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Cientistas fazem carta condenando fim de quarentena e imunidade de rebanho para combater COVID-19

Cientistas e organizações de saúde pública do mundo todo estão assumindo uma posição firme contra a Declaração de Great Barrington, um documento divulgado recentemente que pede aos países que abandonem amplamente os esforços para conter a propagação da pandemia de COVID-19 e adotem a estratégia de “imunidade de rebanho”, focada em indivíduos mais jovens e […]

Pandemia de coronavírus. Imagem: Angela Weiss (Getty Images)

Imagem: Angela Weiss (Getty Images)

Cientistas e organizações de saúde pública do mundo todo estão assumindo uma posição firme contra a Declaração de Great Barrington, um documento divulgado recentemente que pede aos países que abandonem amplamente os esforços para conter a propagação da pandemia de COVID-19 e adotem a estratégia de “imunidade de rebanho”, focada em indivíduos mais jovens e menos vulneráveis.

Em várias críticas lançadas esta semana, a comunidade médica e científica considera que o plano é impraticável e antiético e provavelmente causará mais casos da doença e mortes. Um grupo de 31 cientistas publicou uma réplica à Declaração na revista médica The Lancet, batizando o documento de Memorando John Snow — uma referência ao médico do século 19 considerado um dos fundadores da epidemiologia moderna.

Divulgada na última quarta-feira (14), uma dessas condenações ao documento foi endossada por 14 organizações de saúde pública, incluindo a Associação Americana de Saúde Pública, que afirma que a Declaração deve ser vista não como uma estratégia, mas uma declaração política, que ignora a “sólida experiência em saúde pública” e “se aproveita de uma população frustrada”.

A imunidade de rebanho é definida quando um número suficiente de pessoas em uma comunidade são imunes a um germe, fazendo com que ele não possa mais se espalhar facilmente para pessoas não infectadas, particularmente aquelas mais suscetíveis a doenças graves. Isso normalmente é realizado por meio de vacinas seguras e testadas.

No entanto, a Declaração de Great Barrington pede que os países retomem quase todos os aspectos da sociedade de como eram antes da pandemia de coronavírus. Os quase 6 mil participantes do documento defendem que os jovens sejam infectados naturalmente, ao mesmo tempo que implementam uma abordagem vagamente descrita como “proteção focada” para populações mais velhas ou mais vulneráveis.

A Declaração tem gerado críticas. “Em vez de vender falsas esperanças que previsivelmente sairão pela culatra, devemos nos concentrar em como gerenciar esta pandemia de forma segura, responsável e equitativa”, diz uma das condenações.

O Memorando John Snow afirma que embora as pessoas mais jovens tenham menos probabilidade de morrer de COVID-19, os riscos de danos graves ainda são substanciais em nível populacional e é provavelmente impossível até mesmo retomar a “vida normal” ou evitar que o vírus se espalhe para pessoas vulneráveis ​​se a pandemia não for controlada.

“Além do custo humano, isso impactaria a força de trabalho como um todo e sobrecarregaria a capacidade dos sistemas de saúde de fornecer cuidados específicos e de rotina”, diz o Memorando. “Além disso, não há evidências de imunidade protetora duradoura ao SARS-CoV-2 após a infecção natural, e a transmissão endêmica, que seria a consequência da imunidade diminuída, apresentaria um risco para as populações vulneráveis ​​por um tempo indefinido.”

Outro ponto chave é que a definição de vulnerável se estende muito além dos idosos quando se trata de COVID-19. Por exemplo, cerca de 14% dos americanos com idades entre 45 e 65 anos têm diabetes — um importante fator de risco para a forma grave do novo coronavírus. Em comunidades de minorias étnicas, o risco de morrer é maior para pessoas mais jovens — nos EUA, cerca de um terço das mortes ocorreram entre negros e hispânicos com menos de 65 anos.

Para não ficar de fora, a Sociedade de Doenças Infecciosas da América (que representa mais de 12.000 pesquisadores no campo) e a Associação de Medicina para HIV divulgaram uma declaração desmentindo as afirmações da Declaração de Great Barrington. “Afirmar que abandonar a vigilância necessária para controlar a propagação deste novo vírus e que abdicar dos esforços para controlar uma pandemia que sobrecarregou os sistemas de saúde em todo o mundo é uma ‘abordagem compassiva’ é algo profundamente enganoso”, dizem.

Apesar de a Declaração do Grande Barrington ser apoiada por alguns pesquisadores com experiência em epidemiologia ou doenças infecciosas, ela também inclui assinaturas de pessoas sem conhecimento relevante — e isso sem mencionar alguns nomes obviamente inventados, como “Dr. Johnny Bananas”.

A Declaração também parece ter recebido apoio do Instituto Americano de Pesquisa Econômica, uma organização financiada por grupos de direita que, entre outras coisas, promove conteúdos que negam as mudanças climáticas. E vários dos principais cientistas envolvidos no grupo foram acusados ​​de práticas de pesquisa inadequadas e possivelmente antiéticas em seus trabalhos anteriores, justificando uma abordagem mais branda para a pandemia.

É verdade que alguns países conseguiram retomar a um tipo de normalidade descrito pelos defensores da imunidade de rebanho. Contudo, tais países têm sido os mais agressivos na tentativa de conter a disseminação da doença pela comunidade. Não há um modelo único para lutar contra a COVID-19, mas não faltam medidas práticas disponíveis, desde que haja vontade política e recursos.

“A evidência é muito clara: controlar a disseminação da COVID-19 pela comunidade é a melhor maneira de proteger nossas sociedades e economias até que vacinas e tratamentos seguros e eficazes cheguem nos próximos meses”, conclui o Memorando de John Snow.

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