáveis.

[New York Times, New Scientist]

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