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Cientistas planejam “Arca de Noé” para salvar animais do Ártico

Região conhecida como “Última Área de Gelo” é lar de espécies que sustentam um ecossistema inteiro. Entenda

Urso em calote de gelo. Crédito: BJ Kirschhoffer/Polar Bears International

Uma região batizada de “Última Área de Gelo”, localizada ao norte da Groenlândia e da Ilha Banks, no Canadá, pode dar aos cientistas a esperança de um habitat para diversas espécies — quando os efeitos do aquecimento global forem irreversíveis.

Tudo porque o gelo que fica nessa localidade durante o verão sobrevive por mais tempo. Essa cobertura gelada extra é ideal para garantir que espécies de climas ultrafrios sobrevivam em um mundo que deve ficar cada vez mais quente.

Brandon Laforest, especialista em ártico do World Wildlife Fund (WWF), em Montreal, no Canadá, explicou que grande parte do habitat do qual as espécies animais dependem se tornará inabitável com o degelo. Os pesquisadores acreditam que preservar a região seria como manter uma ‘Arca de Noé’ com todos animais e seres vivos do Ártico.

Um exemplo: em 2012, o código genético do urso polar revelou que a espécie já havia enfrentado extinção em um período quente da Terra, cerca de 130 mil anos atrás, e conseguiu se recuperar. Agora, na esperança de que a região possa ser um refúgio para mamíferos e até micróbios, os cientistas querem criar um plano gigantesco de preservação da área. Um estudo que detalha a ideia foi publicado na revista Science.

Foto: Robert Newton / Observatório Terrestre Lamont-Doherty

Área de preservação

A Última Área de Gelo está cercada por uma barreira natural, formada por ilhas no extremo norte do Canadá, que evitam que o gelo marinho se mova para o sul e derreta no Atlântico. Dessa forma, à medida que a água congelada de outras partes do Ártico colide com esse bloqueio, ela se acumula.

Foto: WWF Canadá

A área cheia de icebergs é o lar do plâncton e de algas unicelulares que evoluíram para crescer diretamente no gelo. Esses animais são o que sustentam um ecossistema que alimenta de tudo — desde minúsculos crustáceos até baleias belugas, focas aneladas e ursos polares.

Laforest explicou em entrevista ao site Science News que proteger a Última Área de Gelo não é apenas uma questão de proteger as criaturas árticas — os blocos de gelo são uma ferramenta importante na regulação do clima, já que a superfície branca reflete a luz do sol de volta ao espaço, ajudando a resfriar o planeta.

O local é uma região protegida por governos e comunidades indígenas. Esses esforços trouxeram resultado. Em 2019, autoridades canadenses decidiram transformar quase um terço da Última Área de Gelo em reservas marinhas. Até 2024, toda atividade comercial dentro dos limites das reservas está proibida — com exceção dos povos indígenas. Especialistas agora estão pedindo que a área seja colocada sob proteção permanente.

Esforços necessários

Ainda assim, o comprometimento precisa ser maior. Uma rachadura gigantesca de três mil quilômetros quadrados se formou na chamada região. A polínia, como é conhecida, é sinal das mudanças climáticas que estão afetando o local. Os registros foram relatados em um estudo publicado na revista Geophysical Research Letters.

Em comunicado, Kent Moore, pesquisador da Universidade de Toronto-Mississauga que liderou o estudo, disse que o fenômeno é considerado bastante incomum para o lugar. Segundo o cientista, ninguém tinha visto uma polínia nessa área antes — já que o gelo é muito espesso e difícil de quebrar.

Em entrevista ao Science News, Stephanie Pfirman, oceanógrafa da Universidade Estadual do Arizona em Tempe, que foi coautora do estudo sobre o gelo marinho com Newton, disse que  para salvar as últimas camadas de gelo — e as criaturas que dependem dele — a remoção dos gases do efeito estufa da atmosfera será essencial. Essa seria, segunda a pesquisadora, a única forma de ganhar tempo para proteger o gelo marinho e as espécies que dependem dele.

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