Cientistas descobrem uma forma de se comunicar durante os sonhos

O estudo aponta que é possível existir uma pequena comunicação entre aqueles que dormem e os que estão despertos.
Sinais elétricos do cérebro de uma pessoa adormecida são mostrados no monitor. Imagem: K Konkoly

O véu entre o mundo dos sonhos e a realidade pode ser mais tênue do que pensávamos. Um novo estudo divulgado nesta quinta-feira (18) mostra que é possível existir uma comunicação com pessoas que estão tendo sonhos lúcidos. Em alguns momentos, elas são capazes de responder de forma monossilábica e resolver problemas matemáticos simples por meio de movimentos faciais e oculares. Algumas até se lembraram de ter ouvido as perguntas durante o sonho.

O neurocientista cognitivo e autor do estudo Ken Paller, junto dos seus colegas da Northwestern University em Chicago, têm estudado a conexão entre o sono e a memória há muitos anos. É comum pensar que o sono é crucial para o armazenamento consistente de memórias criadas ao longo do dia. No entanto, pouco se sabe sobre esse processo e como os sonhos podem desempenhar um papel nele.

“Estamos investigando o sonho para aprender mais sobre o porquê dele acontecer e como pode ser útil para a função mental durante o despertar”, disse Paller ao Gizmodo por e-mail. “Como em nosso outro trabalho, levantamos a hipótese de que eventos de cognição do sono podem ser benéficos para a função da memória.”

Uma razão pela qual é difícil entender o processo por trás dos sonhso é que a maioria de nós tem problemas para lembrar dele ao acordar. Contudo, Paller e sua equipe apontam que nas pesquisas anteriores, houve indicações de que as pessoas podem ser influenciadas por sons do mundo exterior enquanto dormem. Quando os indivíduos que afirmam ter controle sobre seus sonhos foram analisados, foi notada uma sinalização para observadores externos por meio de movimentos oculares. Em 2018, um estudo sugeriu que esses meneios poderiam ser usados para identificar quando uma pessoa entrar em estado de sonho lúcido.

Muitas pessoas estão familiarizadas com a comunicação unilateral com alguém que dorme, pois o sonambulismo e o sonilóquio são fenômenos comuns. Mas, a equipe de Paller raciocinou que deveria ser possível haver uma comunicação bidirecional entre os sonhadores e os observadores despertos e que os primeiros deveriam ser capazes de se lembrar dessas conversas.

Eles também teorizaram que essa comunicação poderia ser induzida e replicada nas condições certas no laboratório, o que seria ótimo para futuras pesquisas. No entanto, eles não foram os únicos cientistas a ter essa ideia, já que pelo menos outros três grupos de pesquisa na França, Alemanha e Holanda perseguiam o mesmo objetivo.

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“Os grupos de pesquisa fizeram estudos de forma independente e depois descobrimos que havíamos feito estudos semelhantes em diferentes países. Então, decidimos publicar todos os nossos resultados juntos de forma cooperativa, em vez de existir uma competição”, disse Paller.

Ao todo, o estudo envolveu 36 voluntários. Alguns eram autoproclamados especialistas em sonhos lúcidos, em particular um francês de 20 anos, participante de narcolepsia, o que possibilitou a ele alcançar o sono REM (o estágio do sono em que os sonhos são mais comuns) no primeiro minuto de um cochilo. Outros participantes não tinham experiência anterior com sonhos lúcidos, mas a equipe de Paller buscou treinar a todos para iniciar um sonho lúcido por meio de um determinado som ou palavras faladas. Em outros casos, contavam com luzes piscando ou tocando levemente os adormecidos. Os voluntários também foram monitorados por meio de medições típicas do sono, como o método EEG, que registra a atividade cerebral.

Ao longo de 57 sessões de sono, os participantes foram capazes de sinalizar em 26% das vezes que entraram em um sonho lúcido por meio do movimento dos olhos. Nessas sessões bem-sucedidas, os cientistas foram capazes de obter pelo menos uma resposta correta por meio dos movimentos dos olhos ou contorções faciais. No geral, das 158 vezes que tentaram se comunicar com um sonhador lúcido durante essas sessões, obtiveram uma taxa de resposta correta de 18%. A situação mais comum, equivalente a 60%, foi não ter nenhuma resposta.

Quando os voluntários foram questionados sobre suas experiências, alguns disseram ser capazes de se lembrar das instruções pré-sonho que receberam e tentaram realizar, enquanto outros relataram ter ouvido as perguntas que recebiam durante o sonho, embora nem sempre da mesma forma. Nestes casos, muitos puderam ouvir palavras que claramente pareciam vir de fora de sua realidade atual, como através de um rádio ou outra forma de comunicação. Ainda haviam ocasiões em que as pessoas não conseguiam lembrar claramente o que tinha acontecido ou as perguntas não correspondiam ao que realmente haviam recebido.

As descobertas do estudo, publicadas na Current Biology, são baseadas em uma pequena amostra, por isso as conclusões devem ser vistas com ressalvas. “Eles expuseram que é pelo menos possível ter uma comunicação bidirecional com os sonhadores”, disse Paller. “O fato de que diferentes grupos de cientistas, em diferentes partes do mundo e usando métodos ligeiramente diferentes, foram capazes de registrar esse acontecimento indica que não é apenas um fenômeno isolado ou identificado incorretamente”, acrescentou.

A equipe chamou o fenômeno de “sonho interativo”. Por agora, existe um planejamento para continuar a melhorar a capacidade das pessoas de entrar nesse estado.

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“No momento, estamos explorando possibilidades de experiências de execução nas próprias casas das pessoas em vez do laboratório. Pode haver algumas vantagens em fazer isso, já que as pessoas não serão influenciadas pelo ambiente incomum ou pela tecnologia de monitoramento que usamos”, disse Paller. Um caminho que eles estão explorando para pesquisas futuras é usar um aplicativo de smartphone que ensina as pessoas a ter sonhos lúcidos e como melhorá-los. Aliás, para os curiosos de plantão, ele já está disponível.

A esperança é que essa técnica permita que pesquisadores como Paller cheguem um pouco mais perto de desvendar os mistérios de nossas vidas oníricas e como elas podem afetar as horas em que estamos despertos. Com o tempo, essa pesquisa pode até ser aplicada de forma proativa para melhorar a vida das pessoas, melhorando seus hábitos de sono e sonho.

“Os aplicativos podem ser desenvolvidos para resolução de problemas, prática de habilidades bem afiadas, desenvolvimento espiritual, terapia de pesadelo e estratégias para outros benefícios psicológicos”, diz Paller.

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