Cientistas na China estão perdendo o rastro de pacientes editados geneticamente com a técnica CRISPR

As terapias genéticas estão em seus estágios preliminares de desenvolvimento, então faria sentido manter certo controle sobre os pacientes cujo DNA foi modificado por meio da inovadora técnica CRISPR. Para alguns cientistas na China, no entanto, isso aparentemente não é uma prioridade. • Governo chinês diz ter interrompido polêmico projeto de edição de genes de bebês […]
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As terapias genéticas estão em seus estágios preliminares de desenvolvimento, então faria sentido manter certo controle sobre os pacientes cujo DNA foi modificado por meio da inovadora técnica CRISPR. Para alguns cientistas na China, no entanto, isso aparentemente não é uma prioridade.

• Governo chinês diz ter interrompido polêmico projeto de edição de genes de bebês
• Novo estudo descobre consequências acidentais de edição genética do CRISPR

O Wall Street Journal está noticiando que um número não revelado de pacientes chineses com câncer que foram submetidos a terapias genéticas experimentais não está sendo devidamente acompanhado, como seria de se esperar. Nesses casos, os pacientes tiveram seus genes modificados com a ferramenta de edição de genes CRISPR-Cas9 em um esforço para tratar o câncer. Cientistas encarregados de pelo menos um estudo não mantiveram laços com seus pacientes posteriormente e não realizaram exames de acompanhamento, de acordo com o Wall Street Journal.

De fato, os acompanhamentos são extremamente importantes para pacientes submetidos a terapias de genes. Mudanças no DNA podem desencadear consequências indesejadas. Problemas de saúde inesperados decorrentes de modificações genéticas, tais como doenças autoimunes, podem surgir mais tarde na vida.

“Como não entendemos totalmente o genoma humano e ainda estamos desenvolvendo conhecimento sobre (o CRISPR-Cas9 e tecnologias relacionadas), precisamos monitorar as consequências desejadas e indesejadas sobre a vida dos pacientes”, disse ao Wall Street Journal Jennifer Doudna, bioquímica da Universidade da Califórnia em Berkeley e coinventora do CRISPR.

Esse é o mais recente e preocupante acontecimento da pesquisa biomédica na China. No mês passado, o cientista chinês He Jiankui afirmou ter produzido os primeiros bebês geneticamente modificados do mundo. O cientista, que trabalha na Southern University of Science and Technology em Shenzhen, disse que usou o CRISPR para modificar o DNA de embriões humanos, resultando no nascimento de meninas gêmeas com suposta imunidade ao HIV. Pouco depois dessa notícia, o governo chinês expandiu seu sistema de crédito social para incluir infrações cometidas por pesquisadores, um esforço para conter a endêmica má conduta científica no país.

A edição de genes da linha germinal humana e a implantação de embriões no útero materno ainda não são legalizadas na China ou em qualquer outro lugar do mundo, principalmente porque a edição genética ainda está em seus estágios iniciais e porque os traços modificados seriam hereditários (tanto nos EUA quanto na China, não há problema em modificar embriões, mas eles precisam ser destruídos após alguns dias). A edição genética somática, por outro lado, na qual o DNA de uma pessoa viva é alterado para tratar várias doenças, desde câncer até hemofilia, resulta em mudanças genéticas que não são hereditárias. Mas as terapias genéticas somáticas, como a variedade de linha germinal, também estão em sua fase inicial, exigindo a devida diligência, supervisão responsável e uma grande dose de cautela.

As terapias genéticas somáticas são legais tanto na China como nos Estados Unidos. Nos EUA, os cientistas pesquisadores têm caminhado com cuidado nessa direção, com a FDA (órgão público norte-americano responsável pelo controle de alimentos e medicamentos) mantendo um olhar atento. Até o momento, apenas uma terapia genética foi aprovada nos EUA — um estudo clínico na Universidade da Pensilvânia para testar a segurança do CRISPR e envolvendo apenas 18 pacientes.

Na China, no entanto, não existe equivalente à FDA. Os médicos podem prosseguir com um estudo clínico depois de receberem aprovação dos conselhos de ética de seus hospitais, conforme noticia o Wall Street Journal. Até janeiro de 2018, pelo menos 86 pacientes na China tiveram seu DNA editado com CRISPR. A maioria desses estudos está sendo conduzida pela Anhui Kedgene Biotechnology Co., uma startup privada, como aponta o WSJ:

Um dos projetos da Kedgene perdeu o contato com pacientes cujo DNA foi alterado, de acordo com uma pessoa familiarizada com o assunto. A fundadora da Kedgene, Mandy Zhou, disse que um dos testes não completou a investigação como planejado e, como resultado, perdeu o contato com os pacientes. Nenhum paciente morreu durante o tratamento nesse teste, ela acrescentou.

Outro teste da Kedgene, no Hospital Provincial de Anhui, tratou 18 doentes, de acordo com Wang Yong, que o realizou. Muitos participantes morreram à medida que o seu cancro crescia, disse o Dr. Wang, sem dar um número específico. O médico afirmou que o Ministério da Ciência lhe pediu para enviar neste mês um relatório sobre o teste, a primeira vez que as autoridades de Pequim procuraram informações sobre o estudo desde o seu início, há mais de um ano.

Três dos médicos envolvidos nos testes de edição genética foram recentemente contatados pelos Ministérios da Ciência e da Saúde da China (a coisa mais próxima que a China tem da FDA, mas que nem chega perto). Quando o Wall Street Journal entrou em contato com esses ministérios para obter mais informações, eles se recusaram a comentar.

Tudo isso é muito frustrante e lamentável, principalmente porque esse comportamento científico deplorável está dando ao CRISPR e a toda a perspectiva de edição genética uma má reputação. O CRISPR e outras tecnologias de edição de genes estão prontos para eliminar dezenas de doenças e até mesmo inaugurar a era da seleção de traços humanos e melhorias (as gêmeas editadas por genes com imunidade ao vírus da AIDS, por exemplo, é realmente uma ideia muito boa em princípio — só que é muito prematura).

Infelizmente, a situação com os cientistas chineses poderia influenciar a opinião pública contra essas promissoras biotecnologias, que já são controversas por si só.

[The Wall Street Journal]

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