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Cientistas alertam sobre possibilidade de condições psicológicas e neurológicas ligadas ao coronavírus

Os danos causados pelo novo coronavírus podem ir além dos pulmões, afetando o cérebro de alguns pacientes e a parte psicológica da população em geral, alertam cientistas. Ainda não está claro a extensão desses problemas.

Trabalhador da área da saúde manuseia exames de coronavírus. Crédito: Getty Images

Trabalhador da área da saúde manuseia exames de coronavírus. Crédito: Getty

Os danos causados pelo novo coronavírus podem ir além dos pulmões, afetando o cérebro e a parte psicológica de pacientes, alertam cientistas. A doença pode afetar diretamente o sistema nervoso de alguns pacientes, tanto durante como após a infecção, e o estresse da pandemia e as suas consequências econômicas provavelmente estão provocando picos de ansiedade mesmo entre aqueles que não estão infectados.

Em novo artigo pré-impresso lançado esta semana na revista Brain, Behavior and Immunity, os pesquisadores Emily Troyer, Jordan Kohn, e Suzi Hong, todos da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), EUA, argumentam que o mundo está prestes a enfrentar uma “onda de choque” de doenças neurológicas e psicológicas causadas pelo COVID-19.

Alguns desses danos podem ser atribuídos às mudanças óbvias que a pandemia provocou na nossa vida cotidiana, mesmo entre aqueles que não foram infectados pelo novo coronavírus. Mas há uma percepção crescente entre médicos e cientistas de que o próprio coronavírus pode afetar diretamente a saúde do nosso cérebro.

“Penso que todos nós vimos recentemente uma mudança significativa na nossa sociedade e economia, que tem estado associada à angústia e ao medo”, disse ao Gizmodo a autora principal da pesquisa, Emily Troyer, psiquiatra da UCSD. “Não queremos minimizar isso, mas os meus colegas e eu também estávamos curiosos para saber se os indivíduos que tiveram COVID-19 iriam experimentar não só o estresse psicológico associado a uma pandemia, mas também outros sintomas neuropsiquiátricos relacionados com os efeitos do vírus ou da resposta imunológica do hospedeiro no sistema nervoso.”

Pandemias passadas causadas por doenças respiratórias virais, como a gripe, estavam estreitamente ligadas a picos relatados de sintomas neurológicos ou psiquiátricos, como danos cerebrais, alterações de humor ou disfunções musculares, segundo os autores dessa pesquisa.

Em muitos casos, esses sintomas apareceram durante a infecção inicial; outras vezes, acontecem após a infecção. Estamos começando a ver o mesmo padrão com o COVID-19 emergir.

Em poucos casos, pacientes confirmados com o novo coronavírus tiveram inchaço cerebral, derrames ou convulsões. Muito mais pacientes relataram perda de olfato ou paladar, que podem ser causados por danos neurológicos.

Os autores apresentam algumas teorias sobre a forma como isso está acontecendo. Algumas evidências sugerem, por exemplo, que o coronavírus pode escapar à barreira hematoencefálica e infectar diretamente as células nervosas. Outra teoria é a de que o sistema imunológico ultrapassa a sua resposta ao vírus, causando danos sistémicos em todo o corpo, incluindo no cérebro.

Também há teorias de que certas células imunológicas podem ser infectadas, migrar para o cérebro e depois desencadear uma inflamação perigosa. Outra teoria menos apoiada, mas ainda plausível, é a de que o coronavírus danifica o microbioma intestinal, que depois afeta o cérebro.

Todas essas explicações poderiam, até certo ponto, ser verdadeiras. Mas mesmo que uma pessoa esteja relativamente saudável durante o período de infecção inicial, isso não quer dizer que não haverá problemas futuros.

Algumas infecções virais, incluindo a gripe, podem desencadear posteriormente perturbações autoimunes que afetam o cérebro e o sistema nervoso, o que pode causar fraqueza muscular, dores crônicas e até mesmo paralisia. São casos raros, no entanto.

Além dessas preocupações diretas relacionadas ao coronavírus, a pandemia está também afetando a saúde mental das pessoas no geral. Milhões viram o COVID-19 adoecer ou matar familiares e amigos, e muitas nem conseguiram estar com os seus entes queridos nos últimos momentos ou durante os funerais, devido às medidas restritivas necessárias para retardar a transmissão entre as pessoas.

Essas mesmas medidas fizeram com que algumas empresas fechassem ou diminuíssem o seu efetivo, alterando dramaticamente a vida cotidiana da maioria das pessoas e causando danos financeiros graves. Em países como os EUA, as restrições fizeram com que as taxas de desemprego fossem as mais elevadas desde o período da Grande Depressão.

Os autores escrevem no artigo alguns relatos de suicídios entre pessoas preocupadas em ter a doença ou em pegá-la. Trabalhadores essenciais, incluindo aqueles de cuidados de saúde, também relatam elevados níveis de estresse e burnout relacionados com o COVID-19, uma vez que muitos recebem salários baixos e estão em condições de trabalho arriscadas que os deixam expostos ao vírus.

“Esta pandemia é uma fonte potencial de traumatização direta e vicária para todos”, escreveram os autores.

Como ainda estamos na fase inicial da pandemia, pode demorar muito tempo até que possamos saber o quão comum são os efeitos neurológicos entre aqueles que tiveram COVID-19, especialmente os que se encontram em fase pós-infecciosa.

Uma pergunta sem resposta é se estas complicações acontecem mais em pessoas infectadas com o novo coronavírus, chamado oficialmente de SARS-CoV-2, do que em pessoas com outros vírus de resfriado e da gripe. Mas em comparação com outros surtos recentes de coronavírus fatais como a SARS e o MERS, a escala dessa pandemia é significativamente maior, disse Troyer.

Ao chamar a atenção para esses problemas, os autores esperam que a comunidade médica se mantenha atenta à saúde cerebral dos pacientes de COVID-19.

“Queremos que as pessoas também tenham consciência de que o sistema nervoso pode estar envolvido no COVID-19, por isso esperamos que as pessoas falem com os seus médicos sobre quaisquer sintomas emocionais, comportamentais, cognitivos ou sensório-motores que possam ter durante a sua recuperação”, disse Troyer. “Não queremos causar mais preocupações às pessoas – apenas queremos que elas saibam que devem falar com os seus médicos sobre esse tipo de sintomas, caso surjam, e juntos superem isso.”

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